Defensor público vê ‘estupro institucionalizado’ na Fundação Casa em Santo André

guia_fc-232x300Diário Regional – “Muita gente deixa de receber visita porque os pais não querem se submeter à revista íntima vexatória”. A declaração é do defensor público de Santo André Marcelo Carneiro Novaes, ao comentar um dos motivos pelo qual convocou audiência pública para tratar das revistas íntimas realizadas em visitantes e internos da Fundação Casa do município. O encontro está marcado para 12 de fevereiro, às 16h, no Auditório Heleni Guariba, na Câmara.

As cinco unidades da região (Santo André I e II, São Bernardo I e II e Mauá) somam 327 adolescentes apreendidos, segundo dados divulgados em outubro de 2013. Para a visita semanal, os familiares dos internos devem ficar desnudos, de cócoras e assoprar as mãos em frente aos agentes. Os funcionários pedem para que as pessoas contraiam os esfíncteres anais e músculos vaginais.

Os 112 internos de Santo André são revistados sempre que se deslocam dentro do prédio para alguma atividade e o número de revistas diárias dentro da própria instituição, segundo o defensor público, gira em torno de dez. “Entendo (a revista íntima) como estupro, que não pode ser considerado apenas a conjunção carnal não consentida, mas também o que atinge o psicológico ao obrigar a pessoa a se expor. É um estupro institucionalizado”, afirmou. A unidade foi inaugurada em julho de 2013.

As instruções de segurança para que homens e mulheres fiquem despidos e agachem para checar possíveis objetos proibidos no corpo consta no guia elaborado pela Superintendência de Segurança e Disciplina da Fundação, chamado de “Conceitos, Diretrizes e Procedimentos”, assinado pelo ex-governador Alberto Goldman (PSDB). Há ilustrações de bonecos desnudos e de cócoras e indicação de que mulheres devem, ainda, levantar os seios para a verificação.

Procedimento

Em ofício encaminhado à Defensoria Pública de Santo André, a Fundação Casa, antiga Febem, relata que nos últimos 18 meses não houve apreensão de celulares, drogas ou armas nas cinco unidades do ABC durante o procedimento de revista. Duas canecas com pó de café, cinco maços de cigarros, um cigarro solto, meio cigarro com “substância desconhecida”, casca de banana, pente, fio e duas substâncias “aparentando ser maconha” foram encontradas com os internos das unidades de São Bernardo nesse mesmo período. “Esses objetos são arremessados de fora para dentro”, explicou Novaes.

A prática é considerada inconstitucional por diversas entidades, como a Rede de Justiça Criminal, formada por algumas associações como a ONG Conectas Direitos Humanos, Pastoral Carcerária e Instituto Sou da Paz. Essas entidades argumentam que a revista íntima viola a intimidade e dignidade humana. “Não temos esse procedimento nem em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). É algo absolutamente opressor porque dessacraliza o corpo humano”, destacou Novaes. O RDD é aplicado, por exemplo, na Penitenciária de Presidente Bernardes, no Interior, que mantém líderes do crime organizado encarcerados.

Outras ordens dadas aos adolescentes são consideradas submissão e desestabilizastes para os garotos, como a obrigatoriedade de raspar totalmente o cabelo, andar com as mãos para trás e olhar sempre para o chão. “Reputo essas práticas como algo cruel e desumano”, disse.

Membro do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente de Santo André, Roberto Rodrigues Júnior acredita que o assédio dentro da instituição é físico, moral e psicológico. “E como fica a cabeça daqueles meninos quando o agente diz que já viu a mãe deles pelada?”, questionou. Procurada, a Fundação Casa não retornou a reportagem até o fechamento desta edição.

Debate

O defensor público acredita que a audiência pode se estender a outros locais do Estado e também servir de pressão aos políticos para que proíbam a prática por meio de Legislação. “O ABC tem uma sociedade civil muito organizada e pode ser um laboratório de boas práticas”, elogiou.

A Defensoria Pública pretende compor a mesa de debates com especialistas de segurança, saúde, funcionários e diretores das unidades da região. Possíveis denúncias devem ser enviadas até 10 de fevereiro, via e-mail, para o endereço eletrônico [email protected]. A Defensoria Pública de Santo André fica na Rua Senador Fláquer, 922 – Centro.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.

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