Jose Rosha, do Vale do Javari, Amazonas (AM)
A todo instante surgem denúncias de invasões de madeireiros e pescadores em várias aldeias do Vale do Javari. Esses invasores e depredadores agem confortavelmente, sem punição, sem serem incomodados pelos órgãos de fiscalização. Mas quem são os punidos são os indígenas, conforme relata o jornalista Jose Rosha.
O indígena Clóvis Marubo foi penalizado com uma multa de R$ 2,6 milhões aplicada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Atalaia do Norte, município localizado a oeste do Amazonas, distante de Manaus cerca de mil e 300 quilômetros.
O fato aconteceu no dia 28 de setembro passado, quando Clovis, juntamente com outros indígenas, retornavam da aldeia São Sebastião, localizada no alto rio Curuçá, na Terra Indígena Vale do Javari.
A multa foi aplicada porque Clovis transportava animais silvestres destinados aos alunos indígenas que estudam em Atalaia do Norte e pacientes da Casa de Saúde Indígena (Casai) que, conforme as suas tradições, só consomem carne de origem silvestre.
De acordo com relato do próprio Clóvis, ele foi abordado pelo atual coordenador substituto da Fundação Nacional do Índio (Funai), no dia 27 do mês passado, no começo da noite, quando aproximava-se da cidade de Atalaia do Norte. “O senhor Bruno Cunha Pereira abordou minha canoa juntamente com policiais militares fortemente armados me ordenando a sair da minha canoa e passar para o barco ambulância da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) que o mesmo usava naquele momento”, relata Clovis Rufino.
Ele prossegue relatando que “o mesmo usava uma camisa de cor verde com o dizer FISCALIZAÇÃO FEDERAL. O que mais estranhei porque a fiscalização na faixa de fronteira é dever da Polícia Federal, Exército e IBAMA. Eu não levei a sério pensando até que era brincadeira do Bruno e ao mesmo tempo era um ASSALTO dos ASSALTANTES”.
A ação do coordenador substituto da Funai de Atalaia do Norte tem algo de retaliação contra Clovis e outras lideranças do Vale do Javari que não deram apoio a ele há alguns meses atrás, quando se cogitava mudanças na coordenação local em decorrência da reestruturação do órgão indigenista. Aliás, essa reestruturação, pensada e executada de cima para baixo, tinha tudo para dar errado desde o começo. Não foi sem razão que em vários estados os indígenas reagiram indignados. As medidas arbitrárias contra eles e suas organizações têm sido marcantes em todos os governos, da direita à esquerda.
A ação do novo servidor à frente da coordenação regional parece indicar que a Funai está em um processo de regressão, retomando uma prática de arbitrariedade e punição do tempo da ditadura, quando o órgão agia em conluio com os grupos políticos e econômicos para favorecer a ocupação dos territórios indígenas. Caso não seja, deve ser falta de preparo do referido funcionário que não aceita até a rejeição manifestada pelos indígenas por várias ocasiões. Ou ele não está preparado para o indigenismo ou está a serviço de outros interesses que não são os dos indígenas.
A reação dos indígenas não teve e não tem nada de pessoal. É uma atitude política e demonstração de contrariedade às imposições do Estado cujas políticas públicas de assistência – sobretudo à educação e saúde, naquela região – são ineficazes e não têm levado em conta os pleitos dos indígenas.
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