Corretores de empreendimento vizinho à comunidade, na zona leste, divulgam que desconto oferecido atualmente será suspenso com a saída da comunidade.
por Sarah Fernandes, da RBA
Depois de três meses do incêndio que praticamente destruiu a Favela da Penha, na zona leste da capital paulista, empresários da região, moradores e a prefeitura firmaram um acordo pelo qual as famílias que ainda permanecem na favela receberão R$ 2 mil para deixar a área e serão cadastradas em programas municipais de habitação.
O terreno, que é público, fica ao lado do empreendimento imobiliário Way Penha, da construtora Living, ligada ao grupo Cyrela. No local estão sendo finalizadas seis torres de apartamentos, com unidades de 53 metros quadrados e 66 metros quadrados. Segundo a assessoria de imprensa da Subprefeitura da Penha, ainda não está definida a finalidade do terreno.
Corretores de imóveis já divulgam nas redes sociais que com a saída da favela o desconto que atualmente é oferecido nas unidades será suspenso. A página no Facebook do empreendimento compartilhou, no último dia 10, um álbum de fotos chamado “Adeus Comunidade do Way Penha”, no qual os responsáveis comemoram publicamente a retirada da favela.
As famílias começaram a deixar o local no último dia 7, após o acordo, que envolveu o secretário-adjunto de Habitação, Miguel Reis, o subprefeito da Penha, Miguel Perrela, e empresários da região. “De comum acordo foi estabelecido que os moradores seriam cadastrados em programas habitacionais da prefeitura, e uma ajuda de custo de R$ 2 mil disponibilizada por empresários da região para que a área seja desocupada”, informou em nota a assessoria de imprensa da Secretaria das Subprefeituras.
Atualmente, apenas duas famílias permanecem no terreno. Segundo a moradora e dona de casa Natalia Urbano, de 24 anos, o pagamento será feito no próximo dia 22. “A maioria das pessoas acabou alugando casas em outros locais ou indo morar com parentes. Nós aqui não sabemos se vamos conseguir receber o dinheiro porque meu marido está sem os documentos, mas já vimos que vamos pra uma outra ocupação, chamada Chaparrau.”
Natalia e o marido vivem em uma casa improvisada com madeira e papelão com mais cinco filhos, com idades entre 5 meses e 9 anos. Sem água encanada e na margem de um córrego, a família divide espaço com escombros e muito lixo. Moscas, ratos mortos e o cheiro forte de esgoto completam o cenário.
O incêndio atingiu a favela em 4 de abril e deixou duas crianças com queimaduras graves e dois adultos com ferimentos leves. Mais de 20 equipes dos bombeiros foram enviadas para combater as chamas.
A corporação levantou, na época, que havia pelo menos 100 barracos na favela, dos quais ao menos 70 foram destruídos. A RBA procurou a Polícia Científica para levantar as causas do incêndio, mas não obteve resposta. Segundo a Subprefeitura da Penha, pelo menos 600 pessoas viviam o local.
Depois do acordo, a Construtora Living cercou o terreno com tapumes de concreto para impedir a chegada de novas famílias. Segundo a Secretaria de Subprefeituras, a área foi murada “para evitar novos acidentes” pois apresenta “alto risco de acidentes” devido à presença de cabos de alta tensão.
O órgão informou que a remoção das famílias foi necessária “porque elas construíram as moradias à beira do córrego e próximo a torres de energia elétrica”. Ainda de acordo com informações oficiais, a Secretaria Municipal de Habitação cadastrou 450 famílias em programas habitacionais da prefeitura.
Nem a Secretaria de Subprefeituras nem a Secretaria de Habitação responderam porque a iniciativa privada ficou com a responsabilidade pelo ressarcimento. Procurada pela reportagem, a Construtora Living informou em nota que a comunidade está “sob uma linha de alta tensão e com o histórico de dois grandes incêndios” e que, diante disso, se dedicou “a estudar, junto aos órgãos públicos, uma medida cujo objetivo é minimizar o risco iminente”.
O texto informa que a construtora firmou um Termo de Cooperação com a Prefeitura de São Paulo para oferecer às famílias cadastradas apoio material e assistência social, com intermédio do Movimento em Defesa do Favelado (MDF) e do Ministério Público.
Velhos problemas
O incêndio de abril deste ano foi o segundo ocorrido na favela. O primeiro foi em novembro de 2012, quando a cidade registrou recorde de ocorrências, que somaram 68, só entre janeiro e setembro.
Depois do primeiro incêndio na Favela da Penha, alguns moradores acabaram mudando para baixo de um viaduto, a 300 metros do local, onde ainda permanecem, vivendo em barracas improvisadas com tecidos e papelão. “Faz já mais de um ano que estou aqui. Vim para cá depois do incêndio e, como não tinha para onde ir, acabei ficando”, conta um dos moradores, que se identificou apenas como Bahia.
Apesar de a ocorrência deste ano ser a segunda na Favela da Penha, o Programa de Prevenção de Incêndios em Favelas (Previn) não funcionava no local. O projeto original, que previa equipar casas com extintores e treinar moradores para acabar com as chamas ainda no início, havia sido criado na gestão de Marta Suplicy (PT, 2001-2004) e foi extinto por José Serra (PSDB) em 2005. Gilberto Kassab (à época DEM, hoje PSD), sucessor do tucano, não reativou o trabalho.
Durante a campanha para a prefeitura de São Paulo, em 2012, o prefeito Fernando Haddad (PT), então candidato, se comprometeu a retomar o programa. Em fevereiro deste ano, a RBA solicitou à Secretaria de Subprefeituras informações sobre o andamento do programa. A assessoria de imprensa do órgão informou na ocasião que em 2013 havia sido criado um grupo de trabalho para diagnosticar a situação das comunidades e que a partir daí foram contratados e treinados 100 zeladores comunitários e instalados hidrantes em todas as comunidades participantes.
“O programa está implantado em cerca de 50 comunidades. A Secretaria de Coordenação das Subprefeituras investiu mais de R$ 1 milhão para manter a zeladoria e comprar os equipamentos de segurança”, informou. O órgão completou que em 2104 a previsão orçamentária do projeto é de R$ 1,3 milhão para manter os zeladores comunitários e de R$ 1,4 milhão como verba emergencial de reposição de equipamentos.
A secretaria, no entanto, não informou em quais comunidades o programa estaria funcionando, se limitando a dizer que existiria em “comunidades de 20 subprefeituras”: Butantã; Campo Limpo; Capela do Socorro; Casa Verde; Cidade Ademar; Ermelino Matarazzo; Freguesia do Ó/Brasilândia; Guaianases; Ipiranga; Itaim Paulista; Itaquera; Jabaquara; Mooca; M’Boi Mirim; Penha; Perus; Pirituba/Jaraguá; Santo Amaro; Sé e Vila Prudente. Em abril, a RBA solicitou a informação via Lei de Acesso à Informação, porém mais uma vez não obteve resposta.
Sem justificativa
O grande número de incêndios em favelas em 2012 era justificado por autoridades dos governos estadual e municipal pelo tempo seco. Em 2013, o número de casos caiu para 20, apesar de a média de umidade relativa do ar entre junho e agosto ter sido apenas um ponto percentual maior que nos mesmos meses do ano passado, segundo dados cedidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia.
A recorrência dos incêndios levou o então vereador Ricardo Teixeira (PV) a pedir a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Incêndios em Favelas, que vigorou entre abril e dezembro. Apesar de as reuniões serem quinzenais, apenas seis encontros foram realizados. Os demais foram cancelados por não atingir presença mínima de quatro dos seis vereadores participantes, todos da base aliada do então prefeito Gilberto Kassab.
A CPI terminou em 12 dezembro, em uma reunião com bate-boca, acusações, retomada de questões já saturadas e nenhuma conclusão. Os vereadores reconheceram que as investigações não ocorreram a contento e que por isso seria necessário estendê-las. A comissão, no entanto, nunca foi reaberta.
Entre 2008 e 2012, São Paulo registrou pelo menos 530 incêndios em favelas, de acordo com os Bombeiros. Sobre 2012, um levantamento produzido pela RBA sobrepôs os endereços das ocorrências com as áreas a serem transformadas pelas políticas municipais de reurbanização e revelou que a maioria das favelas incendiadas estão coincidentemente concentradas nos perímetros das chamadas operações urbanas (confira abaixo).
O traçado georreferenciado das operações urbanas previstas no antigo Plano Diretor da cidade, de 2002, foi cedido pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa). Como a administração municipal tem autonomia de alterar o traçado, também foram utilizadas informações de mapas disponíveis nos sites da prefeitura.
Ao todo foram georreferenciados 89 dos 103 endereços de incêndios em favelas que constam no documento entregue pela Defesa Civil para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Incêndios em Favelas da Câmara Municipal. Para a elaboração do mapa foi usado o sistema colocado à disposição pela empresa Google. As ocorrências vão de janeiro de 2008 a agosto de 2012.