Brasília, ainda criança, completava seus dez anos, quando duas dezenas de missionários e bispos se reuniam, sob os ventos auspiciosos e renovadores do Concílio Vaticano II e as desafiadoras verberações dos antropólogos em Barbados. Porém, o então secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Ivo Lorscheiter, fizera a convocação com mais uma preocupação, que era a tramitação no Congresso Nacional, do Estatuto do Índio, que estava para ser aprovado.
Foi nesta conjuntura que de 21 a 23 de abril de 1972, na sede do Antrophos em Brasília se realizou o terceiro encontro de missionários. Além dessa pauta de urgências da conjuntura, em plena ditadura militar, no “milagre brasileiro”, desenvolvimentismo, “ame-o ou deixe-o”, os missionários sentiram a necessidade urgente de enfrentar o desafio de mudanças profundas na sua forma de estar junto aos povos indígenas, através de alguma forma de organização e articulação. Já havia sido descartada a proposta de “diocese pessoal” à semelhança do que acontecia com relação aos militares, com um bispo responsável pela questão indígena em todo o país. Surgiu então a ideia de se conformar um Conselho congregando os missionários e estudiosos que pudessem ajudar na definição de formas de atuação mais coerentes, às luzes do Vaticano II e das conferências Episcopais de Puebla e Medellín, além de dar respostas concretas à realidade de morte e agressões e violências perpetradas contra a maioria dos povos indígenas do Brasil. Seria uma espécie de equipe assessora e animadora dos missionários.
Foi então que constituíram o Conselho Indigenista Missionário, no final do encontro, naquele dia 23 de abril. Já como primeira incumbência de contribuir com a proposta de Estatuto do Índio, construir um regimento interno e organizar encontros dos missionários, o Conselho iniciou suas atividades. Pe. Jaime Venturelli, salesiano, foi seu primeiro presidente. Tempos depois pediu demissão, pois a entidade passou a andar por caminhos – denúncias de violências, organização de equipes volantes de levantamento da realidade, críticas severas à política indigenista do governo, dos quais ele discordava. Nascia assim o Cimi, numa realidade de contradições, violências, genocídio. Na ata de fundação, além do secretário da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, estavam Dom Tomás Balduíno, Dom Eurico Kräutler (tio do atual presidente do Cimi, Dom Erwin Kräutler), Dom Pedro Casaldáliga, Dom Geraldo Sigaud, Dom Henrique Froehlich, Dom Alberto Gaudêncio Ramos, Dom Luiz Gomes de Arruda e Dom Estevão Avelar.
Nascia assim uma entidade que marcou decisivamente o indigenismo brasileiro e a presença missionária da Igreja Católica junto aos povos indígenas no Brasil. Como pastoral de fronteira, profética, com vários missionários dando seu testemunho com o sangue derramado pela vida dos povos indígenas, o Cimi, assim como a Comissão Pastoral da Terra, que nasceu em 1975, se constituíram sob o signo do testemunho radical de compromisso com a vida, ao lado dos mais oprimidos e marginalizados deste país.
“Indignados, comprometidos e esperançosos”
Com essas palavras, Dom Pedro Casaldáliga se referiu aos missionários do Cimi, por ocasião da celebração dos 40 anos de existência. Ao lembrar a atuação do Cimi nestas quatro décadas marcadas pelo profetismo, radicalidade do Reino, testemunho silencioso na encarnação-inculturação junto às comunidades indígenas, martírio, não deixou de mencionar as contradições e erros cometidos por missionários nesta caminhada. Porém, a celebração dessa memória também nos deve remeter a uma profunda avaliação para não apenas lembrar vitórias dos povos indígenas e nossa contribuição corajosa, teimosa e destemida, movidos pela opção radical pela vida, uma nova sociedade, a fé que nos impulsiona e alimenta, para definir os próximos passos, as novas estratégias de atuação.
Dom Pedro não podia deixar de mencionar duas dimensões muito presentes, buscadas em meio a muitas dificuldades, o “macro-ecumenismo”, diálogo intereligioso, em sintonia e com o processo de luta dos povos indígenas em todo o continente, na construção de um novo projeto de sociedade baseado nas experiências milenares do Bem Viver dos povos primeiros destas terras.
Para os aproximadamente 300 missionários indigenistas articulados no Cimi por esse Brasil afora, hoje é uma data especial. Lembramos centenas de aguerridos lutadores que não hesitarão em deixar o caminho fácil do sistema neocolonial e deram sua vida pela causa dos povos indígenas, seus direitos, suas terras, seus projetos de Bem Viver. Celebramos a vida e a esperança, renovando nosso compromisso com a causa dos povos indígenas, do Reino de justiça, de vida plena, de solidariedade e de paz.
Egon Heck
Cimi 40 anos, Goiânia 23 de abril de 2012.
Povo Guarani Grande Povo
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