Carta do I Congresso Internacional de Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais: Afirmação dos Direitos Humanos

Os Povos e Comunidades Tradicionais, Movimentos Sociais, Pesquisadores (nacionais e internacionais), Operadores do Direito, Gestores Nacionais e Sociedade Civil reunidos/as no I Congresso Internacional de Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais, na cidade do Salvador, Bahia-Brasil, nos dias 10, 11, 12 de maio de 2012, aprovam a seguinte Carta:

Considerando a importância da ênfase na cooperação internacional, na promoção e proteção dos direitos humanos;

Considerando as Convenções, Tratados e acordos internacionais de que o Brasil é signatário, envolvendo a proteção de direitos dos povos e comunidades tradicionais, direitos humanos, direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais;

Considerando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os povos indígenas e tribais, ratificada pelo Brasil em 2002 e em vigor desde julho de 2003, através da qual, buscando garantir a efetiva participação dos povos indígenas e tribais na tomada de decisões, os países signatários se comprometem a consultar os povos interessados quando forem previstas medidas legislativas ou administrativas que os afetem diretamente;

Considerando a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, cujo texto figura à continuação, como ideal comum que deve ser perseguido em um espírito de solidariedade e de respeito mútuo, conforme o art. 1 “Os indígenas têm direito, a título coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos”;

Considerando que a Declaração e o Programa de Ação de Durban, subscritos pelo Brasil, têm como objetivo a eliminação de todas as formas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata;

Considerando a Constituição Federal de 1988, que tornou crime os atos de racismo e em seu art. 3° constituiu como objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação;

Considerando o art. 231 da Constituição Federal de 1988, que reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e o art. 232, que estabelece que “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses”;

Considerando o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, onde se dispõe que os remanescentes das comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras tenham reconhecida a propriedade definitiva destas, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos;

Considerando que a diversidade cultural é um valioso elemento para o avanço e bem-estar da humanidade como um todo, e que deve ser valorizada, desfrutada, genuinamente aceita e adotada como característica permanente de enriquecimento de nossas sociedades;

Considerando a necessidade de consolidar os avanços na luta pela superação das desigualdades raciais no Brasil, por meio de ações afirmativas;

Considerando a relevância do Decreto 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que institui Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável para os Povos e Comunidades Tradicionais;

Considerando que os Povos e Comunidades Tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;

 Considerando que os Territórios Tradicionais são espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os artigos 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações;

Considerando a relevância do Decreto 4.887, de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

Considerando a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica;

Considerando as leis 10.639/03 e 11.645/2008, que instituem a obrigatoriedade do ensino das culturas africanas e afro-brasileiras e, o ensino da cultura indígena nas escolas públicas e da rede particular;

Considerando os avanços das políticas afirmativas no Sistema Judiciário com as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, que afirmou a constitucionalidade do Sistema de Cotas nas Universidades Públicas para negros e índios;

Considerando a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu o direito do Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe às terras da reserva Caramuru-Catarina Paraguassu, no sul da Bahia, considerando nulos todos os títulos de propriedades concedidos pelo Estado da Bahia a fazendeiros e agricultores, em terra indígena já anteriormente demarcada;

Considerando as constantes violações das leis e normas que asseguram, definem e protegem os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais no Brasil;

Considerando a violência da desterritorialização de Povos e Comunidades Tradicionais;

Considerando a demora abusiva e a omissão na demarcação e titulação de territórios indígenas, quilombolas, fundo e fecho de pasto e demais Povos e Comunidades Tradicionais;

Considerando a geração de conflitos oriunda da demora e omissão dos governos na efetivação das medidas necessárias para efetivar os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais;

Considerando que o Governo Brasileiro vem atuando, quer através de órgãos como o BNDES, quer em parceria com grandes investidores nacionais e estrangeiros, em atos e projetos que desrespeitam os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais, até mesmo expulsando-os de seus territórios;

Considerando que o capitalismo faz do racismo – institucional e ambiental – um de seus principais instrumentos de dominação;

Considerando que os Povos e Comunidades Tradicionais vêm sendo atingidos por práticas de racismo ambiental e institucional que desrespeitam suas identidades e de diferentes formas buscam inviabilizar suas vidas nos seus territórios;

Considerando o incremento da intolerância religiosa e da violência correlata face à leniência das autoridades responsáveis por garantir o direito à liberdade de culto;

Considerando o incremento da violência contra os Povos e Comunidades Tradicionais e dos movimentos sociais, em particular, a escalada de assassinatos e ameaças de suas lideranças;

Considerando a abusiva e reiterada criminalização das lideranças dos Povos e Comunidades Tradicionais e dos movimentos sociais brasileiros, assim como pesquisadores, técnicos, assessores e defensores;

Os participantes do I Congresso Internacional de Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais denunciam:

  1. O descumprimento sistemático da Constituição Brasileira, Leis, Convenções e Tratados voltados para a garantia dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais;
  2. O incremento do racismo institucional e ambiental, em particular com a autorização e implantação sistemática de unidades de conservação de proteção integral, hidrelétricas, termelétricas, mineração, barragens, monoculturas, carcinicultura, ferrovias, portos, gasodutos, especulação imobiliária e outras formas de invasão dos territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais;
  3. O emprego sistemático de meios violentos e agressivos, com a utilização das forças armadas e paramilitares contra Povos e Comunidades Tradicionais;

Baseados em tudo isso, os participantes do I Congresso Internacional de Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais indicam que:

  1. O Governo brasileiro assuma e respeite implemente a inclusão de todos os Povos e Comunidades Tradicionais na regulamentação da consulta prévia presente no Artigo 6º. da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho como sujeitos de direitos;
  2. Que o Congresso Nacional aprove e a Presidente da República do Brasil sancione o Projeto de Lei 7447/2010 que institui a Politica Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais;
  3. Os Povos e Comunidades Tradicionais são sujeitos históricos de direitos e devem assumir a defesa e tutela destes, inclusive os direitos comunitários;
  4. Que as universidades públicas federais e estaduais tenham formação e incluam nos seus currículos disciplina que leve em conta o direito e saberes dos Povos e Comunidades Tradicionais;
  5. Sejam postas em prática pelo governo as políticas de educação específica Indígena e Quilombola, já previstas em lei, garantindo sua qualidade e inserção nas respectivas comunidades;
  6. Seja posta em prática pelos governos federal, estadual e municipal a educação de reconhecimento da cultura dos Povos Indígenas e Afro-brasileira;
  7. Seja garantido aos Povos e Comunidades Tradicionais o acesso e utilização exclusivos aos bens e recursos naturais nos territórios;
  8. Seja criada a Universidade Federal dos Povos Indígenas do Brasil;
  9. Que os governos, nos seus diferentes níveis – federal, estadual e municipal- tomem medidas urgentes para garantir o saneamento básico e tratamento dos dejetos das cidades, que lançam seus esgotos em rios que passam pelos territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais, contaminando suas águas;
  10. Seja vetado por todos os governos no Brasil qualquer projeto que privatize a água, pois este é um bem público do povo brasileiro;
  11. Que sejam vetadas na íntegra pela Presidente da República do Brasil as alterações no Código Florestal que foram aprovadas pelo parlamento brasileiro.

Por fim, manifestamos nossa disposição de lutar pela garantia de todos os direitos dos povos e comunidades tradicionais no Brasil, criando uma instância nossa que se incumba nesta missão.

Salvador – Bahia- Brasil, 12 de maio de 2012.

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