Por Egon Heck
Prontamente o cacique Aurelio Tenharim dá outra interpretação “a gente não fala de pedágio, fala de cobrança de compensação. Ela nunca vai pagar a dívida. Nós éramos 30 mil tenharins, hoje somos 800. Os jeahoy foram quase extintos. Claro que o povo tenharim tem deixado aberto para negociar com os governantes. Esperamos quatro anos para sentar na mesa de negociação, mas nenhum órgão se manifestou. Ninguém levou a sério essa cobrança de compensação da parte do governo”.
Continua o cacique Aurelio “a Transamazônica tem história de massacre, de estupro de nossas índias, escravos, violação de direitos. Quem vai pagar isso? Essa compensação não está só na fala, está no Ministério Público Federal que tem esse relatório detalhadamente. As autoridades aqui presentes precisam ver o relatório levantado por antropólogos e biólogos.” Tribuna da Imprensa, 8/01/2014)
Neste inicio de ano a atenção continua voltada para a Amazônia. Quando se fazia crer que ali a questão indígena estava pacificada, com a demarcação da maior parte das terras, na anti sala surge o agito: não retiraram os invasores, não esclareceram e compensaram pelo extermínio de milhares de indígenas pelas estradas, hidrelétricas e outros grandes projetos, não garantiram projetos satisfatórios nas questões básicas de autonomia alimentar, escolas diferenciadas e de qualidade, atendimento à saúde, com respeito, eficiência e dignidade. Além disso, as mineradoras estão na fila de espera, forçando a porta, pois tem pressa para que possam começar o jogo nas terras indígenas, o ministro da AGU não revogou a portaria 303, e o governo se diz contra a PEC 2015, mas não mobilizou sua maioria para impedir a instalação da Comissão Especial desse projeto.
O cenário é, no mínimo preocupante. O Ministro Adams se projeta como o novo general Rangel Reis, ministro do Interior, na década de 70, cujo sonho era ver um Brasil sem índios. Para viabilizar seu projeto de país, arquitetou o maquiavélico projeto de emancipação dos índios, ou melhor dizendo, a extinção dos índios e a entrega das terras ao latifúndio. A portaria 303 que o ministro da AGU gestou, suspendeu mas teima em não extinguir, parece renovar a intenção de Rangel Reis.E se juntássemos umas dezenas de projetos de lei e de emenda da constituição estaria formada a frente de um Brasil sem índios.
Em recentre entrevista o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro assim definiu a incapacidade da esquerda de entender a questão indígena “Foi preciso a esquerda, uma ex-guerrilheira, para realizar o projeto da direita. Na verdade, eles sempre quiseram a mesma coisa, que é mandar no povo. Direita e esquerda achavam que sabiam o que era melhor para o povo e, o que é pior, o que eles pensavam que fosse o melhor é muito parecido. …O PT, a esquerda em geral, tem uma incapacidade congênita para pensar todo tipo de gente que não seja o bom operário que vai se transformar em consumidor. Uma incapacidade enorme para entender as populações que se recusaram a entrar no jogo do capitalismo. Quem não entrou no jogo – o índio, o seringueiro, o camponês, o quilombola –, gente que quer viver em paz, que quer ficar na dela, eles não entendem…(IHU, 9 de janeiro de 2014) Numa noite de outubro do ano passado, Viveiros de Castro criticava o avanço do governo de Dilma Rousseff sobre a Amazônia, seus projetos de estradas e usinas hidrelétricas, benefícios ao agronegócio – e descaso com os direitos dos povos indígenas. Sentado no sofá, o antropólogo comparou as ambições desenvolvimentistas da atual presidente à megalomania da ditadura, com seu ideário de “Brasil Grande”.
Pierre Clastres, antropólogo que esteve um bom tempo com povos indígenas no Brasil, escreveu o célebre livro “Sociedades Contra o Estado”, onde demonstra por que povos indígenas tomam a decisão coletiva de não ter Estado. Nele os chefes não mandam, não tem poder de coerção, deles é exigido uma maior generosidade, que o obriga a distribuir bens para o restante da sociedade.
Tenharim, Jiahui e Awá
Para entendermos um pouco dos acontecimentos nas terras desses povos em situação de isolamento, de pouco contato ou contato recente é preciso primeiro desconstruir em nós a mentalidade colonialista, preconceituosa e etnocêntrica, de superiores, bandeirantes do progresso, heróis civilizadores.
É também fundamental compreendermos a dimensão de terra como território, como um ser vivo, a mãe terra e com ela termos uma relação de respeito e não apenas de predadores ou produtores.
Precisamos dialogar sobre as situação plurinacional dos nossos países e a compreensão da autonomia e autodeterminação nas realidades de cada país e na legislação nacional e internacional.
É indispensável uma informação correta sobre os processos históricos dos contatos desses povos com o Estado e a sociedade nacional e as desastrosas consequências em termos de depopulação e sofrimento.
Neste início de ano estamos convidados a refletir sobre o nosso complexo país.