por CPT Barra
“A ferrovia não é coisa de Deus”. Esta afirmativa é do senhor Zezinho, da comunidade de Vau, em Santa Maria da Vitória – BA. Ela revela a angustia comum a homens e mulheres que não se conformam com a situação em que estão vivendo com a chegada da VALEC, empreiteira que está trabalhando no traçado da Ferrovia de Integração Oeste leste (FIOL). A constatação acima foi registrada durante o mutirão realizado pela CPT, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria da Vitória e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), nos dias 3 e 4 de outubro, e que reuniu as comunidades tradicionais ribeirinhas de pequenos agricultores situados no vale do corrente, às margens dos rios Corrente e do Meio. A programação do mutirão contou reuniões e visitas ás famílias que vivem nos sítios próximos aos rios. Nos encontros foram feitos relatos que traduzem o modo de vida das comunidades, contempladas por terras férteis e produtivas e que possibilitam uma vida farta e tranqüila, tanto na alimentação como pela renda com a venda do excedente nas feiras livres de Santa Maria da Vitoria e em Correntina.
As três equipes envolvidas no mutirão presenciaram o grau de vulnerabilidade em que a população está submetida. As famílias contam que a ferrovia tem chegado de forma autoritária, com desrespeito, má fé e ameaças. Deste o ano passado passam pelas comunidades e sem fornecer qualquer tipo de informações realizaram medições, abrem piquetes, colocam marcos, destroem benfeitorias como cercas, curral, roças e fruteiras.
Muitas famílias informaram que forneceram a supostos advogados da VALEC cópias dos documentos pessoais e de suas terras, assinaram em papéis sem saber do que se tratava e não receberam nenhuma cópia dos mesmos. Agripino, da comunidade do Vau desabafa: “só faltaram exigir o raio X do meu coração”. Outras disseram que estão fazendo gastos excessivos com viagens e despesas cartoriais para regularizar a documentação da terra e abrir contas a mando da empreiteira a fim de receber indenizações, no entanto até o presente momento vivem a incerteza das mesmas.
Com o traçado da ferrovia as famílias elencaram que perderão muitas benfeitorias como casas, cercas, currais, pastagens, fruteiras, áreas de sítios irrigados por gravidade. Falam também da destruição de reservas e matas ciliares, tanques, cisternas, canal de irrigação, corredores para o gado.
Dentre os principais impactos destacam os ambientais. Do ponto de vista econômico avaliaram que “não tem preço que pague os sítios”. João Leite da comunidade de São Francisco contabiliza que no pequeno espaço por onde a ferrovia passará colhe 60 sacas de feijão ao ano, fazendo uma projeção para 20 anos, quanto não teria de lucro em sua propriedade?
Elencam também os impactos sociais e culturais pela chegada de pessoas estranhas nas comunidades. A desagregação das famílias, a privação da liberdade de locomoção como de costume, a perda de várias expressões da vivência cotidiana, da relação subjetiva com o ambiente vivenciada há gerações são alguns dos prejuízos, além da destruição de espaços considerados sagrado como no caso dos cemitérios. Destacam ainda a ameaça ao Sitio Arqueológico da comunidade do Vau, considerado pela Universidade Católica do Goiás o maior e mais antigo sítio a céu aberto do Brasil.
Em Santa Maria da Vitória o traçado da ferrovia atinge uma população de 1300 famílias, estimada em 6500 pessoas que vivem em três povoados: Nova Franca, Mocambo e Ponte Velha e em vinte comunidades: Aldeia, Caraíbas, Coragina, São Francisco, Fazenda Lapinha, Cana Brava dos Eugênios, Cana Brava dos Pereira, Vau, Manga, Tabuleirinho, Palmeira, Brás, Angico, Curralinho, Capão do Leandro, Lagoa do Foba.
A grande maioria das famílias se queixa da falta de informações, a não realização de audiências públicas e da ausência de autoridades que em tese deveriam dar a devida assistência à população atingida. A revolta das comunidades perante o descompromisso por parte poder público municipal é visível. Uma moradora da comunidade de São Francisco narra que ao procurar o prefeito do município, Amário dos Santos Santana, para pedir apoio para as comunidades o mesmo responde que “não posso ser contra o desenvolvimento e quem tiver sua dor que geme”.
“Este projeto não é coisa de Deus… um projeto que destrói a vida e tira a paz da comunidade não é aprovado por Deus”. Esta afirmativa feita pelo senhor Zezinho na comunidade de Vau, revela a angustia e opinião comum que se ouve da boca de mulheres e homens que não se conformam com a situação que estão vivendo com a chegada da VALEC e empreiteiras que estão trabalhando no traçado da FIOL.
O projeto da Ferrovia de Integração Oeste Leste inicia no município de Ilhéus, Sul da Bahia e encerra em Figueirópolis – TO, destinada ao escoamento de grãos do Oeste do Estado e do minério de ferro e outros da região Sudoeste. A primeira fase da construção contém sete lotes. O trajeto percorrido durante o mutirão está dentro da etapa de construção do lote seis, que vai da estrada de acesso a BR 137, divisa com o município de São Desidério até a margem do rio São Francisco, em Serra do Ramalho. O lote seis engloba os municípios de Santa Maria da Vitória, Correntina, São Félix do Coribe e Serra do Ramalho.
http://www.cptba.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=713:comunidades-angustiadas-&catid=8:noticias-recentes&Itemid=6