Luka França
Localizada na região central de São Paulo, a favela do Moinho vem ocupando os noticiários desde o final do ano passado. Num período de cerca de 10 meses dois incêndios atingiram o local, o que fez a comunidade entrar na lista dos 500 incêndios em favelas que ocorreram em São Paulo desde 2005. Recentemente, seus moradores entraram em choque com a GCM (Guarda Civil Metropolitana), num confronto que intensificou ainda mais a tensão na região.
Embora os dois incêndios e a ação violenta da guarda da prefeitura tenham aproximado a comunidade dos mesmos problemas que atingem várias favelas de São Paulo, interesses diversos que rondam a favela do Moinho tornam sua realidade mais complexa. O destino de seus moradores passa por uma disputa envolvendo vários atores, entre os quais prefeitura, União e empresas. Estes interesses criaram um impasse jurídico que ainda está longe de ser resolvido.
A história da favela do Moinho teve inicio há cerca de 20 anos, quando a área começou a ser ocupada. A comunidade cresceu fortemente e se consolidou a partir de 2000, quando houve um incêndio embaixo do viaduto Orlando Murgel e e a desativação do casarão da Alameda Nothman que servia de cortiço, além da vinda de diversos moradores da “Favela do Gato”, ocupação que estava localizada na Avenida do Estado.
Até dezembro de 2011, a favela era formada por diversos barracos, sob um edifício onde antes funcionava o Moinho Santa Cruz. Com o incêndio ocorrido no final do ano passado, o prédio foi implodido a mando da prefeitura e, atualmente, a ocupação fica embaixo do viaduto Orlando Murgel, entre duas linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trem Metropolitano), justamente numa área que é alvo de várias disputas judiciais.
A área pertencia à RFFSA (Rede Ferroviária Federal S/A) e, por causa de uma dívida de IPTU, acabou indo a leilão em 1999. O terreno foi arrematado por Ademir Donizetti Monteiro e pela empresa Mottarone Serviços de Supervisão, Montagens e Comércio Ltda. No entanto, os vencedores do leilão não registraram a carta de arrematação da área e o terreno permaneceu em nome da RFFSA, que viria a falir posteriormente, com seu patrimônio e dívidas repassados para a União.
Por conta do não registro do terreno nos nomes dos arrematadores, a União ingressou com ação na 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo com pedido de de anulação do leilão. A ação foi julgada improcedente em primeira instância e houve recurso por parde da RFFSA. O processo ainda corre na Justiça e está em fase de apelação.
“Nesse meio tempo a RFFSA foi extinta e sucedida pela União em bens e interesses, ou seja a legitimidade processual que era da Rede passou para a União, deslocando competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal”, informa Julia Moretti, advogada do Escritório Modelo da PUC-SP, responsável pelo caso da Favela do Moinho.
Além da disputa judicial envolvendo a RFFSA, Monteiro e a Mottarone Serviços, a prefeitura de São Paulo iniciou um processo de desapropriação do terreno contra os particulares que haviam arrematado o terreno em leilão, alegando que o terreno é de utilidade pública para fins de reurbanização. “Há duas juridições diferentes [federal e estadual] se manifestando. Na Justiça Federal a ação de usucapião e a anulação da arrematação e na Justiça Estadual a desapropriação [por parte da prefeitura de São Paulo], com ordens judiciais diferentes nas duas esferas”, informa Júlia.
Em 2006, a prefeitura entrou com uma Ação Civil Pública na 5ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo contra Monteiro e a Mottarone Serviços, pedindo indenização por prejuízos causados ao Poder Público. Na ação, alega que a omissão dos dois proprietários havia permitido a consolidação da Favela do Moinho no local e causando degradação ambiental. Na época, a Mottarone Serviços manifestou intenção em doar o imóvel à Prefeitura, sob a única condição de que a área fosse destinada à habitação da comunidade ocupante do terreno. O acordo não prosseguiu, pois a Prefeitura alegou a impossibilidade de alojar as famílias.
Em 2008, a Associação da Comunidade do Moinho, Defensoria Pública e o Escritório Modelo da PUC-SP entraram com pedido coletivo de usucapião da área, concedido pela 17º Vara Federal de São Paulo.
“Ações de usucapião coletivas são um tabu no Judiciário, demoram muito e não têm muitos registros de vitórias. Até porque são ações complicadas, a propriedade ainda é um tema muito sensível. No Moinho há decisão liminar importante, mas é uma ação que corre desde 2008 e sequer foi feito perícia”, lembra Júlia. Segundo ela, a União entrou recentemente com um pedido para que se suspenda a ação de usucapião movida pelos moradores. Alega que possivelmente a União tenha interesse no terreno caso se reverta a arrematação do terreno. “O processo já é lento e com isso fica mais travado e como tem muitos interesses envolvidos todos precisam ser ouvidos: União, Prefeitura, Governo do Estado, os particulares e os moradores”, conclui a advogada.
Realocação das famílias
Desde dezembro de 2011 a prefeitura informou que já gastou 35 milhões só no terreno da Ponte dos Remédios com desapropriação e retirada de entulho para poder iniciar a fundações para as moradias populares destinadas aos moradores da Favela do Moinho. Na época do primeiro incêndio a Prefeitura afirmou que conseguiria entregar as unidades de habitação num prazo de 10 meses. No entanto, até agora as obras não foram iniciadas. Um outro terreno, na Rua do Bosque, também está em processo de desapropriação para atender os moradores do Moinho.
“O problema é quando você olha o contexto geral”, lamenta Júllia. Segundo ela, “desde o primeiro incêndio foi reivindicado a utilização de um terreno da prefeitura também na Rua do Bosque dentro das ZEIS [Zonas Especiais de Interesses Sociais]. Primeiro, a Prefeitura falou que o terreno estava contaminado, depois falaram que já tinha projeto sem dizer qual o projeto”.
A advogada lembra que a construção de políticas públicas devem respeitar também preceitos constitucionais, principalmente quando se trata de recursos escassos para utilização da população, o que seria o caso de terrenos urbanos.
“Podia ter usado o dinheiro gasto na áera da Ponte dos Remédios, no terreno público, pois aí já teríamos unidades de habitação prontas para atender as famílias atingidas pelos incêndios”, afirma Moretti.
Segundo a advogada do Moinho, recentemente no site da prefeitura havia notícia de que o terreno público da Rua do Bosque havia sido cedido em forma de PPP (Política Público-Privada) para a Brookfield Incorporadora.
CPI dos Incêndios
Instalada em maio deste ano para investigar os mais de 500 incêndios ocorridos em São Paulo desde 2005, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Incêndios da Câmara de Vereadores de São Paulo teve sua primeira reunião em agosto e já teve cinco de oito sessões canceladas. A comissão é formada apenas por vereadores da base aliada do prefeito Gilberto Kassab (PSD-SP).
O deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP) declarou que PT e PCdoB teriam direito de indicar 3 vereadores para a CPI, mas não o fizeram porque julgaram que a CPI seria “uma farsa.” No entanto, para a advogada da favela do Moinho, o simples fato da CPI ter sido instaurada já seria um avanço, “pois a sociedade tem pedido uma investigação séria”, tanto que além da CPI na Câmara há um Inquérito Civil aberto no MP-SP (Ministério Público de São Paulo) para investigar os incêndios.
Embora a instalação da CPI seja um avanço, sua eficácia ainda está por se comprovar. Vale informar que os seis vereadores que atualmente compõem a CPÍ dos Incêndios foram financiados por empresas ligadas à construção civil e ao setor imobiliário. Só em 2008, os seis parlamentares receberam mais de R$ 700 mil, de acordo com prestação de contas apresentadas. Nas eleições de 2012, estes mesmos vereadores já receberam mais de R$ 300 mil em doação de campanha por parte do lobby imobiliário.
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http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/57983/favela+do+moinho+protagoniza+ha+anos+impasse+juridico.shtml
Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.