IHU – Nos últimos quatro anos, nenhum acusado de contratar trabalhadores em condições análogas à de escravo foi condenado em definitivo, nem começou a cumprir pena pelo crime. A reportagem é de Carolina Brígido e publicada pelo portal do jornal O Globo, 27-01-2014.
Nesse período, foram ajuizados 469 processos nos tribunais de todo o país, mas nenhum resultou em punição. Para o Ministério Público Federal, a impunidade está ligada à demora do Judiciário em resolver as causas. Por isso, a instituição está lançando nesta terça-feira uma campanha para exigir maior celeridade nesses julgamentos.
– Queremos acabar com a impunidade no Brasil. Ajuizamos muitas ações penais, mas não houve trânsito em julgado de condenações – lamenta a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, que atua na área.
Embora as condenações ainda sejam nulas, por outro lado, a fiscalização está mais severa. Em 2010, o Ministério Público Federal instaurou 73 procedimentos investigativos contra trabalho escravo. Em 2013, foram 702. A Polícia Federal instaurou 34 inquéritos em 2010. No ano passado, o número saltou para 185. Nos últimos quatro anos, também aumentou o número de processos que chegam à Justiça contra essa prática. Se em 2010 foram 59 ações penais, no ano passado foram 101.
No ano passado, o Ministério Público abriu mais investigações no Pará: 121. A Polícia Federal atuou mais em São Paulo, com 39 inquéritos. A maior parte das ações penais do ano passado foram abertas também no Pará, com 18 processos.
O artigo 149 do Código Penal define o crime como “reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. A pena é de reclusão de dois a oito anos, além do pagamento de multa.
Conforme o grupo de trabalho do Ministério Público Federal que cuida do trabalho escravo, quando praticado no meio rural, o crime normalmente ocorre na pecuária, nas plantações, na extração de carvão vegetal, na siderurgia e no desmatamento. No meio urbano, os destaques vão para as confecções de roupas e para a construção civil. As vítimas são de todos os tipos: crianças, mulheres e homens jovens.
‘Não é só frustrar direitos trabalhistas. É suprimir a dignidade da pessoa’
As práticas mais comuns consistem em aliciar o trabalhador em áreas com pouca possibilidade de emprego – normalmente, nos estados no Norte e do Nordeste. É frequente o patrão pagar salários baixos e descontar dos vencimentos artigos de higiene, material de trabalho, transporte e moradia. O trabalhador se vê obrigado a pagar uma dívida que dificilmente poderá ser paga. As jornadas costumam ser exaustivas e o ambiente de trabalho, insalubre. Nesses casos, os direitos trabalhistas, como carteira assinada e recolhimento de impostos previdenciários, são ignorados.
– Não é só frustrar os direitos trabalhistas em si, é muito mais do que isso. É suprimir a dignidade da pessoa – disse Raquel Dodge.
O grupo de trabalho também ressalta práticas recentes de aliciamento de trabalhadores na Bolívia para trabalhar em São Paulo – seja na construção civil, seja nas confecções de roupas. Com a condição ilegal no país, o estrangeiro tem poucas possibilidades de sair da situação onde foi colocado.
– É um crime muito difícil de identificar e de combater, porque é cometido em locais privados – explicou a procuradora.
Para tentar garantir o julgamento mais célere desse tipo de processo, o grupo de trabalho do Ministério Público Federal vai propor ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a criação de metas para os tribunais darem prioridade às causas. Segundo Raquel Dodge, muitos casos prescrevem sem ao menos serem julgados. Outro problema na demora da condução dos processos é encontrar as testemunhas. Nas áreas com escassez de emprego, é comum as pessoas mudarem de endereço em busca de novas possibilidades e, depois de poucos meses, a Justiça não encontra mais para prestar depoimento no processo.
A campanha do Ministério Público consiste em propaganda para a televisão e rádio, além de cartazes. Também foi elaborada uma cartilha para orientar a atividade dos procuradores. O dia 28 de janeiro foi escolhido como Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo para homenagear três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho assassinados em 2004, na zona rural de Unaí, em Minas Gerais. O grupo vistoriava condições de trabalho e moradia de colhedores de feijão.