Maior consumidor mundial: Brasil registra o aumento de mortes por agrotóxicos (4)

José Maria Filho (ou Zé Maria do Tomé) foi executado em 21 de abril de 2010, com 25 tiros, exatamente por sua luta contra os verdadeiros assassinatos por agrotóxicos nas monoculturas na Chapada do Apodi. Anteontem, domingo, postamos matéria sobre a marcha realizada dia 20, sábado, no Ceará, para lembrar sua morte e a impunidade dos responsáveis por ela, que, embora denunciados, sequer estão sendo processados. Coincidentemente, esta foto, guardada no arquivo deste Blog, foi tirada também por Melquíades Júnior, autor destas chocantes mas excelentes reportagens-denúncias. TP.

Parte 4 da reportagem Silêncio e dor se multiplicam nos campos brasileiros, publicada pelo Diário do Nordeste

Em 2010, 171 pessoas morreram intoxicadas por venenos de uso agrícola no País. Nordeste lidera casos

Por Melquíades Júnior

Campina Grande (PB). Poucos produtos conseguem quase dobrar a venda, na escala mundial, em um curto espaço de tempo. Os agrotóxicos tiveram crescimento de mercado mundial de 93% nos últimos dez anos. Não no Brasil, que teve avanço maior que 190%. Um mercado nacional que em 2002 representava R$ 2,5 bilhões chega, passados dez anos, à cifra de R$ 8,9 bilhões. Os estudos do impacto desses produtos não acompanham a própria liberação do comércio e, menos ainda, a informação sobre o uso. O resultado: mais pessoas estão morrendo por agrotóxico agrícola.

No Brasil, foram 4.789 casos registrados de intoxicação por esses produtos em 2010. No período, foram 86.700 casos totais de intoxicação sob diversos agentes, como agrotóxicos, animais peçonhentos, raticidas e dormissanitários. Os óbitos causados por veneno representam, por exemplo, 10% das mortes por trânsito nas estradas brasileiras; e o Brasil é o quarto país onde mais se morre no trânsito.

Mesmo os casos notificados levam muito tempo para chegar ao Sistema Nacional de Informações Toxicológicas (Sinitox). Por isso, o ano de 2010 é o mais recente. Somente quando todos os Estados repassam as informações um novo ano fica disponível para consulta. Assim, a reportagem buscou números mais atualizados nas gerências regionais dos Centros de Assistência Toxicológica (Ceatox) de alguns Estados brasileiros, conforme indica o infográfico ao lado.

A Região Sudeste apresentou, ainda em 2010, o maior número de casos de intoxicação: 2.145, seguida das regiões Sul (898), Centro-Oeste (808) e Nordeste (823). O Norte apontou 115 casos. Mas, no ranking de mortes, o Nordeste está em primeiro lugar. Foram 82 óbitos de um total de 171 em todo o País em 2010. Isso representa 47,9% de todas as mortes por agrotóxicos registradas no período. O total representa duas vezes mais que as mortes por medicamentos (67) no mesmo ano.

A média é acompanhada no levantamento de mortes entre 2001 e 2010. O Nordeste apresenta 37,7% das mortes, seguido de Sudeste (24,52%), Sul (18,40%), Centro-Oeste (17,24%) e Norte (2,65%).

São 17 categorias de circunstâncias apontadas no levantamento: acidente individual, acidente coletivo, acidente ambiental, ocupacional, uso terapêutico, prescrição médica inadequada, erro de administração, automedicação, abstinência, abuso, ingestão de alimentos, tentativa de suicídio, tentativa de aborto, violência/homicídio, uso indevido, ignorada e outra.

Suicídio

A facilidade com que se pode comprar o agrotóxico é um dos principais fatores para que estes produtos sejam bastante usados por quem tenta contra a própria vida. Em 2010, tentativa de suicídio representou 44,5% dos casos de intoxicação por agrotóxico agrícola e nada menos que 85% das mortes. A maior parcela desses suicídios se dá em zonas rurais, onde é mais fácil o contato com o veneno, cada vez mais abundante.

No perfil circunstancial, a maioria por pessoas que não têm contato com a atividade agrícola, mas sabem onde adquirir, de forma facilitada, o agrotóxico. Em linhas gerais, não fazem parte da estatística de intoxicação porque sofrem os trabalhadores expostos ao veneno.

Mas os números não dizem tudo. De acordo com a biofarmacêutica e doutora em Toxicologia Sayonara Fook, diretora do Ceatox de Campina Grande (PB), dentre as várias doenças causadas na intoxicação crônica por agrotóxico está a depressão. Alguns venenos atingem diretamente o sistema nervoso. “A exposição ao produto pode gerar problemas crônicos e há, sim, casos de agricultores que cometem suicídio com o próprio produto que aplicavam”.

É o caso de transtornos psíquicos causados pela exposição contínua aos agrotóxicos do tipo organofosforados, usados em grande escala em diversas lavouras. Este inseticida é um dos mais comuns no mundo. Aparentemente fornecem menor risco ao meio ambiente, por sua rápida decomposição após a aplicação. No entanto, é muito tóxico para ser humano e animais. Um exemplo comum é o metamidofós, encontrado na água para consumo doméstico em comunidades da Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, no Ceará.

Como o metamidofós, outros produtos organofosforados estão em fase de reavaliação pela Anvisa. São conhecidas mais de 35 mil formulações desse composto, sendo a primeira usada o tetraetilpirofosfato, em 1854. Depois em 1932 como agente de guerra (matando por asfixia em câmaras de gás).

Subnotificação

Os dados que chegam aos centros de toxicologia ainda são precários. A maior parte nem chega. O Ministério da Saúde aponta que, para cada caso de intoxicação registrado, outros 40 não são notificados.

“Existe uma série de dificuldades para reconhecer o problema, principalmente se existe intoxicação crônica. Podemos ter resíduos de agrotóxicos, seja pela exposição ou pelos alimentos, mas dificilmente associamos a alguma doença que adquirimos. Queremos garantir que até 2015 todas as secretarias municipais de saúde tenham um protocolo para casos de intoxicação”, afirma Guilherme Franco Netto, diretor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde.

Leia também:

Vale do São Francisco: ‘Eu ainda penso que ele vai voltar’, diz esposa de agricultor (2)

Trabalho com Agrotóxicos: Abraçado comigo ‘Rodrigue’ dizia: ‘mãinha, não me deixe morrer’ (3)

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.