Em um dos casos, empresários usaram filha de 10 anos como “laranja” para receber lote do Incra
Após denúncia do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS), a Justiça determinou que beneficiários da reforma agrária, que ocupavam irregularmente dezenas de lotes em nove assentamentos de vários municípios de Mato Grosso do Sul, restituam as áreas ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Os primeiros intimados a devolver as propriedades rurais são 42 pessoas – entre elas empresários, bancários e dirigentes sindicais – que deverão ser excluídas do cadastro do Incra e impedidas de obter crédito de instalação rural e do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
A investigação do MPF embasou a Operação Tellus, que teve início no fim de 2009 e, por meio de escutas telefônicas, chegou até envolvidos em transações de diferentes cidades.
Entre as irregularidades apuradas, estão beneficiários com vínculo empregatício e venda de lotes. Uma das áreas chegou inclusive a ser concedida e registrada em nome de uma criança de 10 anos, filha de donos de duas empresas no estado. Os acusados foram denunciados pelos crimes de estelionato e falsidade ideológica.
R$ 200 milhões desviados
As investigações do MPF tiveram início em 2008 e, a princípio, apuraram irregularidades em quatro assentamentos que foram implementados na área da antiga Fazenda Santo Antônio, em Itaquiraí, região sul do estado. A fazenda, de 16.926 hectares, havia sido desapropriada pelo Incra por R$ 130 milhões, e desmembrada em 1.236 lotes. Esta primeira investigação deu origem às demais, verificadas em outros municípios.
Durante os trabalhos em Itaquiraí, o MPF constatou que, para se fazer a distribuição dos lotes, não houve sorteio entre os inscritos, que seria o procedimento legal. Na verdade, havia ocorrido contemplação dirigida. Uma das vistorias comprovou que, dos 1.236 lotes, 497 eram ocupados por pessoas que não constavam na relação do Incra. O instituto apenas acatou as indicações dos movimentos sociais, homologando o resultado do
“sorteio”.
Foi constatada ainda participação ativa de funcionários do Incra, à época, na venda e regularização de lotes ocupados ilegalmente, através da emissão de documentos falsos. Há indícios de que assentamentos eram criados apenas para que houvesse a possibilidade de fraudes.
Houve também desvio da verba que seria utilizada inicialmente pelos assentados. Somente em cinco anos (2005 a 2010), foram liberados R$198.129.576,87 em créditos para assentados em Mato Grosso do Sul. O dinheiro obtido ilicitamente era “lavado” na compra de imóveis, carros e outros bens.