Mato Grosso do Sul – Passo Piraju, a um passo da cova, por Egon Heck

Roça da comunidade indígena. Foto: Ruy Sposati/Cimi MS

Querem decididamente a comunidade kaiowá Guarani, embaixo da terra, há sete palmos.  Conforme pedido do senhor Esmalte, confirmado pelo juiz de primeiro grau, já em 2004: “O MM. Juiz de primeiro grau, então, determinou seja o cacique Carlitos de Oliveira advertido a não mais autorizar, incentivar ou permitir que os indígenas sob sua chefia ingressem na propriedade do autor e que a FUNAI providencie “a retirada dos índios da margem da propriedade do autor, assentando-os em local distante” (f. 159).

Quase uma década de tribulação, tormento e desassossego permanente. Talvez seja a comunidade Kaiowá Guarani da Terra Indígena Passo Piraju, emblemática de uma comunidade indígena sitiada, cercada de soja, cana e ódio. “Reduzidos sim, mas não vencidos”, diziam comunidades indígenas da Amazônia, quando da Marcha e Conferência Indígena do ano 2000.

Neste período vi as lágrimas deslizando no rosto de Carlitos, ao narrar tudo que passou nas décadas de luta pela terra e vida de seu povo. Ele recebeu a visita de dezenas de personalidades, delegações de Direitos Humanos e aliados, do Brasil e do mundo. Narrou com a mesma dignidade e fidelidade os acontecimentos, desde a expulsão de seu pai e comunidade do Passo Piraju, da área onde hoje se encontram.

Apesar de doenças, mortes, tensões e conflitos, pressões e enganações de toda ordem, Carlitos e sua comunidade, enfrentaram todas essas adversidades com muita fé e convicção de que Tupã, Nhanderu, fará um dia justiça para seu povo. Agora se encontra diante de uma nova ordem de despejo.

A pergunta crucial que fica é o que se quer de fato dos Kaiowá Guarani. Serão os sete palmos de terra, para consumar de vez o genocídio nunca estancado? Para os arautos dos decretos e práticas de extermínio é muito mais importante ampliar as lavouras de soja, uma vez que na bolsa de valores a cotação do grão maldito está alto, bem acima da vida de qualquer indígena.

Dos 44 indígenas assassinados neste ano, conforme dados divulgados pelo Cimi, 63% ocorreram no Mato Grosso do Sul, confirmando a triste estatística de campeão de violência contra os povos indígenas. Com certeza ações de reintegração de posse, além de ser um ato de violência em si, propiciam o desencadear de mais violências e mortes. No Estado recentemente três reintegrações de posse foram expedidas: Pueblito Kuê-Mbarakay (Iguatemi) Kadiwéu (Bodoquena) e agora Passo Piraju (Dourados).

Para Eliseu Lopes, representante da Aty Guasu na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), é inconcebível que se continue provocando mais violência ao invés de resolver o problema das terras indígenas de uma vez. Ele está participando de várias iniciativas dos Direitos Humanos “para que haja uma somatória de forças para impedir a continuação da violação dos direitos do nosso povo Kaiowá Guarani”, afirma Eliseu. Ele está cobrando do governo e em especial da Funai, a urgente publicação dos relatórios de identificação de todas as terras indígenas no Mato Grosso do Sul. “A APIB continua exigindo a revogação da portaria 303 da AGU, que é uma das causadoras de violência”.

Nesta semana foi instalado em Amambai um grupo de 20 integrantes da Força Nacional, para evitar a violência contra a população indígena em 12 municípios da fronteira com o Paraguai. Espera-se uma ação eficaz, especialmente em áreas em que as lideranças estão ameaçadas de morte, como em Arroio Korá.

 

Comissão da Verdade Indígena

Até que enfim neste país se resolve começar a fazer justiça, ou ao menos dar visibilidade, às violências, crimes, torturas e mortes contra comunidades indígenas em todo o país, ocasionando milhares de mortes. Embora tardiamente, e possivelmente contra a vontade de setores das elites do país, à semelhança da Comissão Camponesa.

Para o ex-secretário do Cimi, Saulo Feitosa a instauração de uma Comissão de Verdade Indígena, além de um valor simbólico muito grande, traz em seu bojo a possibilidade (e necessidade) de uma reparação aos povos afetados.

Egydio Shwade e a Comissão da Verdade em Manaus estarão entregando, na próxima semana, um relatório com mais de 200 documentos comprovando o massacre de mais de dois mil Waimiri Atroari, por ocasião da construção da estrada BR-194 que liga Manaus(AM) a Boa Vista (RR). A estrada foi construída durante a ditadura militar, nas décadas de 1960 e 1970.

Esse será um momento importante para esclarecer a morte de mais de 1.500 Yanomami, em decorrência da invasão de seu território, especialmente por garimpeiros e empresas mineradoras., na década de 1980. Também será o momento de esclarecer os massacres dos Juma (Tapauá-AM), do massacre do paralelo 11, Cinta Larga, dentre muitos outros. Quem sabe se comece a reescrever a história fazendo justiça a esses povos.

Egon Heck

Povo Guarani Grande Povo

Cimi 40 anos, 9 de outubro de 2012

http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6549&action=read

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