Entidades pedem Comissão da Verdade e revisão da Lei da Anistia

A audiência pública convocada pela Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça para discutir formas de engajamento da sociedade civil na luta pela apuração dos crimes cometidos durante a ditadura militar acabou se transformando em mais um grande ato em prol da instalação imediata da Comissão da Verdade e da revisão da Lei da Anistia. E escancarou a crescente mobilização social em torno do tema.

Najla Passos

Brasília – A audiência pública convocada pela Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça para discutir formas de engajamento da sociedade civil na luta pela apuração dos crimes cometidos durante a ditadura militar e pela punição dos culpados, na Câmara, nesta terça (10), acabou se transformando em mais um grande ato em prol da instalação imediata da Comissão da Verdade e da revisão da Lei da Anistia. E escancarou a crescente mobilização social em torno do tema.

A Comissão da Verdade foi criada pela Lei 12.528, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, em novembro do ano passado, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas de 1946 a 1988, período que compreende a ditadura militar (1964 – 1985). Porém, passados quase cinco meses, ainda não foi, de fato, instalada. Os sete membros que deverão compô-la não foram sequer nomeados.

Já a Lei da Anistia foi sancionada em 1979, ainda durante o regime militar, com o propósito de perdoar todos os crimes cometidos de 1964 até àquela data, inclusive assassinatos, torturadas e ocultações de cadáveres praticadas por agentes de estado, o que contraria a moderna legislação internacional. Apesar disso, em 2010, foi reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Representando os familiares dos mortos e desaparecidos políticos, Iara Xavier relembrou casos de tortura e assassinato que tiveram sua versão oficial maquiada, impossibilitando que a verdadeira história sobre o período seja contada. Ela defendeu o resgate da memória e da verdade, mas reivindicou, também, justiça, com a punição dos agentes do estado que cometeram crimes contra os direitos humanos. “Nós queremos, sim, uma Comissão, mas uma Comissão de Verdade, soberana”, afirmou.

O coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Gilson Cardoso, cobrou da presidenta Dilma Rousseff a instalação imediatamente da Comissão, para que o debate público sobre o tema seja instaurado e, a história oficial, reavaliada. O militante também destacou a importância da sociedade civil no processo. “Governos têm limites, mas nós da sociedade civil não temos. Nós temos, sim, são responsabilidades”, afirmou ele, defendendo a unidade dos diversos movimentos.

Representando a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Expedito Solonês, defendeu a revisão da Lei da Anistia. “A sociedade quer saber a verdade. Ninguém quer mais compactuar com isso. Queremos que a Justiça puna os culpados. Mas ainda há um debate necessário sobre a Lei da Anistia. Precisamos que ela seja revista, aqui, no Congresso Nacional”, destacou.

Segundo ele, o Congresso só aprovou a Lei da Anistia, em 1979, porque os militares ainda controlavam o país pelas armas. E foram 206 votos favoráveis e 201 contrários. “Não foi um consenso não foi tão grande como alegam. Essa lei precisa ser revista, inclusive, para ser adequada à legislação internacional”, disse.

O representante da OAB também enfatizou a necessidade de se punir os agentes da ditadura. “Para garantir nossa sobrevivência no futuro, é preciso que todos os ditadores do mundo saibam que seus crimes não ficarão impunes. É esse princípio que justificou a invasão da Líbia, a ação na Sérvia, dentre outras. No Brasil, parece que só os ditadores dos outros é que são feios”, comentou.

Para Britto, o futuro da tortura tem relação direta com o futuro do torturador. “Se nós perdoamos os torturadores, vai continuar ocorrendo tortura nas delegacias, nas penitenciárias, e com o apoio de parcela da sociedade. Anistia não é amnésia”, acrescentou.

Representando o Levante Popular da Juventude, movimento que vem expondo publicamente ex-agentes da ditadura, Janderson dos Santos concordou que o perdão aos torturadores gera impunidade social. “Nós não vivemos a Ditadura Militar, mas aprendemos com aqueles que viveram. A juventude, hoje, ainda vive processos de tortura e criminalização, em especial a pobre, negra e trabalhadora. Por isso, lutamos contra este legado que a ditadura deixou. E reivindicamos que a presidenta Dilma acelere processo de instalação da Comissão da Verdade, porque isso pode ajudar a acabar com o processo atual de extermínio da juventude”.

O presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia, José Henrique Rodrigues Torres, acrescentou que a Lei da Anistia é uma pedra no caminho da luta brasileira por justiça social. “Por muito tempo, tentaram nos convencer que aquela pedra fora colocada ali para permitir a transição pacífica à democracia. Ledo engano. Hoje sabemos que essa lei foi ditada pela ditadura para um Congresso submisso e ilegítimo”, denunciou.

Para o juiz, é imprescindível que o Estado brasileiro cumpra as determinações da Organização dos Estados Americanos (OEA) e adote imediatamente medidas, inclusive judiciais, para esclarecer os crimes cometidos no período. “A OEA já afirmou que é inadmissível estender os efeitos da Lei da Anistia para os agentes do estado que cometeram crimes de violação dos direitos humanos”.

O procurador federal dos Direitos dos Cidadãos em exercício, Aurélio Virgílio Veiga Rios, criticou a interpretação restritiva que o STF faz da Lei que, segundo ele, praticamente anula as possibilidades de punir os culpados e tem imposto sucessivas derrotas às tentativas do Ministério Público Federal (MPF) de garantir justiça. “A não ser que se mude a lei, o que podemos conseguir é localização dos corpos e identificação dos culpados. Não podemos nos iludir, porque as pedras são muitas”, afirmou.

O subprocurador-geral acredita que a Comissão da Verdade deve ser instalada, mesmo que apenas com o propósito de buscar essas informações cívicas: onde estão os corpos, o que ocorreu e quem foram os autores. “A punição desses culpados exigirá outro esforço imenso. Mas continuaremos trabalhando para isso”, garantiu.

O representante da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Carlos Moura, lembrou que a tortura foi incrustada no imaginário brasileiro como uma prática corriqueira pela escravidão que, durante séculos, torturou psicológica e fisicamente milhares de negros trazidos para o país. E reafirmou que a não punição dos crimes da ditadura faz com que a prática permaneça viva nas delegacias e no sistema penitenciário.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Domingos Dutra (PT-MA), informou que encaminhou à presidenta Dilma, naquela mesma data, um ofício cobrando a imediata instalação da Comissão. A deputada Érika Kokay (PT-DF) sugeriu que a Comissão encaminhe também à presidenta um pedido de esclarecimento sobre o porquê da demora. “Nós precisamos entender qual o sentido e o motivo de tanto atraso. Esta demora acarreta reações por aqueles que se apropriaram da história”, justificou.

A coordenadora da Comissão Parlamentar, deputada Luíza Erundina (PDT-SP) conclamou os presentes a pressionarem o parlamento a aprovar o projeto de lei de sua autoria que dá nova interpretação à Lei da Anistia, permitindo a punição dos autores de crimes de violação dos direitos humanos. “O projeto está engavetado na Comissão de Constituição e Justiça desde o ano passado. Precisamos que ele vá à votação”.

Fotos: Beto Oliveira/Agência Câmara

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