Comissão Pastoral da Terra Minas Gerais
Este documento apresenta uma pequena síntese do processo recente de luta dos Quilombolas do Território Brejo dos Crioulos. Um documento que informa, denuncia e anuncia. Convoca as organizações e pessoas de bem para fortalecerem essa luta pelo direito dos Negros e contra a exploração sem limites dos latifundiários – sejam as empresas modernas, sejam os antigos coronéis – que destroem a terra, morada da vida, a serviço do lucro, que fica nas mãos de poucos. Esse documento relata de forma bastante resumida a luta de um dos Quilombos de Minas. São mais de 470 com situações similares. As famílias de Brejo dos Crioulos – símbolo de resistência e luta – estão após uma longa caminhada, próximas de realizar uma importante conquista. Depende da ação do Governo Federal e da pressão da sociedade de bem para que isso ocorra. Em defesa da luta Quilombola! Em defesa da luta pela terra!
Direitos, Territórios e Legislação
O direto dos Quilombolas ao seu território é garantido na constituição:
– Artigo 68 do ato das Disposições Constitucionais: “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
– Artigo 216 parágrafo 1º: O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
A Instrução Normativa nº 49, de 29 de Setembro de 2008 regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.
A luta dos povos negros do campo na mata da Jaíba
O Brejo dos Crioulos está localizado nos municípios de Varzelândia, São João da Ponte e Verdelândia – Norte do Estado de Minas Gerais.
?A comunidade Negra formada por varias famílias de ex-escravos vindos de diversos locais da região Norte de Minas e da Bahia, vive ali, desde o século XIX, estabelecendo sua organização social-cultural e econômica, formando o Território Quilombola – território com terras comuns.
Entre 1925 e 1930 iniciou-se um processo de demarcação das terras na região, leia-se grilagem. “O tempo das divisões”. Grande parte das terras do Brejo dos Crioulos ficou nas mãos de latinfudiários da região. Na década de 50 e 60, essa tomada das terras camponesas foi consolidada pela elite econômica-política regional. Muitos camponeses foram assassinados e expulsos de suas terras. Inúmeros conflitos foram desvelados, marcados pelo coronelismo, mandonismo e violência por parte da classe política, rica e latifundiária.
A terra de morada se transformou em terra de negócio, mercadoria. Fonte de especulação, que hoje se encontra nas mãos de latifundiários e empresários, não só de Montes Claros, mas de outras cidades de Minas Gerais, como Curvelo e de outros Estados como São Paulo – um dos proprietários é um empresário que vive na cidade de Pindamonhangada.
As comunidades de Arapuim, Araruba, Boa Vista, Caxambu I e II, Conrado, Furado Modesto, Furado Seco, Lagoa da Varanda, Orion, Serra D’água e Vista Alegre constituem o Quilombo Brejo dos Crioulos. As famílias vivem em pequenos terrenos e grande parte do território é dominada pelos latifundiários. Elas mantêm em seus quintais, pequenas criações e alguns pequenos roçados. A difícil sobrevivência das famílias é garantida através da venda da mão de obra na região ou temporariamente em outras regiões, como no Sul de Minas durante a colheita do café e em São Paulo, para a colheita da Cana de açúcar.
Segundo o laudo antropológico, o território Brejo dos Crioulos tem 17.302 ha., dos quais 77% ou seja, 13.290 ha. estão nas mãos de 9 fazendeiros.
Espólio de Juarez – Fazenda Morro Preto – 3.500 ha.
Albino Ramos – Fazenda Vista Alegre -2.900 ha.
Raul Ardito Lerário – Três Fazendas – 2.100 ha.
João Gonçalves – Uma Fazenda – 1.460 ha.
Dílson Godinho – Fazenda Bonanza – 1.400 ha.
Névio – Uma fazenda – 590 ha.
Moacir Rodrigues – Uma fazenda – 480 ha.
Miguel Véo Filho – Fazenda São Miguel – 460 ha.
José Maria – Uma Fazenda – 400 ha.
Total: 13.290 ha.
TERRITÓRIO IDENTIFICADO DA COMUNIDADE REMANESCENTE DO QUILOMBO DE BREJO DOS CRIOULOS: VERDELÂNCIA / VARZELÂNCIA / SÃO JOÃO DA PONTE – MG – ÁREA: 17.602,6057 ha.
Há aproximadamente 12 anos, essas famílias vêm lutando pela conquista/retomada de seu território, buscando de fato o direito garantido na constituição. No período de 1999 a 2004 os negros realizaram várias tentativas junto aos órgãos competentes como o INCRA, que é o responsável pela regularização e titulação dos territórios Quilombolas. Frente à morosidade das instituições os Quilombolas utilizam na sua luta, o método de ocupação dos latifúndios existentes dentro do território, como forma tanto de pressionar o Estado no processo de regularização, como também para o plantio e garantia da sobrevivência das famílias. Em abril de 2004, 400 famílias quilombolas realizaram a 1ª ocupação organizada, na fazenda São Miguel, de propriedade do Miguel Véo Filho. Depois disso, até a recente data, foram realizadas mais de 10 ocupações nos latifúndios invasores do território, nas fazendas de Miguel Véo Filho, de Névio, Dílson Galdino, Raul Ardito, Albino Ramos, Zé Maria e da família Diniz.
A reação do Estado sempre foi rápida, beneficiando os latifundiários. O Poder Judiciário emitiu vários mandados de despejos, muitas vezes considerando a luta dos quilombolas como luta de sem terras e sobrepondo o direito à propriedade acima do direito da função social que a terra deva exercer. Órgãos do Governo de Minas também agiram de forma a beneficiar os fazendeiros. O IEF, em 2007 expediu um documento em defesa da uma suposta gestão ambiental na propriedade de Albino Ramos, colocando-a como exemplo de manejo sustentável. Após denúncias o Ministério Publico verificou e constatou que a fazenda mantinha serraria, carvoaria e desmatamento, todos ilegais, o que gerou uma ação de exoneração de funcionários do IEF.
A Polícia Militar de Minas Gerais usa da força e do terror para amedrontar e reprimir os Quilombolas. A PM chegou ao ponto de despejar os Negros sem a autorização judicial (ocorreu em um dia de domingo). Prendeu lideranças e transportou-as em camburão e se omite às diversas denúncias de milícias armadas que agem a mando dos fazendeiros. As constantes intimações dos Quilombolas à delegacia de polícia são formas de intimidar as lideranças. Se opondo a isso as comunidades realizaram uma manifestação na sede da delegacia de São João da Ponte.
Os fazendeiros utilizam a velha estratégia de tentar manter as comunidades submissas, através de pistoleiros armados, ameaças, manipulação e conluio com as polícias e políticos locais. Um exemplo dessa ação dos fazendeiros foi em 2007. Os pistoleiros feriram com tiros dois Quilombolas na Fazenda Vista Alegre, de Albino Ramos.
Essa situação já foi denunciada várias vezes em especial nas audiências públicas realizadas pela Comissão de Diretos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, mas o Estado e a Polícia Militar se omitem.
A situação mais recente
Em novembro de 2010, 300 famílias quilombolas ocuparam 3 fazendas de Raul Ardito Lerário, empresário de Pindamonhangaba, Estado de São Paulo. Após a ocupação a Vara de Conflitos Agrários de Minas Gerais expediu imediatamente um mandato de despejo, que foi derrubado no dia da execução e enviado para a Justiça Federal. Após um mês a Juíza responsável expediu um novo mandato, considerando a questão como luta de sem terras. Foi impetrado um recurso junto a um desembargador, que até hoje não se posicionou. Sem a espera dessa decisão a PMMG com mais de 200 policiais executou o despejo. As execuções dos despejos sempre são rápidas, e os processos administrativos e judiciais para a regularização são sempre lentos.
Após esse despejo que ocorreu no dia 6 de maio, segundo as famílias, vários pistoleiros estão circulando e ameaçando as comunidades, inclusive já realizaram disparos com armas de fogo. Essas denúncias foram encaminhadas para diversas entidades, no entanto nem a Polícia Militar nem a Civil realizou qualquer ação no sentido de coibir esses jagunços armados. Agora recentemente dia 11/08/2011, Cerca de 120 famílias de quilombolas realizaram uma nova ocupação na Fazenda espólio de Moacir Rodrigues, já que a morosidade da casa Civil não deixa alternativa.
Os avanços da luta
Nesse período pela luta da conquista do território Quilombola os processos para a titulação avançou com os seguintes resultados:
- Auto reconhecimento Quilombola;
- Laudo Antropológico;
- 3 acampamentos em latifúndios onde as famílias estão plantando alimentos;
- Cadastro de 512 famílias quilombolas;
- Cadastro de 88 propriedades no território com 17.302 ha. e notificação dos mesmos;
- Identificação e delimitação do território:
- Reconhecimento de Grupo Étnico Remanescente de Quilombo de Brejo dos Crioulos;
- Publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID);
- Publicação portaria 694 – 10/12/2010, improcedentes os recursos dos latifundiários;
- Publicação portaria 737 – 30/12/2010, reconhecendo e declarando os 17.302 ha.;
- Envio do processo para a Casa Civil para assinatura do decreto.
Próximos passos
A Casa Civil (executivo) deverá enviar o processo à Presidenta da República para a assinatura do decreto de desapropriação. Posteriormente avaliar e devolver ao INCRA para desapropriar, anular títulos viciados, indenizar os proprietários, titular o Território em nome dos Quilombolas, registrá-lo em cartório e outorgar o título.
Talvez com isso o Judiciário brasileiro deixe de dar suas sentenças sempre privilegiando a propriedade da Terra em vez de observar a função social que a terra deva exercer. “Nem tudo que é legal é justo”.
Enviada por Ruben Siqueira.