MS – Empresa protegendo índios, por Dalmo Dallari*

Um fato novo, de grande importância para a convivência harmônica e respeitosa de uma empresa com as comunidades indígenas, acaba de ocorrer em Mato Grosso do Sul e deve ser amplamente divulgado por estabelecer um novo parâmetro de relacionamento, promovendo a conciliação dos interesses econômicos da empresa com o respeito aos direitos fundamentais dos índios. Pela sua alta significação humanística e jurídica, essa inovação deve ser tomada como exemplo, pois, além de assegurar o relacionamento pacífico e justo entre as partes diretamente interessadas, ela contribuirá para que se tenha uma imagem positiva do Brasil, como Estado que busca o desenvolvimento econômico em harmonia com os valores éticos e jurídicos de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

O fato aqui referido, cujos pormenores serão expostos em seguida, é extremamente importante por deixar evidente a possibilidade de conciliação de interesses econômicos com o respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais das pessoas e das comunidades mais vulneráveis. Especialmente em relação aos índios brasileiros, continuam a ocorrer muitas violências, com a invasão de suas terras tradicionalmente ocupadas por aventureiros poderosos e sem escrúpulos, grileiros ricos que em muitas situações têm contado com o apoio, por ação e omissão, de governantes e políticos que se valem de seus cargos e de suas funções para obter vantagens pessoais. O que se vai relatar em seguida contrasta com essas violências contra as comunidades indígenas, que comprometem a imagem brasileira perante os outros povos.

No dia 20 de abril último, a empresa Raízen Caarapó Açúcar e Álcool, que tem uma unidade produtora no município de Caarapó, no estado de Mato Grosso do Sul, firmou um Termo de Compromisso de Cooperação com a Funai (Fundação Nacional do Índio), legalmente encarregada da proteção dos direitos e interesses das comunidades indígenas, tendo por objetivo a proteção de comunidades indígenas cujos territórios se localizam na área de influência da unidade produtora da Raízen no município de Caarapó. As áreas objeto do Termo de Cooperação aqui referido são a Terra Indígena Caarapó, cuja demarcação já foi concluída e homologada, e as Terras Indígenas Taquara e Guyraroká, estas últimas já identificadas e reconhecidas como de posse permanente dos índios mediante Portaria do Ministério da Justiça.

Visando conciliar seus interesses econômicos com o desenvolvimento sustentável e o respeito aos direitos das comunidades indígenas, a empresa decidiu formalizar num Termo de Compromisso esses objetivos, tendo como interlocutora a Funai, que acolheu prontamente a proposta e colaborou para sua concretização, reconhecendo tratar-se de uma iniciativa inteiramente favorável às comunidades indígenas. Como ficou estabelecido nesse termo, a empresa obrigou-se a suspender a aquisição de cana-de-açúcar produzida nas áreas indígenas aqui referidas, obrigando-se ainda a exigir que nos contratos que vier a celebrar com terceiros conste expressamente, para ambos os contratantes, a obrigação de respeitar os direitos indígenas.

Esse Termo de Cooperação foi estabelecido com vigência de três anos, mas certamente, por sua inspiração humanista e por se enquadrar nos princípios e objetivos da Constituição brasileira, deverá ter caráter permanente. Mais do que isso, deverá servir de exemplo e inspiração para que outras empresas, assim como todos os que pretendam desenvolver atividades econômicas nas regiões em que existam terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, busquem a conciliação de seus objetivos econômicos com o respeito aos ditames do desenvolvimento sustentável e aos imperativos da ética e do direito. Esse é o caminho para a construção de uma sociedade justa, e o Termo de Cooperação aqui referido é uma comprovação de que é possível a busca desse objetivo conciliando interesses legítimos e promovendo a convivência pacífica, que é um ideal da humanidade.

*Dalmo de Abreu Dallari é jurista. – [email protected]

http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/05/25/empresa-protegendo-indios/

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