Por Elaíze Farias, em Amazônia Real
Servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio) há 37 anos, Áureo César de Oliveira disse nesta terça-feira (07) ao portal Amazônia Real que foi retirado pelo órgão da terra indígena Tenharim porque concedeu entrevistas à imprensa e autorizou a entrada de jornalistas na aldeia Marmelos, um dos focos das investigações da Polícia Federal sobre os três homens desaparecidos há 23 dias na reserva [na Transamazônica]. A saída de Áureo César de Oliveira desagradou os indígenas tenharim.
Lotado na Coordenação Regional de Porto Velho (RO), Áureo César de Oliveira era o único funcionário não-índio que permanecia na reserva dos tenharim – é que há funcionários indígenas dentro da Funai também.
Áureo foi designado pelo órgão para entrar na aldeia desde o início dos conflitos, no dia 25 de dezembro de 2013. Outros funcionários também foram enviados pela Funai mas, segundo os indígenas, eles não ficam na reserva e sim no distrito Santo Antônio do Matupi, no KM-180 da BR-230 (Transamazônica) e só foram uma vez na aldeia Marmelos desde o início dos conflitos.
Em entrevista ao Amazônia Real, Áureo de Oliveira, 67 anos, afirmou que os jornalistas entraram na aldeia Marmelos nesta segunda-feira (06), quando uma comitiva, formada pelo Comando Militar da Amazônia (CMA) e demais forças de segurança, visitou a comunidade para uma reunião com ao menos 400 indígenas.
“Sou acostumado a fazer esse tipo de trabalho e tenho uma ficha exemplar. Nunca fui chamado atenção ou despedido de uma missão. Estou muito chateado. O pessoal de Brasília me ligou dizendo que não era para eu ter dado entrevista. E que era para eu ter impedido a entrada dos jornalistas na aldeia. Como vou impedir isso se os índios é que têm a autonomia para autorizar ou não a entrada de jornalistas?”, afirmou o servidor da Funai.
O funcionário afirmou que foi indicado para atuar junto aos tenharim quando estava se preparando para entrar de férias. “Recebi uma ligação e me mandaram cancelar minhas férias. O que eu fiz. Vim para cá e conversei com os indígenas, que estavam muito alterados com toda essa situação. Estou aqui dormindo com os índios, passando fome, pegando chuva, sofrendo com eles”, disse o servidor.
Áureo de Oliveira disse no final da manhã desta terça-feira que estava deixando a reserva Tenharim preocupado com a situação em que se encontram os índios, sem comida e remédios.
“Estou saindo da aldeia daqui a pouco, depois de dar essa entrevista. Os índios não têm quase nada para comer e não podem sair da aldeia para comprar alguma coisa. Estou com receio de sair e as coisas saírem do controle”, afirmou.
A reportagem voltou a ligar para a aldeia Marmelos após a primeira entrevista de Áureo e confirmou junto aos indígenas que ele já tinha saído da reserva.
Descontentes
A decisão da Funai provocou descontentamentos entre os índios tenharim. Um dos líderes da etnia, Aurélio Tenharim disse ao Amazônia Real que Áureo é o único funcionário da Funai que ficou permantemente na aldeia desde o início dos conflitos.
Segundo ele, outros três funcionários (um deles identificado com Vanderlei) esteve com os índios na aldeia apenas um dia. Nos demais, foram vistos acompanhando a Polícia Federal nas buscas dos desaparecidos ou junto com familiares destes. A afirmação foi confirmada por Áureo.
Conforme Aurélio, Vanderlei e os demais funcionários passam a maior parte do tempo no distrito de Santo Antônio do Matupi, cuja população fez parte dos protestos contra os índios.
“O Áureo é o único que ficou morando na aldeia desde o início conversando com os índios e comendo aqui. Ele comeu o mesmo que a gente come. Macaxeira, milho e cana, já que é só isso que temos. Não temos mais carne nem peixe. Não podemos caçar nem comprar. Os outros funcionários nunca vêm aqui. Parecem que estão dando mais apoio para as famílias dos desaparecidos do que para os índios. No primeiro dia que o Vanderlei esteve aqui ele veio escoltado por policiais e falando de longe, como se a gente fosse ameaçá-lo”, disse Aurélio.
O líder indígena disse ainda que a Funai ainda não deu respostas aos dois documentos enviados na semana passada com relatos sobre a situação dos tenharim e jiahui na reserva.
“A Funai não designou os funcionários com perfil para trabalhar com a população tenharim. São pessoas que em nenhum momento procuraram as lideranças indígenas, com exceção do Áureo, que já trabalha com os tenharim. Com a saída do Áureo, quem vem para cá? Estamos pedindo uma intervenção de algum órgão, do Ministério Público Federal, de quem puder nos ajudar. Estamos pedindo socorro”, disse ele.
Conforme Aurélio, os indígenas bancaram com seus recursos uma parte da compra do combustível do veículo que Áureo usou para circular dentro da reserva e fazer o monitoramento, informação que também foi confirmada pelo servidor.
Aurélio Tenharim disse que o clima entre os indígenas continua tenso, pois sempre há o receio das ameaças serem retomadas. “Ontem tivemos uma conversa com o comandante do Exército e ele falou um pouco com a gente. Espero que ele encaminhe às autoridades o que falamos. Pedimos que ele coloque postos de vigilância, pois as ameaças vão continuar”, afirmou.
Segundo informação dada ao portal por Aurélio Tenharim, o atendimento à saúde deve ocorrer ainda nesta terça-feira, por meio de uma equipe levada pelo Exército. “Nos disseram que têm uma ambulância. Vamos aguardar”, disse ele.
Procurada, a assessoria de comunicação da Funai disse que as pessoas que podem falar sobre o tema estão em reunião durante toda a tarde no Ministério da Justiça sem hora para acabar. A assessoria disse que até o momemto não conseguiu contato com as pessoas e que é possível que a demanda do portal não seja respondida nesta terça-feira.
Restrição
O acesso às informações sobre o conflito em Humaitá e as buscas dos três homens desaparecidos vem sofrendo dificuldades devido às restrições impostas pela Polícia Federal e pela Funai.
A Polícia Federal só se manifesta oficialmente por meio de nota (que muitas vezes causam mais dúvidas sobre as investigações) e a Funai não delegou um porta-voz para falar sobre o assunto, considerado um dos mais delicados envolvendo povos indígenas do país.