Situação seria reflexo dos conflitos socioambientais provocados pela atuação da Suzano e de produtores de soja do Centro-Sul que se instalaram no Baixo Parnaíba.
Por Ribamar Mesquita – Agencia ProdeTec
A conclusão é de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão ao analisar os conflitos socioambientais na região leste do Estado provocados pela atuação da empresa Suzano e de produtores de soja do Centro-Sul que se instalaram no Baixo Parnaíba. Sem condições de se manterem como camponeses, os chamados escravos do agronegócio se sujeitam a trabalhar como assalariados sob condições em que leis e direitos humanos elementares são desrespeitados.
Mais do que isso: a região estaria diante de um quadro de extermínio de práticas e cultura de grupos locais, caracterizado pelo contínuo ataque à economia e sobrevivência das famílias, pela agressão às regras tradicionais da comunidade e o desaparecimento dos ecossistemas locais com todos os seus recursos, como constatado no trabalho.
Para os pesquisadores, a situação pode ser interpretada como um etnocídio, desde que no caso do Leste Maranhense “há um processo lento de apagamento físico e cultural desses grupos, que se desenvolveu ao longo das últimas décadas e, sobretudo, nos últimos sete ou oito anos, em dezenas de municípios da região”.
Coordenada pela professora doutora Maristela de Paula Andrade, a equipe responsável pela pesquisa, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA, reuniu 20 profissionais entre pesquisadores e colaboradores.
O trabalho em campo foi desenvolvido entre janeiro e agosto de 2011 e abrangeu visitas e entrevistas com centenas de pessoas de 41 povoados localizados, sobretudo, nos municípios de Urbano Santos, Santa Quitéria e Mata Roma.
Situação de vulnerabilidade
De acordo com o trabalho, a ampliação das áreas de cultivo de soja e de eucalipto no Baixo Parnaíba não representa propriamente melhores condições de vida às famílias da região. Pelo contrário: significa uma grave ameaça à sua reprodução material e social.
O desmatamento de vastas chapadas, o advento do arame farpado cercando amplas áreas antes livres, a morte e degradação de nascentes, rios e riachos, a proibição de criar animais soltos, além de caracterizar um quadro de injustiça ambiental, resultaram em vulnerabilidades para as famílias.
Para os pesquisadores, essa ação devastadora afeta de forma significativa a comunidade, sua organização social e econômica, sem falar nas variadas formas de constrangimento e de violência simbólica a que estão submetidas.
A devastação afeta, igualmente, outras áreas do Estado desde que a região funciona como verdadeira caixa d’água para abastecimento das bacias hidrográficas dos rios Parnaíba, Munim e Preguiças, entre os principais do nordeste e leste maranhenses.
Na localidade de Todos os Santos, município de Urbano Santos, sede de um dos projetos da Suzano, o quadro já é de desolação. A exuberância antiga do cerrado e das veredas/brejos transformou-se em mera lembrança após o desastre social e ambiental decorrente da chegada do eucaliptal hoje pertencente à Suzano Celulose e Papel.
A lagoa seca no leito do riacho Chibé, consequência da eliminação das nascentes, provocada pelo plantio do eucalipto, retrata o comprometimento da biodiversidade local onde as dificuldades das famílias chegam ao ponto de não terem acesso à água para uso doméstico.
Juntos e separados
A situação na área é de bipolaridade, em que dois grupos distintos vivem juntos e divergem sobre praticamente tudo. De um lado, o agronegócio da celulose (representado pela empresa Suzano) e da soja, a cargo dos ‘gaúchos’ (denominação comum aos produtores de grãos não nativos). Do outro, camponeses (pequenos produtores, sem terras, extrativistas, quilombolas etc.) que, historicamente, ocuparam a região.
Conforme o trabalho, os relatos dos impactos causados às famílias e ao meio ambiente pelo agronegócio chegam a ser dramáticos dada a situação de vulnerabilidade pela qual muitos passaram a vivenciar a partir da supressão das matas, da extinção de recursos hídricos e do impedimento à criação de animais, fatores imprescindíveis à organização social e econômica das comunidades.
“Os registros – afirmam os pesquisadores – nos permitiram apreender a importância e o significado de muitas paisagens do bioma cerrado para os camponeses, bem como acessar os diferentes ambientes onde vivem e trabalham e que asseguram sua reprodução material e social”.
Na opinião dos estudiosos, a turbação desses ambientes implicam dramáticos desdobramentos para as famílias que vivem neles e dependem de seus recursos hídricos, vegetais e animais.
Resistência
Ao longo de décadas, esses recursos eram usados de forma aberta, acessíveis a todos, com o aspecto conservacionista respeitado pela maioria, o que assegurava a manutenção das chapadas, nascentes e riachos agora suprimidos pela Suzano e produtores de grãos. Em alguns casos, a resistência dos camponeses venceu a insensibilidade do capital, como na Lagoa do Bom Jesus, onde a Suzano desativou instalações a partir da reação de seus moradores preocupados em preservar os recursos necessários e indispensáveis ao seu modo de vida.
Para além do pessoal da Lagoa, a luta desses camponeses se espalha por outras comunidades igualmente preocupadas com a preservação do ecossistema dos cerrados em toda a sua extensão, praticando “a sustentabilidade a partir da sua lógica cultural, que conserva os recursos não apenas porque dependem deles, mas porque mantêm uma relação com essas águas para além do uso econômico”.
Segundo os pesquisadores, esse tipo de preocupação não permeia o trabalho da Suzano e dos chamados gaúchos que já interromperam a passagem de cursos d’água, aterram outros tantos construção de estradas ou implantação de cultivos.
O que para camponeses significa fonte de sobrevivência, para esses atores são apenas obstáculos aos seus empreendimentos. A forma como agem, longe de se caracterizar como ‘desenvolvimento e modernidade’ – como propalado – é, na verdade, uma fonte de malefícios para o meio ambiente e milhares de famílias presentes há séculos na região.
A forma como comprometem essa organização social e econômica representa uma demonstração de racismo ambiental, já que desrespeitam o modo de vida dos camponeses da região, por considerá-los como a materialização do “atraso”, acentua o documento.
Paradoxalmente, os supostos ‘atrasados’ é que empreendem ações voltadas para a defesa e preservação dos recursos naturais e do ecossistema do cerrado do Leste Maranhense, chegando mesmo a socorrer os atores do agronegócio.
Em muitas situações os pesquisadores constataram que “é justamente nesses ambientes conservados ou produzidos pelas famílias camponesas, tidas como “atrasadas”, onde os carros pipas a serviço da Suzano buscam a água necessária às suas atividades”.
Devastação ampla
Conforme o trabalho, o avanço da soja e do eucalipto no Leste Maranhense deixa um rastro de devastação ampla nas chapadas e a extinção de muitas espécies da fauna e da flora. A consequência imediata do desaparecimento de plantas como pequizeiros, bacurizeiros e buritizeiros, relevantes como fonte de sustentação das famílias, é a desorganização econômica de comunidades pelo comprometimento de suas opções extrativas.
Em muitos pontos da região, a exemplo do Baixão da Coceira, em Santa Quitéria, a resistência à devastação transforma comunidades inteiras em rés, na Justiça, acusadas de invasão pelos empresários. Lá, eles rechaçaram as tentativas de derrubada do cerrado para plantio de eucalipto e mantêm programas de defesa e manejo do bacuri, uma árvore nativa que acabou como símbolo da resistência camponesa na região, dada a sua relevância econômica e como fonte alimentar para as famílias.
Para a empresa e os gaúchos, entretanto, o bacurizeiro e os demais recursos vegetais do cerrado, são apenas estorvos a seus empreendimentos, daí o ataque sistemático e permanente à sobrevivência da economia camponesa, “envolvendo – como dizem os pesquisadores — atos constantes de subversão das regras tradicionais, desaparecimento de ecossistemas com todos os seus recursos, processos estes vividos pelos camponeses como uma situação de humilhação contínua”.
Para acessar o trabalho e saber mais sobre os conflitos:http://www.ppgcsoc.ufma.br.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mayron Borges.