Conflitos territoriais: Adriana Ramos fala sobre os recentes ataques aos indígenas

adriana_ramos“Os Povos Indígenas estão à frente da defesa de seus direitos; eles têm consciência de que vivem a última batalha pelas terras públicas do país, e estão se mobilizando por meio de suas associações representativas. Cabe às OSCs apoiar essas mobilizações e as demandas legítimas dessas comunidades” 

Abong

Em entrevista à Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns, Adriana Ramos, do ISA – Instituto Socioambiental, fala sobre o ataque generalizado que sofrem os indígenas, uma questão de longa data e cada vez mais complexa para o país. 

Adriana Ramos faz parte da Secretaria executiva adjunta do ISA, coordena o grupo de trabalho de florestas do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) e é membro da diretoria da ABONG.

Então, para iniciarmos, gostaria que apresentasse um breve panorama da situação indígena e os ataques que esses povos vêm sofrendo.

Os povos indígenas estão vivenciando o que eles mesmos chamaram de um “ataque generalizado aos direitos territoriais dessas populações que parte do governo, da bancada ruralista no Congresso e do lobby de grandes empresas de mineração e energia”.

Esse ataque se caracteriza por um conjunto de propostas legislativas de alteração do artigo 231 da Constituição Federal; ameaças de alteração nos procedimentos demarcatórios pelo governo federal; paralisia nos processos de reconhecimento territorial; e acirramento de conflitos em diversas regiões do país, incluindo os relativos à implantação de obras de infraestrutura sem os devidos processos de consulta previstos na legislação.

Os conflitos não são recentes, fazem parte de um processo sistemático de ataque aos direitos constitucionais, mas têm se agravado face a estratégia deliberada de alguns setores do agronegócio, notadamente a Confederação Nacional da Agricultura e a Bancada Ruralista no Congresso Nacional, que tem estimulado o acirramento desses conflitos, levando a situações como as recentemente vivenciadas pelos Tenharim no município de Humaitá, no Amazonas, quando a população destruiu escritório, carros e barcos da FUNAI e casas dentro da terra indígena, após acusação de que os indígenas teriam sequestrado moradores da região em represália à morte do cacique Ivan Tenharim.

Outro caso emblemático é o dos Guarani, do Mato Grosso do Sul, onde dezenas de comunidades aguardam por providências de demarcação de seus territórios, e onde os conflitos com fazendeiros já levaram a morte de muitas lideranças.

Em sua opinião, a sociedade civil organizada consegue se firmar no enfrentamento a essa violência? Quais são os avanços em termos de ações políticas concretas conquistadas pelas OSCs, ou seja, qual é o papel dessas organizações nesse enfrentamento?

Os Povos Indígenas estão à frente da defesa de seus direitos; eles têm consciência de que vivem a última batalha pelas terras públicas do país, e estão se mobilizando por meio de suas associações representativas. Cabe às OSCs apoiar essas mobilizações e as demandas legítimas dessas comunidades. Apesar dos avanços que tivemos desde a Constituição Federal, mais recentemente vemos que essa violência também tem sido perpetrada pelos próprios agentes públicos de segurança. No caso dos indígenas, há casos recentes de mortes em conflitos com a polícia federal. Nesse sentido, é fundamental que as OSCs cobrem o cumprimento da Constituição e a não criminalização dessas comunidades, como tem ocorrido em vários casos.

Como você vê o papel do governo federal neste contexto?

O governo federal tem um papel fundamental de garantir o cumprimento da Constituição e ser o tutor dos direitos dessas comunidades. A posição dúbia do governo acirra os conflitos e dá espaço para o desrespeito. É preciso que o governo seja claro no apoio à diversidade étnica do país, que contribua para maior conhecimento da população sobre a realidade indígena, para não dar espaço à intolerância e ao preconceito que são combustíveis da violência.

Qual a perspectivas para as próximas eleições em relação à continuidade deste modelo agro-extrativo e exportador apresentado pelo último governo?

O atual modelo econômico brasileiro privilegia a economia de base primária, colocando as atividades agro-extrativas em destaque e não há perspectiva de mudanças nesse modelo com as próximas eleições.

A reabertura e revisão do processo de demarcação das terras indígenas e invasão desses territórios indubitavelmente configuram-se como crimes aos direitos humanos. Gostaria de saber qual é o papel da mídia – tanto a “grande mídia” como a alternativa – no sentido de viabilizar, ocultar ou impedir essas ações e se atingem seu objetivo.

A grande mídia tem servido de apoio à estratégia do agronegócio de desconstituir os direitos territoriais de indígenas, quilombolas e extrativistas. Com raras e honrosas exceções, os grandes jornais e canais de televisão contribuem para ampliar a desinformação e o preconceito contra essas comunidades. A mídia alternativa tem dado uma boa contribuição no sentido de dar voz às lideranças desses movimentos, trazendo outras informações e abordagens, o que tem contribuído com a circulação da versão dos fatos pelas próprias comunidades.

Visto que os setores agro-extrativos parecem bem representados politicamente e judicialmente, como a sociedade civil pode melhorar a representatividade dos indígenas e ambientalistas no Congresso Nacional e no Judiciário e com quais instrumentos a população pode juntar-se à causa?

O atual sistema eleitoral torna muito difícil a eleição de representantes de minorias como os indígenas. Por isso a pauta da reforma política é tão importante para a sociedade civil. Apesar disso, há muitos vereadores e até prefeitos indígenas pelo Brasil.

A melhor forma da população apoiar a causa é se manifestando por meio das petições e mobilizações de rua que já ocorreram em 2013 e voltarão a acontecer em 2014, e conversando com seus deputados e senadores para que não permitam retrocessos nos direitos territoriais.

*O ISA tem como objetivo principal defender bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos e valorizar a diversidade socioambiental

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