Ministério Público pede R$ 100 mi da ALL por trabalho escravo

Leonardo Sakamoto

A empresa de transportes América Latina Logística (ALL) está respondendo por uma ação civil públlica que cobra na Justiça o pagamento de uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100 milhões, conta do resgate de 51 trabalhadores mantidos em condições análogas às de escravos na manutenção da Ferrovia Santos-Mairique, concedida à empresa, no trecho que cruza a região da Serra do Mar – próximo a Embu-Guaçu (SP). O processo corre na 1ª Vara do Trabalho de Itapecerica da Serra (SP). Ainda não houve sentença judicial relativa ao caso.

Apenas como curiosidade: na semana passada, a Cosan (da marca de açúcar União e dos postos Esso), empresa flagrada com o mesmo problema e que chegou a figurar na “lista suja” do trabalho escravo do governo federal, declarou que firmou uma proposta para compra de ações da ALL, devendo se tornar a maior acionista individual do bloco de controle da empresa.

Trago os principais trechos da reportagem sobre o tema Maurício Hashizume, da Repórter Brasil. O jornalista também acompanhou em 2010 a operação que resultou na libertação dos trabalhadores:

De acordo com o procurador Luiz Fabre, do Ministério Público do Trabalho (MPT),  o valor que está sendo cobrado de indenização na ação civil pública considera fatores como o porte econômico da empresa (que anunciou lucro anual de R$ 1,494 bilhão em 2011, excluidos juros, impostos, depreciação e amortização); a extrema “culposidade” da envolvida; o nível de precariedade das condições de trabalho encontradas; e o total descompromisso da ré, que, segundo ele, ”limitou-se a negar qualquer responsabilidade decorrente da terceirização, não buscando caminhos para a solução amigável, nem demonstrando intenção de regularizar espontaneamente a sua conduta”.

O quadro encontrado pela fiscalização trabalhista – e também conferido in loco pela Repórter Brasil -, em alojamentos improvisados nas cercanias da estação abandonada de Engenheiro Ferraz, em dezembro de 2010, é classificado por Fabre como “um dos piores que já chegou ao meu conhecimento”. Não havia estrutura básica alguma. Dezenas de operários, parte deles migrantes aliciados na Bahia, foram alojados em contêineres no meio da mata. Isoladas, as vítimas relataram a convivência com a fome e o frio, além de ameaças físicas, retenção de documentos e falta de pagamento. Eram submetidas ainda a jornadas exaustivas e não usufruíam de folgas e descanso semanal. Em casos de acidentes e adoecimentos no canteiro de obras, não recebiam assistência por parte dos empregadores.

A gravidade da situação resultou inclusive na prisão em flagrante de Marcioir Silveira Teixeira, dono da M S Teixeira, subcontratada pela Prumo Engenharia, titular acionada pela ALL para realizar o serviço. Questionada pela reportagem, a ALL afirma que o “evento” em questão ”não teve a participação ou sequer a concordância” da concessionária. “Imediatamente após ter conhecimento do ocorrido, a empresa tomou as devidas providências, a fim de regularizar a situação dos trabalhadores”, segue o comunicado, que cita a preocupação com o “bem estar” e a “integridade” dos libertados, “em consonância com as rígidas políticas internas da empresa, que determinam o cumprimento das normas legais aplicáveis ao seu negócio”.

O procurador responsável pelo caso contesta a versão da ALL. De acordo com ele, não se trata de simples culpa “in vigilando“, isto é, a ignorância a respeito das condições de trabalho promovidas por empresas terceirizadas em razão de deficiências nos processos de gestão dos seus respectivos contratos, mas de uma “omissão diante de fatos de comprovado conhecimento da ALL, uma vez que o trabalho degradante era praticado em seu próprio canteiro de obras e era diretamente supervisionado por prepostos da empresa”. Tanto os auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) quanto a própria reportagem apuraram que funcionários da ALL tinham conhecimento da situação enfrentada pelos operários que acabaram libertados.

Protocolada em 13 de janeiro deste ano, a ação civil pública motivou a convocação de audiência marcada para o próximo dia 20 de março na Vara Trabalhista sob responsabilidade da juíza Vera Maria Alves Cardoso. Além do pedido de indenização de R$ 100 milhões, o MPT está cobrando ainda no mesmo processo uma multa de R$ 100 mil por cada trabalhador vinculado à ALL submetido a condições irregulares de trabalho.

As fiscalizações no setor, de acordo com Fabre, devem prosseguir até que a mensagem que os órgãos da área trabalhista desejam passar seja devidamente absorvida pelos destinatários: “mais cedo ou mais tarde, quem se beneficia do trabalho degradante responderá pesadamente por isso”. ”O ordenamento jurídico não tolera o trabalho escravo, não tolera o trabalho degradante e não tolera a precarização decorrente da terceirização”, completa.

Com relação ao pedido de indenização, a ALL se limita a repisar que “repudia veementemente qualquer prática contrária aos direitos trabalhistas” e que “em cooperação com a Justiça, responderá todos os questionamento feitos pelos órgãos pertinentes”. Com vistas a um ”maior controle de qualidade, produtividade e garantia de respeito à gestão de recursos humanos e ao código de ética”, a empresa do setor ferroviário alega que “vem primarizando [contratação direta] a mão de obra até então terceirizada”. Segundo informações da companhia, 3,1 mil funcionários tinham sido registrados até julho passado.

Representantes sindicais confirmam a “primarização” de setores que atuam na via permanente, mas denunciam a continuidade do recurso a terceirizações por parte da empresa. Marcos Antônio Oliveira, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de Bauru, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, que atua sobre vasta área de trilhos concedidos à ALL, afirma que a entidade segue recebendo denúncias de precarização decorrente de subcontratações. Há inclusive casos de migrantes atuando em obras pontuais, esparsas e afastadas, sem estrutura adequada, que vêm sendo recolhidos pelo MPT em Campo Grande (MS).

O Sindicato de Bauru deu início a um processo que resultou em decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) proibindo a terceirização por parte da ALL. Além da mencionada sentença, o Judiciário tem emitido outras sentenças – como a que atendeu pedido dos trabalhadores de Araraquara (SP) – no mesmo sentido. A empresa, por seu turno, tem recorrido a instâncias superiores, com fundamento na legalidade das terceirizações.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2012/03/02/ministerio-publico-pede-r-100-mi-da-all-por-trabalho-escravo/

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