Para: Sociedade de Arqueologia Brasileira, Sociedade de Arqueologia Regional Norte, Scientia Consultoria
Nota de Posicionamento – Arqueologia pelas Gentes do Rio Tapajós
A bacia do Rio Tapajós configura-se como uma das regiões com maior sócio-diversidade da Amazônia. O Rio Tapajós e seus quatro principais afluentes conformam uma área de mais de 50 milhões de hectares, o que corresponde a 6% do território brasileiro. Desse território, 22% são unidades de conservação, (Parques Nacionais, Resexs, Florestas Nacionais, etc). Na região vivem mais de 1 milhão de pessoas, incluindo comunidades tradicionais e povos indígenas que há centenas de anos habitam as calhas destes rios e as áreas de interflúvio.
O processo de licenciamento ambiental para as usinas hidrelétricas da bacia do rio Tapajós programadas pelo governo federal – um projeto cuja magnitude não possui precedentes – tem se dado em meio a uma série de violações dos direitos dos povos da floresta que habitam a região, algo que tem recebido pouca atenção dos grandes veículos de imprensa.
Embora o Brasil seja signatário da Convenção 169 da OIT e da própria Constituição do país respaldar o direito à consulta livre, prévia e informada, o que vemos é justamente o contrário.
Para garantir os cronogramas previstos e inibir qualquer protesto legítimo de comunidades que tentam impedir a execução de pesquisas em seus territórios enquanto não são ouvidos, pesquisadores atuantes no processo de licenciamento ambiental têm sido escoltados por agentes da Força de Segurança Nacional, como forma de impor os levantamentos nos territórios tradicionais afetados. A presença contínua das forças armadas na região a partir de março de 2013 é entendida claramente como ameaça e tem intimidado as comunidades tradicionais e indígenas do Tapajós. Vale lembrar que em novembro de 2012 Adenilson Kirixi Munduruku foi morto com um tiro na cabeça por um delegado da Polícia Federal, como resultado de uma operação orquestrada pelo governo federal supostamente contra o garimpo ilegal. Considerando que mais de 50% dos garimpeiros da Amazônia brasileira se encontram na bacia do Tapajós, a escolha da aldeia Teles Pires para a operação parece ter sido motivada por uma estratégia para criminalizar os Munduruku e intimidá-los, bem como aos outros povos da floresta que reivindicam seu direito de serem ouvidos.
Uma vez que a arqueologia é um dos componentes do processo de licenciamento ambiental daquelas usinas hidrelétricas entendemos que, em se tratando de áreas de ocupação tradicional, a primeira responsabilidade ética dos arqueólogos é com as pessoas que vivem sobre ou próximas aos sítios arqueológicos, para quem as paisagens locais e os sítios arqueológicos possuem diversos significados importantes que fundamentam sua própria identidade e história.
Desta forma, equipes de arqueologia que ignoram essa realidade, comprometendo-se somente com o cumprimento do que é atualmente exigido com base em fragmentos dos marcos legais de proteção ao patrimônio arqueológico e cultural, têm contribuído para a fragilização das relações sociais que fundamentam o caráter patrimonial dos bens culturais e viabilizando a destruição dos lugares significativos e paisagens arqueológicas, participam da desestruturação de sociedades contemporâneas que tem garantido a conservação dos sítios frente ao projeto desenvolvimentista da sociedade nacional.
Considerando essa situação e o nosso compromisso com os direitos desses povos, assim como a proteção esperada aos territórios tradicionais nos processos de licenciamento ambiental, fazemos um apelo aos colegas de profissão pela suspensão das atividades da pesquisa arqueológica relacionadas ao processo de licenciamento ambiental na bacia do rio Tapajós até que seus povos sejam satisfatoriamente consultados e ouvidos sobre a construção de barragens na região.
Esperamos que nossos colegas vejam essa nota como um sincero apelo humanitário, que vai além de posicionamentos individuais ou de equipes, de divergências teórico-metodológicas e tentem enxergar pela perspectiva das comunidades atuais do Tapajós, responsáveis também pela perpetuação da sociobiodiversidade que identificamos em nossas pesquisas sobre a arqueologia da região Amazônica.
Talvez ainda exista tempo para virarmos o jogo em prol das pessoas e da conservação dos sítios arqueológicos, se optarmos pela participação da arqueologia na luta dos povos afetados contra os crimes ambientais que temos testemunhado em tantas partes do Brasil. Talvez este momento seja o limiar, uma última oportunidade para nos juntarmos para verdadeiramente defender o patrimônio arqueológico e, unidos, criarmos as bases para uma luta menos desigual pelos territórios tradicionais.
Coletivo Zarabatana
Para assinar a Petição, clique AQUI.
–
Enviado para Combate Racismo Ambiental por Camila Jácome.