Atriz do filme ‘Xingu’ estuda medicina na UFMG, mas continua presa à cultura de seu povo

Uma das principais presenças indígenas no filme ‘Xingu’, Adana Kambeba é defensora da cultura indígena

Carolina Braga

É com uma mochila de rodinhas carregada de garrafas de água, frutas, livros e computador que todo dia a caloura de medicina Danielle Soprano Pereira comparece às aulas. Mas há algo nela que a diferencia dos demais alunos que frequentam o tradicional curso da Universidade Federal de Minas Gerais. Atriz, atualmente em cartaz com “Xingu”, filme do diretor Cao Hamburger, ela é indígena do povo Kambeba, da Amazônia.

Danielle é nome em português de Adana Kambeba, que sempre faz questão de assinar a lista de chamada com a identidade original. Quem a vê circular pelos corredores da faculdade logo percebe se tratar de uma figura que vive entre dois mundos distintos. A mistura do jeans, a camiseta preta com largos brincos de pena, colares e desenhos no corpo reforçam a presença multicultural. 

“Sou das duas realidades. Da urbana e da floresta, porque sendo da cidade não perdi contato com o meu povo. Falo as duas línguas, converso com meus antigos, vou às aldeias”, explica a moça, que prefere não revelar a idade. “Tenho menos de 25”, despista.

Antes de “Xingu”, a única experiência de Adana Kambeba na seara da interpretação foi na minissérie “O auto do boi-bumbá”, dirigida por Cleber Sanches e veiculada somente em TV local de Manaus. Apesar de ter frequentado cursos de artes cênicas, nunca o fez pensando que um dia pudesse se tornar atriz. Muito menos, uma atriz médica.

“Meu caso é atípico. Desde criança falava coisas que não eram comuns para a minha idade. É como se tivesse uma missão”, relata. A menina recebeu orientação e ajuda de padres e freiras. Assim, prosseguiu com os estudos e se formou em escolas públicas de Manaus. Como ela mesma diz, tudo que viveu até agora foi uma espécie de preparação para participar das discussões em torno das questões indígenas do país.

Adana chegou ao teatro buscando autoconhecimento. “A música ou as artes cênicas são formas essenciais e profundas de trabalhar o interior do ser humano. Foi esse o princípio da minha busca”, conta. Além de atriz, ela também toca violino, compõe e canta em tupi.

Foi quando participava de reunião com lideranças de povos indígenas da região que surgiu o convite para o teste do filme sobre a história dos irmãos Villas Bôas. Adana chegou a discutir com a amiga, a bailarina Mara Pacheco, que interrompia a reunião insistindo para que ela se dirigisse ao local do teste. “Falei para ela: sabe-se lá que filme é esse? De repente é pornografia. Aí ela falou que era um filme de índio. Fui só para ela parar de encher minha paciência e levei duas amigas”, lembra.

Para surpresa de Adana, três semanas depois recebeu telefonema do responsável pela seleção do elenco no Amazonas, dando-lhes os parabéns pela aprovação. “Tinha me esquecido completamente, pois estava muito envolvida com as questões indígenas no Amazonas”, diz. O tema foi discutido com a mãe, um advogado e alguns caciques. “Precisávamos saber se era bom para mim e para o movimento. Minha vida sempre foi muito ligada com o coletivo indígena e não posso decidir nada sozinha. Sou tida como uma espécie de ponte entre as culturas”, explica.

Adana Kambeba ainda se diz perdida em meio a tantas entrevistas e compromissos gerados depois do lançamento de “Xingu”. Séria ao tratar dos assuntos de seu povo, quando menciona a experiência que teve com o filme a atriz não segura o lindo sorriso. Adana permaneceu no set durante os três meses da filmagem. “É uma experiência rica. Quando você vive a sétima arte, vê que tudo é interligado”, avalia.

Preparação 
“Xingu” foi rodado nos estados de Tocantins e Mato Grosso. Para interpretar Kaiulu, a companheira de poucas palavras e muita força de Cláudio Villas Bôas, papel de João Miguel, Adana contou com a ajuda dos preparadores de elenco Christian Duurvoort e Marina Medeiros. “Eles foram fundamentais para que nós, indígenas, tivéssemos ideia de como sentir nosso personagem”, explica.

Adana chegou a propor cenas para Kaiulu que alteraram a previsão inicial do roteiro. “Um dia, o diretor me perguntou o que eu faria se aquilo que se passa no filme acontecesse com o meu povo. Disse que não deixaria isso barato. A terra pertence ao meu povo e a mim. Por que eles tinham que chegar e matar todo mundo?”, questionou. Cao Hamburger acatou a sugestão da atriz e a bravura está na tela.

Aliás, interpretar uma mulher tão forte como Kaiulu é motivo de orgulho para Adana, que nutre expectativas com “Xingu”: que o longa revele mais sobre os indígenas aos demais brasileiros . “O filme evidencia bem a luta pela autonomia de nossos territórios, a busca de reconhecimento enquanto indígenas que querem viver a própria cultura, nossa forma de ser. Se um dia a gente quiser ter contato com o mundo não indígena, essa é uma escolha que tem que partir da gente”, defende.

Saiba mais – povo kambeba
“Fomos um dos primeiros povos a ter contato com o europeu na região amazônica (Peru/Brasil). Éramos conhecidos somente por omágua, que quer dizer ‘povo das águas’. Posteriormente, passamos a ser conhecidos como kambeba devido ao hábito de nossos antepassados, que habitavam a região do estado do Amazonas, de comprimirem a cabeça das crianças com tala de junco e algodão para que as mesmas, ao crescer, tivessem seus crânios chatos”, conta Adana. Kambeba vem do tupi: akanga é cabeça; e pewa é chata. O povo foi forçado a se espalhar para garantir a sobrevivência. Hoje, os kambebas podem ser encontrados, na Amazônia peruana e na Amazônia brasileira, em localidades como, Manacapuru, Novo Airão e Manaus, terra natal de Adana. De acordo com informações da Funai, há presença dos kambeba no Ceará.

Viva a diferença
Aluna do primeiro período de medicina, Adana ingressou na faculdade em março, por meio do programa de ações afirmativas oferecido pela Comissão de Acesso e Permanência Indígena.  Ela conta com boa acolhida de todos. Durante a aula de ciências sociais aplicadas à saúde, na quinta-feira, Adana se manteve atenta à fala do professor Itamar Sardinha. Como o tema era o dilema que as experimentações médicas envolvem, as diferenças culturais e éticas foram discutidas em classe. Os exemplos dos povos indígenas, como os infanticídios cometidos no passado, enriqueceram a troca de experiência entre alunos e professor.

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Enviada por José Carlos.

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