Nota: o texto abaixo foi escrito ontem em resposta a um comentário postado no facebook por uma pessoa nascida em Humaitá, de quem manterei apenas o primeiro nome. Publico-o na medida em que desde o dia 7 de janeiro os portais e páginas da região, principalmente os de Apuí e Humaitá, voltaram à prática da incitação racista e agora tentam provocar a cizânia entre os povos indígenas, jogando todos contra os Tenharim. Para isso, aliás, vale até usar fotos da Polícia carioca agindo contra a Aldeia Maracanã (no final), sem mencionar esse “pequeno detalhe”.
Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Não vou entrar nos detalhes menores [do comentário publicado], das pick-ups desfilando pela cidade ou, mesmo, da questão do pedágio, que mereceria pelo menos alguns capítulos de um livro, da ditadura às políticas anti-indígenas atuais. Com todo o respeito pela tua opinião, Manuel, espero que efetivamente você esteja certo quanto escreve que “Se for constatada a culpa de algum indígena no episódio dos desaparecidos, é consenso também, que tenha sido apenas alguns, e que 99,9% dos indígenas nada teriam haver com tal fato bárbaro”, e que SÓ os responsáveis teriam que prestar contas. O SÓ em caixa alta é meu, claro.
Igualmente, desejo de todo o coração que novamente tua análise esteja correta ao afirmar que “Em nenhum momento nós humaitaenses pedimos a retiradas dos irmãos indígenas e/ou populações tradicionais de suas áreas demarcadas”. O que sei – e venho acompanhando diariamente com horror, desde o dia 25 de dezembro – é que as páginas e portais de Humaitá, Apuí e Santo Antonio de Matupi, assim como as páginas pessoais da maioria das pessoas que com elas interagem, refletem algo muitíssimo diferente. “Tem que matar mesmo”, em inúmeras variantes – como “tem que queimar mesmo”, por exemplo – foi das coisas que mais li, embora a Recomendação do MPF tenha levado a uma imensa ‘limpeza’.
A incitação à violência parecia/parece ser quase desnecessária, no que toca aos sentimentos do mais puro racismo que as pessoas expressam, deixando bem claro, com todas as letras, que para elas “índio” não é gente. E (tomara esteja você certo, e eu errada) isso, mais os vídeos e as fotos postados, com comentários comemorativos, principalmente nos dia 25 e 27, tornam difícil para mim acreditar que “se podem contar nos dedos, diga-se, discursos repugnantes e cruéis” e que eles “não refletem, e não podem ser generalizado como a opinião da imensa maioria da população humaitaense”.
Concordamos plenamente que os fatos devem ser averiguados até o fim. Tanto a morte comprovada do cacique Ivan, quanto o desaparecimento dos três não indígenas. Também concordamos quanto ao fato de que, havendo crimes em qualquer das duas situações, os responsáveis por eles devem cumprir o ritual da justiça, prestando contas a ela, como diz você.
Meu grande medo entretanto, Manuel, é da selvageria que pode ainda hoje ser vista na internet e que arrancou mulheres e crianças doentes do Polo de Saúde, levando-as felizmente à proteção do 54 BIS. Meu medo é do vandalismo que queimou um barco que levava alimentos, remédios, primeiros socorros, doentes etc pelo rio. Que queimou prédios e veículos. E – segundo muitas declarações do dia 25 – só não queimou seres humanos porque eles tiveram a proteção do Batalhão.
Seres capazes desse tipo de atitudes me causam um desgosto que vai muito além do caso específico dos Tenharim e seus parentes. Porque ele me diz que existe uma sociedade doente, “repugnante e cruel”, como você mesmo escreveu, e que, devidamente manipulada como na minha opinião vem sendo, é capaz de transformar-se num monstro enfurecido bem distante do que podemos considerar um ser humano.
Respondendo à tua pergunta: a vida de um brasileiro índio vale tanto, para mim, quanto a vida de um brasileiro não índio. Por isso mesmo repito: tomara que você, que lá nasceu, esteja certo, e que isso seja uma verdade para a maioria! Infelizmente, não foi essa a impressão que os atos do dia 25 (e lembremos que destruir bens públicos também é crime que deve ser julgado e punido!) e subsequentes me fizeram acreditar. Que eu esteja errada, pois, em nome do que existe de humano em tod@s nós.