Norte e Nordeste de Minas enfrentam uma das piores secas da história

Evangelista de Andrade caminha pelo leito da lagoa que evaporou

EM percorre municípios na região. Pelo caminho, encontra uma população acuada pela estiagem que começou cedo demais e já consumiu quase toda a reserva de água, fazendo Lavoura e gado definharem.

Luiz Ribeiro

Espinosa, Mamonas, Monte Azul e Porteirinha – O sertanejo é antes de tudo um forte. A constatação de Euclides da Cunha não deixou de ser verdade, mas nem a resistência que chamou a atenção do autor de Os sertões tem sido capaz de vencer o desânimo frente a uma das maiores secas de todos os tempos no Norte e Nordeste de Minas. No seus 78 anos, Celestina de Andrade, moradora da comunidade de Cabeceiras, na zona rural de Mamonas, calejada pelas dificuldades, jamais viu coisa igual. Estiagem houve outras. Muitas. Mas nada, nenhuma, como agora. “Antigamente, a gente perdia os mantimentos (plantações), mas o rio corria. Agora secou. Não tem mais água”, diz a aposentada. A barragem do Rio Cabeceiras está lá, no fundo da casa, para provar. Antes responsável por fornecer água para abastecimento da cidade, está vazia. Com isso, para os 6,3 mil habitantes do município, água, só a que brota dos caminhões-pipa. E ela é pouca.

O drama em Mamonas é apenas uma das consequências daquela que já é apontada pelos meteorologistas como uma das maiores estiagens da história do estado. A mancha de sede que ela espalha pelo mapa de Minas só faz crescer: já engoliu 96 municípios, todos em estado de emergência, a grande maioria no Norte e no Vale do Jequitinhonha. No seu rastro, a lavoura teve perda que supera 70%; quando não morre, o gado mingua com fome e sede; prefeituras escavam o solo atrás de água para a população, mas pouco encontram. Quando acham, em muitos casos o líquido que chega à superfície é salobro. Banho virou luxo, mantido graças a água de aspecto duvidoso, buscada cada vez mais longe.
Divisão

Especialistas tentam explicar o que o sertanejo sente na pele, sol após sol. “Na verdade, isso já é consequência do aquecimento global. As regiões semiáridas tendem a sofrer mais com os efeitos do fenômeno, vivendo contrastes, com muita chuva concentrada em determinado período, tendo, logo depois, estiagem rigorosa”, diz o meteorologista Ruibram dos Reis, do Instituto Climatempo e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Já o professor Expedito José Ferreira, coordenador do Centro de Estudos de Convivência com o Semiárido, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) em parceria com o governo de Minas, afirma que diversos fatores estão ligados ao longo período de estiagem. “O mais provável é que seja influência do fenômeno La Niña (resfriamento das águas do Oceano Pacífico)”, informa. Segundo ele, apesar de uma corrente atribuir o rigor da seca ao aquecimento global, ainda não há consenso na comunidade científica sobre isso.

Para quem vive no sertão mineiro, a verdadeira explicação pouca diferença faz, frente à aridez do cotidiano. Escassez de chuvas não é novidade no Norte de Minas. Mas, desta vez, a seca chegou bem mais cedo. Em outros tempos, maio era apenas o início da estiagem. Rios ainda corriam, plantações eram colhidas e havia pasto verde para espalhar o gado. A situação só apertava de verdade entre agosto e setembro. Neste ano, maio recebeu os moradores da região com o chão esturricado e poeira em leitos de cursos d’água. No campo, lavouras se perderam e produtores correm para vender rebanhos a qualquer preço, para não deixar os animais sucumbir à fome e à sede.

A equipe do Estado de Minas percorreu alguns dos municípios mais castigados. Lugares em que o volume de chuvas de outubro/2011 a março/2012 foi de pouco mais de 400 milímetros, metade da média histórica (800 a 900 milímetros). Só choveu mesmo até o início de janeiro. Tão pouco que muitos rios e córregos nem chegaram a correr. Nesta semana, foram registradas chuvas esparsas pela região. Em Montes Claros, chegaram até a causar danos ao asfalto, mas, no extremo Norte, área mais afetada, o pouco que pingou do céu não alterou em praticamente nada o cenário de desolação. Por isso, além da aridez já instalada, o que mais apavora o sertanejo é saber que chuvas “de verdade” só devem voltar à região em outubro ou novembro, como estimam meteorologistas.

“Será o fim do mundo?”, pergunta-se Celestina de Andrade, que encontramos em Mamonas. Ela conta que a família sobrevive graças à água captada na nascente em uma serra perto de casa. É a mesma que sustenta outros moradores do lugar, que rezam por mais um pouco de chuva que mantenha viva a última fonte.

Um deles é o agricultor Evangelista de Andrade Câmara, de 42 anos. “Em março, a nascente quase secou. Tive que trazer água na cabeça, de um poço.” Em anos anteriores, esta era a época de plantar alho em área de um hectare, perto da barragem do Rio Cabeceiras. Neste ano, ele preparou a terra, mas, com a barragem seca, o terreno ficou nu. Sem pasto, o agricultor também teve que vender parte do seu pequeno rebanho. Restaram seis reses, e nem elas ele sabe se vai conseguir manter até o fim da estiagem. “É a primeira vez que vejo uma seca deste tipo. Deus ajude que seja também a última.”

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/05/20/interna_gerais,295307/norte-e-nordeste-de-minas-enfrentam-uma-das-piores-secas-da-historia.shtml. Enviadas por José Carlos.

Aridez faz parte da rotina das famílias no Norte e Nordeste de Minas

Joel leva o gado para beber da fonte que também precisa utilizar

Para testemunhar a dificuldade no dia a dia, a equipe do Estado de Minas acompanhou durante 24 horas a rotina de um casal na zona rural de Mamonas

Luiz Ribeiro

Como é a vida de uma família acostumada com a água encanada em casa que, de repente, fica sem abastecimento? Para testemunhar a dificuldade no dia a dia, a equipe do Estado de Minas acompanhou durante 24 horas a rotina do casal de pequenos agricultores Joel Joaquim dos Santos, de 47 anos, e Julia Menezes de Souza, de 42. Eles têm dois filhos –  Victor Raique, de 9, e Thyllon Rick, de 10 meses – e moram na comunidade de Roçado Velho, a um quilômetro da zona urbana de Mamonas.

Pela manhã, logo depois de acordar, enquanto Julia faz o café e arruma Victor para a escola, Joel tira o leite e cuida dos animais. As primeiras dificuldades impostas pela seca aparecem logo cedo. O leite diminuiu e a ração precisa ser economizada, pois a lavoura de milho, de 5 hectares, foi quase toda perdida. “Era para colher 120 ou 140 sacas. Colhi 20”, conta.

Para cuidar dos porcos, Joel transporta na cabeça a água que apanha em um pequeno poço no leito do Rio Cabeceiras, a 200 metros de casa. Ele lembra que já viu o rio correr cheio o ano inteiro e que nadava nele, prazer que o filho Victor aparentemente nunca terá.

Ao meio-dia, Joel volta ao leito do rio, tangendo suas 16 reses para beber água. O trabalho é repetido no fim da tarde. Ele tem consciência de que, com o pasto destruído pelo sol forte, não vai conseguir manter o pequeno rebanho por muito tempo. “Quero vender algumas vacas, mas não tem quem compre”, lamenta.

Ao longo do dia, a mulher cumpre as tarefas de casa tentando economizar água ao máximo, pois o caminhão pode demorar até três dias para retornar. Antes de dormir, mesmo cansado, Joel tem que tem que encarar mais uma missão: com uma escada e um balde, sobe até a caixa-d’água, onde despeja toda a água que recebeu do caminhão-pipa. Dali, ela chega à tubulação do banheiro e da cozinha.

A lida do dia só muda de endereço nas cidades da região. Em Monte Azul, o pequeno produtor Abílio Joaquim da Silva, de 45, luta como pode para salvar o pequeno rebanho de 10 cabeças. Sem pasto, ele alugou uma área de de um vizinho, onde a lavoura de algodão não produziu e agora só vai servir para tentar matar a fome do gado. De acordo com a Emater-MG, no período de outubro até a última quinta-feira caíram apenas 418 milimetros de chuva na cidade de 22,3 mil habitantes e os prejuízos nas lavouras se aproximam de R$ 10 milhões.

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/05/20/interna_gerais,295310/aridez-faz-parte-da-rotina-das-familias-no-norte-e-nordeste-de-minas.shtml.

Norte do estado tem longo histórico de secas rigorosas

Moradores acordam cedo para ir aos poucos poços que restam

As piores secas piores registradas no semiárido mineiro e no Nordeste brasileiro ocorreram em 1939, 1975/1976, 1996/1997, 2007/2008.

Luiz Ribeiro

Dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG) e registros históricos indicam que as piores secas piores registradas no semiárido mineiro e no Nordeste brasileiro ocorreram em 1939, 1975/1976, 1996/1997, 2007/2008. Aos 90 anos, Domingos Jacinto de Oliveira, pequeno agricultor da localidade de Canafístula, no município de Porteirinha, conta que sobreviveu a todas elas. “Na seca de 1939 eu ainda era muito novo, e lembro pouca coisa. Só sei que o povo sofreu muito. Das outras, lembro tudo. E a deste ano é a pior de todas. Chuva mesmo só caiu até o começo de janeiro. De lá para cá, não choveu quase nada”, lamenta seu Domingos. Assim como os vizinhos, a família dele usa a água de um caminhão-pipa, que só aparece na localidade de 20 em 20 dias. Para manter os animais, a comunidade recorre a um poço tubular cuja vazão diminui a cada dia.

O rigor da estiagem considerada pelos moradores mais antigos como a pior da história também assusta o pequeno produtor Geraldo Luiz do Nascimento, de 66 anos, da localidade de Teú/Barreiro, no município de Espinosa. “Nas secas dos outros anos, salvava alguma coisa. Desta vez não sobrou nada”, conta Geraldo, que tenta alimentar sua cabrinha com a palha seca do que restou da roça de milho de dois hectares em seu torrão, que não vingou. O Rio Galheiros e outros córregos na região estão completamente vazios desde o ano passado. Por isso, quando o caminhão-pipa demora, a comunidade é obrigada a recorrer à água salobra captada em um poço tubular. llva Rodrigues Nascimento, de 35, recorre a uma carroça para carregar água por uma distância de 400 metros. “É a primeira vez que vivo uma situação dessa”, diz Ilva, que usa o que consegue captar para lavar roupa.

Mas a situação dela não é das piores. Alguns moradores da mesma comunidade têm de recorrer à velha lata d’água na cabeça, como faz Ana Senhora Ribeiro, de 42 . “Muitas vezes, uso essa água para cozinhar. Mas é ruim demais”, lamenta ela, que precisa andar 300 metros várias vezes por dia para apanhar água.

De acordo com o escritório local da Emater, de outubro a março, foi registrada em Espinosa precipitação de 423 milímetros. “A chuva não deu para encher nenhum rio do município e as perdas nas lavouras milho e feijão foram superiores a 70%”, relata Jorge Murilo Tolentino, técnico da empresa estadual no município.

O Verde Pequeno desapareceu

A grande preocupação das autoridades locais é que a barragem de Estreito (Rio Verde Pequeno), que abastece a cidade, está com apenas 20% de sua capacidade. Abaixo da barragem, o leito está completamente seco, como se verifica na localidade de Alagadiço 2. “Antigamente, corria muita água nesse rio. De uns tempos prá cá secou de vez”, conta o agricultor Cícero Nunes dos Reis, de 45, mostrando um local onde foi erguida uma velha “pinguela” para travessia do local onde hoje só há o leito vazio.

Com os leitos cortados, gente como Maria Aparecida Pimentel da Silva de Assis, de 44, uma das lutadoras da comunidade de Roça Velha, também na zona rural de Espinosa, tem de acumular tambores de plástico e o que mais possa guardar água para a família. Para consumo dos três filhos, ela conta com o pouco que é entregue pelo caminhão-pipa. Para cuidar dos animais, o marido dela, Urbano Rodrigues de Assis, de 48, precisa buscar água em carro de boi, em um poço tubular a quase um quilômetro de casa.

Enquanto isso…

…nordeste é castigado

No Nordeste do país, a estiagem também é considerada uma das piores da história. O vizinho estado da Bahia, por exemplo, está sem chuva há mais de cinco meses e quase 240 municípios já decretaram estado de emergência. Mais de 2,7 milhões de pessoas já foram afetadas apenas no estado. E o problema avança pela região. No Piauí, as perdas na lavoura ultrapassam 80%, e 112 municípios decretaram situação de emergência. Em Alagoas são 33 prefeituras nessa condição. Em Pernambuco, 97 municípios enfrentam a mesma situação e mais de 1 milhão de pessoas foram afetadas.

As piores secas da história

1939 – De acordo com registros históricos, em 1939 uma grande seca atingiu todo o Nordeste brasileiro, o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha, espalhando fome e desespero, com milhares de pessoas deixando as regiões atingidas em direção aos grandes centros.

1975/1976 – Tida como uma das mais severas estiagens que atingiram o Norte de Minas. Foi um longo período sem chuvas, que, na maioria dos municípios, não passaram de 500 milímetros na estação das águas (outubro a março). A estiagem durou em torno de 10 meses, provocando perda de quase 100% das lavouras.

1996/1997 – Uma grande seca abrangeu além do Norte de Minas todo o Vale do Jequitinhonha. As perdas nas lavouras foram de aproximadamente 100%. Longo período de estiagem, com chuvas acumuladas abaixo dos 500 milímetros no período chuvoso (outubro a março).

2007/2008 – O período seco também foi antecipado e a demora para o início das chuvas acarretou esgotamento das pastagens e das reservas alimentares. A pecuária foi o setor mais atingido e os produtores foram forçados a se desfazer de parte do rebanho. Foi registrada uma redução no rebanho bovino da região de aproximadamente 300 mil cabeças, devido a morte dos animais e vendas a baixo preço.

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/05/20/interna_gerais,295312/norte-do-estado-tem-longo-historico-de-secas-rigorosas.shtml

Comments (1)

  1. tristeza e o que o povo sente com uma seca dessas, estamos no periodo das aguas e quase que nao sentimos o cheiro da chuva. so deus por nos. pedimos a graça de deus , ele e quem pode olhar por nos.

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