Estatal derruba casas e deixa famílias sem auxílio em Minas Gerais

Moradores de Nova Porteirinha, no norte de Minas Gerais, denunciam violação de direitos na reintegração de posse da Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) 

Moradores de Nova Porteirinha, em Minas Gerais protestam contra a derrubada de suas casas - Foto: Thiago Alves

Maíra Gomes, de Belo Horizonte (MG) 

“Eu não recebi papel nenhum para derrubarem minha casa. Amigos me ligaram e disseram: ‘Vem pra cá que tão derrubando tudo’. Quando cheguei já tinham arrebentado o cadeado, tirado minhas coisas pra fora e metade da casa já estava no chão”. O relato é de Jeferson Souza Cruz sobre o que aconteceu com sua casa, construída há mais de nove anos. Assim como sua família, outras três foram expulsas e tiveram suas casas derrubadas em uma ação de reintegração de posse da Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Outras quinze famílias já receberam ordem de despejo.

O caso se passa no município de Nova Porteirinha, no Norte de Minas Gerais. Em 1978, o rio Gorutuba foi cercado e criada a barragem Bico de Pedra, que abastece a cidade de Janaúba, polo da região, e serve ao Projeto de Irrigação Gorutuba. Grandes canais saem da barragem e seguem para os lotes irrigados, na época sorteados entre os produtores locais. Após a implantação do projeto, diversas famílias se instalaram próximos aos canais à procura de emprego e água. E assim vem sendo desde então.

Intimidações

Em 2005, alguns moradores da Vila dos Goianos – nome que foi dado à comunidade que ali se instalou – começaram a ser intimados a sair de suas casas. Os casos são diversos, mas o que é praticamente unânime foi a forma descuidada e desrespeitosa com que as intimações foram feitas. Grande parte dos moradores é analfabeta ou semianalfabeta. Assim, os documentos foram entregues sem explicações suficientes e os oficiais de justiça fizeram com que os moradores assinassem os termos. Alguns não deram atenção à intimação, outros entraram em contato com advogados particulares ou foram até a prefeitura.

Atualmente, sete anos depois, a expulsão começou. No fim de julho deste ano, duas casas foram derrubadas, e entre os dias 15 e 19 de outubro, outras duas. A moradora Elza Pereira dos Santos foi a primeira a sofrer com a ação. Ela conta que recebeu a intimação para desocupar sua casa em uma quinta-feira, com prazo até a segunda seguinte. Não tendo para onde ir, ficou no local. Na segunda, um oficial de justiça e dois policiais militares vieram até a sua casa e, diante da negação de dona Elza sobre sua saída, invadiram a residência e retiraram seus pertences, finalizando expulsão com a derrubada de sua casa. “Fiquei uma semana debaixo do pé de manga, não tinha pra onde ir”, desabafa. Hoje, Dona Elza está em uma casa alugada com sua família, mas não sabe até quando poderá pagar a moradia.

Maria Edite também era moradora da região. Em fevereiro deste ano, recebeu a primeira intimação. Não tendo para onde ir, pois não recebe nenhum benefício do governo ou aposentadoria, foi mandada para uma casa de aluguel sob a promessa de que a prefeitura pagaria os encargos. Após dois meses sem o pagamento, teve que deixar o local e voltar para sua residência.

Quando fui pra lá, há vinte anos, era só mato, de fora a fora. Tava muito ruim de serviço e meu marido foi para o mundo trabalhar, dizendo que voltava em quinze dias. Eu fiquei ali com meus meninos e montei uma barraca de lona”, relata Maria Edite. Um membro da Codevasf, vendo seu acampamento, indicou à Maria que poderia ser construída uma casa de adobe (casa feita de tijolos de barro a baixo custo) a trinta metros do canal. Quando seu marido voltou, a família levantou a casa, que hoje corre o risco de ser derrubada.

Após ter voltado para a vila, onde vivem também sete de seus onze filhos, já com suas famílias, Maria recebeu novamente a visita de um oficial de justiça, que a pressionou dizendo que se continuasse ali deveria pagar uma multa de trinta reais por dia. Sabendo que não teria como pagar e com medo inclusive de receber ordem de prisão, ela foi para uma casa de aluguel no dia 22 de outubro, ainda sem saber como pagará.

A família de Jeferson Souza Cruz, cujo relato abre a reportagem, teve sua residência derrubada sem aviso prévio. No mesmo dia em que a casa de Dona Elza foi demolida, há três meses, ele recebeu um telefonema de vizinhos informando que a Codevasf estava em sua casa. “O oficial de justiça alega que foi lá em casa e eu não estava. Aí foi embora e já voltou outro dia com trator, viatura da polícia e tudo”. Quando chegou ao local, Jeferson conta que teve medo de reagir devido à presença da polícia. Já há dez anos na região, ele afirma que comprou o terreno de um antigo morador e tem todos os documentos. Sua família está agora em uma casa alugada, paga pela prefeitura da cidade. O prefeito Wilmar Soares de Oliveira se comprometeu a pagar até o fim do seu mandato, em janeiro.

A Vila dos Goianos, que tem dezenove famílias moradoras, recebe os serviços da Copasa e Cemig, além de ter banheiros externos construídos pela prefeitura de Nova Porteirinha. Desde o início das ações, os banheiros foram derrubados, e a água foi cortada, pressionando os moradores a deixarem suas casas. A maior parte das famílias já o fez, estando agora na casa de parentes, em moradias alugadas ou de favor, espalhados por diversas cidades do país. Documentos recebidos pelos moradores informam que até o dia dez de novembro, o restante das moradias devem ser derrubadas.

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