Elaine Tavares – Palavras Insurgentes
A Rádio Comunitária Campeche segue cumprindo com seu papel estratégico de ser um espaço comunitário real para a vida que se expressa e luta nesse mítico bairro do sul de Florianópolis. Hoje – e sempre – tocada por um grupo cheio de vontade de realizar e construir, ela nasceu da necessidade concreta do movimento popular comunitário e se mantém como a antena do Campeche, informando sobre tudo que acontece no bairro, discutindo as lutas cotidianas por um lugar melhor para se viver, dando notícias sobre as batalhas que se travam na cidade no campo dos trabalhadores, no mundo popular.
O Campeche foi um dos primeiros bairros da cidade a iniciar a luta pela criação de um plano diretor. Nos anos 80, quando iniciou um forte movimento de migração do oeste/norte/sul no rumo da capital, os moradores compreenderam que sem uma organização capilar, unificada e comunitária, o crescimento desordenado engoliria a forma de vida que o bairro já havia escolhido para si. Enquanto no norte da ilha imperava a lógica do turismo de resultados, o sul insistia em viver de forma simples, com qualidade de vida, com cuidados com o lixo, o saneamento e principalmente com planejamento. Foi aí que começaram a surgir os movimentos de luta por um plano diretor.
Quando o país avançou para a proposta do Fórum das Cidades, o Campeche já estava bem à frente nesse debate, inclusive com seu plano formulado. E foi dessa movimentação em torno da organização do bairro e do pensar a comunidade dentro da cidade que nasceu o desejo de uma comunicação mais eficaz, que chegasse em cada morador. Primeiro, o movimento organizado criou um jornal impresso, o Fala Campeche, e depois começou a perceber que a palavra falada também poderia potencializar as lutas. Assim, no ano de 1998 começou a movimentação por uma rádio comunitária até que, finalmente, em 2005, foi possível fazer a primeira transmissão, ainda sem um lugar próprio, na casa do jornalista Lúcio Haeser, também morador do Campeche. Desde aí, a vontade de fazer a rádio real cresceu e as coisas foram acontecendo. Junta documento, leva para Brasília, compra transmissor. Tudo isso acompanhando o movimento comunitário que seguia firme.
Naquele ano de 2005 veio a legalização da emissora, depois de sete anos de batalha. Com tudo certo em Brasília, a rádio já podia funcionar sem medo de ser invadida pela Anatel, no dia 104.9. Uma parceria com o Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis garantiu um terreno e a sede foi construída num mutirão. Espaço pequeno, mas suficiente para irradiar a voz do bairro. E foi em 2006 que começou o primeiro programa ao vivo da Rádio Campeche: o Campo de Peixe, no ar até hoje. O programa teve como primeira formação, Alícia Alão, Glauco Marques, Débora Daniel e Elaine Tavares. Mais tarde, Alícia e Débora foram buscar novos rumos e o Campo de Peixe incorporou o estudante de jornalismo Rubens Lopes. O programa tinha – e tem – o propósito de trazer as lutas da comunidade, os temas da cidade, do estado e da América Latina. Informação e formação. Notícia e debate. O jornalismo como forma de conhecimento, trazendo ao ouvinte aquela abordagem que ele não encontra na TV ou no jornal convencional.
Pois não demorou muito e logo outros programas ao vivo começaram a surgir. Havia toda uma demanda reprimida por um espaço onde expressar a voz e a informação. Programa de cultura, de juventude, de música, de informação comunitária, de ecologia, esportes. Tudo dentro da lógica de que só poderia ser programador quem morasse no bairro. E assim tem sido até hoje. A Rádio é comunitária de fato, propaga as vozes do bairro, é feita por moradores, por quem vive e constrói a luta no Campeche. E é por trazer uma informação diferenciada e contextualizada que a rádio tem sido a ponta de lança na construção do Plano Diretor Participativo e na luta que se trava por uma cidade boa de morar, que garanta a todos dignidade e direitos. Praticamente todos os programas dão espaço para esse debate que define o povo do Campeche. Uma gente que luta pelo bem viver no bairro e na cidade.
Na rádio comunitária não tem propaganda. O que rola são os apoios culturais. O comércio local apoia com uma quantia fixa, e a rádio anuncia o apoio. Nada de anúncio de produtos ou coisa assim. É parceria cultural e política e aí política no sentido bom, de ação conjunta e viva na comunidade.
Assim, a cada dia que passa a rádio vai fortalecendo, apresentando programas que fogem do lugar comum das rádios comerciais. No dial da Comunitária podem ser escutadas as vozes dos pescadores, das rendeiras, dos ambulantes da praia, dos moradores, dos comerciantes, dos contadores de história, das figuras históricas do bairro, os cineastas locais, os cantores, os artesãos, enfim, qualquer um que tenha algo a dizer. E, além dos programas que apresentam a melhor música local, nacional e do mundo (fora do circuito comercial), há os programas de interesse comunitário. A vaga de emprego, os horários dos médicos e dentistas no posto de saúde, as reuniões do Plano Diretor. Então, ao ligar na frequência 98.3 FM os moradores encontram a boa música do interior no Chão de Terra e no American Country, encontram poesia e discussão cultural no Sábado Arrastão, jornalismo no Campo de Peixe, ouvem rock no Fanzine Sonoro, curtem o melhor do Rap no Rap Hour, sabem das propostas alternativas no Ecologia Humana. É um mosaico de temas e sons, tudo pensado e feito com o amor de quem mora e vive no Campeche.
Por algum tempo também foi possível contar com vários outros programas como o Vozes em Movimento, que trazia a fala dos movimentos sociais e as lutas do campo e da cidade. O Sábado Literário, aos sábados, quando o jornalista Raimundo Caruso trazia sempre um escritor catarinense. Falava-se de literatura, de como se escreve, dos problemas dos leitores, dos que escrevem. Histórias de vida, coisas engraçadas, segredos de escritor. Uma beleza, joia rara na mediocridade do rádio florianopolitano. Também já tivemos a presença dos alunos da Escola Brigadeiro Eduardo Gomes, com programas produzidos a partir de oficinas realizadas por Débora Daniel, Révero Ribeiro e Aline Maciel. Tivemos ainda o privilégio de compartilhar a vida e o trabalho com o Mano F, que tão jovem encantou. Enfim, alguns programas vão e vêm, de acordo com as possibilidades das pessoas em contribuir. Mas, sempre é uma intervenção bonita, na qual o foco é a comunidade.
Na Travessa das Chagas Pires, uma pequena ruela do Campeche, viceja esse projeto bonito, hoje no 98.3 do dial, que se faz dentro de uma pequena casinha. Ali, entre fios, microfones, e outros tantos cacarecos que vão se acumulando dos balaios comunitários, circula a vida da comunidade. Chegam os artistas, os escritores, os líderes comunitários, os moradores, enfim, chega a força viva desse bairro que aprendeu na luta que para ser um lugar de bom-viver é preciso união e cooperação.
A Rádio Campeche é hoje o coração do bairro e ele bate, compassado, na batida dos tambores, do cavaco, do violão e da informação. Quem cruzar as fronteiras da comunidade é só sintonizar: 98.3. Ali, a vida do Campeche é primeiro lugar. Para quem está longe, basta entrar na página da rádio e curtir. www.radiocampeche.com