Mayron Régis – Territórios Livres do Baixo Parnaíba
A comunidade quilombola de Jenipapo, município de Caxias, ressente-se da migração dos mais jovens para o sul do Brasil. Pelo que conta o senhor Manoel Moura, presidente da associação, existem três comunidades cujo nome é Jenipapo, diferenciando-se pelo segundo nome.
“- Acaso o senhor sabe o porquê do nome Jenipapo?” “– Agora o senhor me pegou. Não sei.” “ – Mas o Jenipapo é visto por aqui, não é?” “Sim, ele é visto.”
O senhor Manoel Moura e o jornalista Mayron Régis tiveram essa conversa no caminho entre a escola municipal Negro Cosme e a casa do presidente da associação. Os moradores batizaram a escola com o nome de um dos principais lideres da Balaiada, revolta de negros do século XIX. A prefeitura de Caxias queria batiza-la de escola Duque de Caxias, aquele que reprimiu as principais revoltas sociais do Brasil.
Jenipapo possui dois núcleos de moradores que sofrem com a falta de abastecimento de água. Os moradores vão buscar água muito longe e trazem-na em lombos de burros. Por conta da falta de água no povoado, a escola nunca funcionou.
O senhor Manoel Moura é neto de Rosa Barros, uma das primeiras lideranças da comunidade. Ela controlava os escravos a mando do antigo proprietário. Ela ocupou o lugar dele depois da abolição. O território quilombola do Jenipapo é muito vasto, contudo só se regularizou uma pequena parte.
Até alguns anos atrás, os moradores de Jenipapo pagavam renda do que produziam a alguém que se arvorava a posse da área. Com o processo de regularização fundiária feito pelo Iterma e a identificação da área como quilombo, essa história de pagar renda para o outro passou.
O seu Manoel conta que precisou trazer gente de fora para forçar a regularização fundiária porque parte dos moradores antigos achava que tudo estava muito bem. O processo de regularização fundiária de Jenipapo data de 1996. O reconhecimento como área quilombola veio dez anos depois.
O assentamento Jenipapo se espreme entre propriedades que estão dentro do território tradicional quilombola e essas propriedades desmatam as suas florestas e as vendem em carradas para a Barro Forte, empresa de cerâmica. A Barro Forte paga R$50 pela carrada. Perguntou-se ao senhor Manoel se ele lembrava de quando a Barro Forte começa as suas atividades na região. Ele respondeu que do final dos anos 80 para cá. Antes da Barro Forte, havia muita floresta na região. E chovia muito? Sim, chovia muito, responderam o seu Manoel e várias outras pessoas.
Os desmatamentos interferem no micro-clima de Jenipapo e das comunidades vizinhas. Só chovera metade do previsto para o mês de janeiro de 2014 em Caxias. Além da Barro Forte, a Suzano Papel e Celulose, empresa de celulose, e a Comvap e o grupo João Santos possuem grandes extensões de terra em Caxias, Matões e São João do Sóter. Aqui e acolá rola um conflito dessas empresas com comunidades tradicionais e comunidades quilombolas.
Um desses conflitos é entre a comunidade quilombola de Jacarezinho, município de São João do Sóter, e a Suzano Papel e Celulose. Segundo o seu Manoel, a área total de Jacarezinho corresponde a mais de 9.000 hectares. O Ministério Publico Federal instaurou um inquérito administrativo para apurar os fatos que dizem respeito ao conflito. Nem sempre os conflitos nas comunidades tradicionais e quilombolas mostram as suas caras de maneira tão franca como ocorre com relação aos grandes empreendimentos.
O capitalismo aos poucos insere as comunidades tradicionais e quilombolas no mercado consumidor. Foi-se o tempo que o capitalismo desejava os médios e grandes consumidores. As comunidades tradicionais e quilombolas consomem, atualmente, defensivos, agrotóxicos e alimentos industrializados. O coco babaçu gerou renda para muitas famílias pobres do interior do Maranhão e de Caxias. Do coco, obtém-se o azeite do babaçu e o mesocarpo. O azeite é mais difundido tanto em forma de produção como em forma de conhecimento. O mesocarpo não é da mesma forma. As mulheres, com o recurso do bolsa família, compram óleo de soja, macarrão e nescau no mercado.
O mercado se globalizou, assim como os impactos ambientais também. A Barro Forte, a Suzano, a Comvap e o Grupo João Santos são empresas que necessitam de muita matéria prima durante o processo de produção. Elas conseguem muito fácil investimentos por parte do Estado e de bancos e de fundos de investimentos nacionais e internacionais. O preço que a Barro Forte paga por uma carrada de madeira é pouco, mas para quem não tem nada ou quase nada é muito.
A comunidade do Jenipapo quase embarcou numa história de vender parte de sua floresta para a Barro Forte. Com o recurso, a comunidade pretendia construir um poço que serviria a escola e os moradores. As matas de Jenipapo são ricas em espécies florestais do tipo do Jacarandá, Pau d’arco, Aroeira, cedro e faveira, e em espécies frutíferas do tipo da Pitomba, Mutamba, Araticum, Tamarindo, Macaúba, Taturubá Babaçu e Jenipapo. Com o desmatamento, convergiriam vários problemas ao mesmo tempo para a comunidade: a perda da biodiversidade, mudança no microclima, perda na qualidade de vida e surgimento de doenças.
O recurso não resolveria o problema da água, porque para cavar um poço é muito dinheiro, e traria outros. As comunidades veem a floresta apenas para desmatar e vender a madeira. É preciso vê-la também como uma fonte de saúde e de forte potencial de geração de renda sem que se desmate uma árvore sequer. A comunidade de Jenipapo aceitou os argumentos apresentados pela assessoria do Aconeruq e desistiu da derrubada.