Deputado ruralista destitui relatora pró-causa indígena

Presidente da Comissão da Amazônia retira de Janete Capiberibe (PSB-AP) da relatoria do Conselho Indígena e se autonomeia novo relator. O deputado faz discursos constantemente contra a Funai e a política indigenista

Evandro Éboli – O Globo

BRASÍLIA – Presidente da Comissão da Amazônia e com assumidas posições contrárias à política indigenista, o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), da bancada ruralista, usou de seus poderes e tomou para si a relatoria de um projeto que ele mesmo havia destinado a outra colega, Janete Capiberibe (PSB-AP), uma defensora dessa causa. O projeto em questão é do Executivo e cria o Conselho Nacional de Políticas Indigenistas, de 2008, e dá poderes a esse órgão de interferir em questões como demarcação de terra. No último 14 de agosto, Janete foi designada para relatar o projeto. A indicação do nome de Janete chegou a constar na tramitação oficial do projeto no site da Câmara. Só que, um dia depois, ela foi destituída da relatoria, por Goergen. Oficialmente constou que ela teria “devolvido sem manifestação” o projeto. Ou seja, ela teria se desinteressado pelo assunto e aberto mão da relatoria. E, então, Jerônimo Goergen se autonomeou relator.

No site, há outro problema. A designação de Janete Capiberibe desapareceu e aparece Goergen como único relator escolhido. Indignada, Janete enviou ofício ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e ameaça acionar o Conselho de Ética. “Consta devolvido sem manifestação, o que me causa grande transtorno político e pessoal, uma vez que Vossa Excelência tem conhecimento do meu compromisso com a causa indígena, dentro e fora desta Casa”, diz Janete no ofício a Henrique Alves.

Jerônimo Goergen não nega que pegou a relatoria do projeto para si num ato próprio. O parlamentar diz que consultou o gabinete de Janete e que obteve autorização para avocar a relatoria. O gabinete da deputada negou que tenha sido sequer consultado e que jamais abriria mão da relatoria. Goergen disse ao GLOBO que distribuiu a relatoria para Janete equivocadamente.

— Na correria, no despacho de tanta coisa na comissão, não sabia que projeto era esse, que eu já tinha começado a relatar na Comissão de Finanças e Tributação. Quando me dei conta, era o mesmo. Consultei o gabinete da deputada se tinha problema e me deram o ok — justificou Goergen, que disse que nem seria necessário tal suposta consulta a Janete.

— Agora, mesmo que eu não tivesse consultado, regimentalmente posso fazer isso (destituir qualquer relator e avocar para si a relatoria). Como presidente da comissão tenho a condição e poderes para designar e retirar depois. É competência do presidente. É meio ditatorial, mas é assim. Nomeio e desnomeio. Chega a ser grosseiro.

Goergen afirmou que Janete Capiberibe é aliada do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que a estaria pressionando. O deputado afirmou que recebe pressão do Ministério da Justiça, pasta que cuida da política indigenista.

— O ministério fica me pressionando para dar parecer mais rápido. Me exige rapidez, mas não agiliza portaria do novo modelo de demarcação. Não preciso de pressa. Não vou ceder. O meu relatório, com certeza, não seria igual ao da Janete. Não vou permitir superpoderes para esse conselho, dar essa estrutura toda. Não sou contra a política indigenista, mas não há mais terra para índios — disse Goergen.

O deputado faz discursos constantemente contra a Funai e a política indigenista. Já disse que no Brasil se produz “índios de carteirinha” e que “quem quiser virar índio, vira”. E que “tem índios de olhos azuis”. Num dos discursos, referiu-se a uma antropóloga como a que “tomou o chá do Santo Daime”. Durante a presidência de uma sessão da comissão na semana passada, uma audiência pública que tratou do caso dos índios awá-guajá, Goergen, ao ler os nomes das autoridades presentes, citou o do ex-presidente da Funai Márcio Meira. E fez o seguinte comentário: “Duvido que ele tenha vindo aqui quando era presidente”. Goergen é um dos autores da criação da CPI da Funai.

Entre as atribuições do Conselho Indigenista estão definir as prioridades da política do índio, encaminhar denúncias de ameaça e violação dos direitos desses povos e acompanhar elaboração de orçamento. O projeto prevê 59 integrantes no conselho, dos quais 36 representantes dos povos e organizações indígenas, 20 do Poder Executivos, além de dois indicados por ONGs.

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