Urnas encontradas em Tefé podem esclarecer rituais funerários dos antigos povos da Amazônia

Pesquisadora Sílvia Lima restaura artefato encontrado na Amazônia (Foto: Erêndira Oliveira)
Pesquisadora Sílvia Lima restaura artefato encontrado na Amazônia (Foto: Erêndira Oliveira)

Por Elaíze Farias, Amazônia Real

Uma coleção de urnas funerárias com datas entre 700 é 1.600 d. C encontrada durante obras de uma escola pública do município de Tefé, no oeste do Amazonas, pode ajudar a compreender os rituais de sepultamentos de populações indígenas que habitaram a região do Médio Solimões, dizem pesquisadores em arqueologia do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, responsável pela guarda do acervo.

A historiadora e mestranda em arqueologia Jaqueline Belleti disse à agência Amazônia Real que as urnas funerárias encontradas na comunidade Tauary são antropomorfas, vasos que representam figuras humanas com desenhos de rostos e alguns membros desenhados ou modelados nas peças. As urnas têm algumas singularidades: seu bom estado de preservação, incluindo os apliques de pequenas esculturas nas tampas das urnas, e a representação clara de bancos de cerâmica sobre os quais os corpos representados nas urnas estão assentados. Os apliques trazem tanto traços antropomorfos quanto ornitomorfos (imagens representando pássaros).

Segundo a pesquisadora, em outras urnas da Tradição Polícroma da Amazônia encontradas na região, a forma como os corpos são representados nas peças dá apenas a ideia de que estão sentados. “Tradição Polícroma da Amazônia é uma categoria de análise que define o conjunto de cerâmicas pré-coloniais sul-americanas. Essas peças são encontradas desde o rio Napo, no Peru, até o rio Madeira e começo do baixo rio Amazonas”, disse Jaqueline.

Nestes locais, explica a pesquisadora, também há diferenças entre as urnas. Há diferenças nos rostos e nos membros representados (desenhados ou em alto relevo), a forma da urna, a presença ou não de pedestal de apoio da urna, forma de tampa, entre outras.

Urna funerária de populações indígenas do município de Tefé (Foto: Erêndira Oliveira)
Urna funerária de populações indígenas do município de Tefé (Foto: Erêndira Oliveira)

Curadoria e datação

Levadas para o laboratório do Instituto Mamirauá, as peças estão guardadas em condições adequadas, segundo Jaqueline. Há um mês foi iniciada a primeira etapa de curadoria e restauração.

“Temos apoio da restauradora Silvia Cunha Lima, uma das maiores especialistas em restauro arqueológico do Brasil e que tem ampla experiência com materiais amazônicos. Com o apoio da arqueóloga e artista plástica Erêndira Oliveira também iniciamos o registro gráfico das peças, realizando o desenho de todos os motivos representados nas urnas. Ambos os trabalhos são extremamente delicados e demandam bastante tempo. Apenas começamos o trabalho. Ainda precisaremos de outras etapas para termina-lo”, disse Jaqueline Belletti.

Ainda em julho está previsto o envio do material para a datação radiocarbônica. Mas, segundo Jaqueline, acredita que as datas das urnas sejam de um período entre 700 e 1600 d.C.

Urna com desenhos e adornos pode ter de 700 a 1.600 anos (Foto: Erêndia Oliveira)
Urna com desenhos e adornos pode ter de 700 a 1.600 anos (Foto: Erêndia Oliveira)

Descoberta

A comunidade Tauary fica a cerca de uma hora da sede de Tefé em viagem de voadeira. Após as descobertas das urnas, os moradores procuraram funcionários do Mamiraruá e mostraram algumas fotografias.

“Muitas urnas antropomorfas são conhecidas na Amazônia. Geralmente são encontradas por moradores em situações semelhantes as que foram encontradas na comunidade Tauary (construção de casas, poços abertura de roçados). Mas nem todos tê4rm a preocupação ou a possibilidade de procurar arqueólogos”, disse a pesquisadora.

Jaqueline Belletti relata que os moradores de Tauary convidaram os pesquisadores do Mamirauá para participar de uma reunião na comunidade, pedindo que eles falassem mais sobre as peças, sua relevância, o que precisava ser feito com elas e se eram de fato antigas.

Ainda assim, não é possível dizer se todas as urnas possuíam vestígios ósseos. Segundo Jaqueline, quando as urnas foram encontradas os moradores retiraram o conteúdo delas, já que com solo dentro são mais pesadas e difíceis de movimentar.

Porém, em duas que ainda apresentavam sedimentos foram encontrados alguns vestígios humanos. “Em uma delas, estavam queimados, como é comum neste tipo de urna. Na outra, haviam ossos não cremados”, conta. “Estamos apenas iniciando o trabalho e os dados coletados ainda precisam ser trabalhados para chegarmos a informações mais concretas”, completou.

O Laboratório de Arqueologia do Instituto Mamirauá foi criado em 2006 quando o arqueólogo Bernardo Costa iniciou pesquisas arqueológicas no Lago Amanã, segundo Jaqueline, que é orientanda do arqueóloga Eduardo Góes Neves, pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP).

Arqueologia na Amazônia

Os artefatos mais antigos encontrados no Amazonas pertencem a escavações do Projeto Amazônia Central, fundado em 1994 por vários pesquisadores, entre eles Eduardo Góes Neves. Os arqueólogos do projeto acharam restos ósseos, cerâmicas, urnas funerárias e lâminas lascadas em sítios arqueológicos em Manaus, Iranduba, Solimões, entre outras localidades, com datações de 4.000 a 9.000 anos. Com essas peças, os cientistas do projeto puderam comprovar a tese de que a bacia amazônica era densamente ocupada por sociedades complexas na Pré-História.

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