Um novo blog no ar e sua primeira matéria: “Tupinambás da Serra do Padeiro atacados a tiros”

Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Bahia é o nome do blog que está sendo lançado hoje por Daniela Fernandes Alarcon. O fato de ter feito sua pesquisa de mestrado na Universidade de Brasília tendo por tema as retomadas na Serra do Padeiro levou-a a um comprometimento com as lutas, que ela agora traduz nesse apoio sob a forma de espaço para “alavancar uma campanha pela conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença”. Junho com o bl0g entra no ar, aliás, um abaixo-assinado online que pode ser acessado clicando AQUI. Abaixo republicamos seu primeiro post, mas vale conhecer o blog. Há belas fotos, inclusive! Parabéns aos Tupinambá de Olivença, que ganham assim mais um instrumento em apoio à reconquista de seus direitos. (Tania Pacheco)

Mulher Tupinambá

Por Daniela Fernandes Alarcon, em Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Bahia

Ao tardar em concluir o processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença – onde vivem cerca de 4.700 indígenas, em mais de 20 comunidades, entre as quais a Serra do Padeiro –, o Estado brasileiro contribui para o agravamento do conflito na região

Com o objetivo de frear a escalada de violência desencadeada por indivíduos e grupos contrários ao reconhecimento dos direitos territoriais do povo indígena Tupinambá, no sul o estado da Bahia, a Força Nacional de Segurança estabeleceu no último dia 20 de agosto uma base de operação na cidade de Buerarema. A previsão de permanência dos policiais na região é de 90 dias, prorrogáveis. Entretanto, apesar da presença policial, no sábado (24 de agosto), indígenas que vivem na zona urbana de Buerarema tiveram suas casas e bens pessoais incendiados por não-índios, em represália à mobilização indígena em defesa de seu território. Além disso, os Tupinambás denunciam que na sexta-feira (23) parte de sua produção agrícola (farinha de mandioca) foi roubada e que comerciantes não-indígenas que os apoiam estão sendo agredidos e suas lojas, atacadas.

Os recentes atos de violência contra os indígenas começaram na quarta-feira (14), em torno das 20h, quando um caminhão que transportava estudantes da Escola Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro (EEITSP) – localizada em uma das comunidades que conformam a Terra Indígena Tupinambá de Olivença – foi alvejado por um ou mais pistoleiros. Ninguém foi baleado, mas estilhaços do para-brisas, que se quebrou, feriram dois estudantes não-indígenas, Lucas Araújo dos Santos, 18 anos, e Rangel Silva Calazans, 25. Segundo a indígena Magnólia Jesus da Silva, professora e diretora da escola estadual, os dois jovens passam bem, mas Lucas permanece com um estilhaço de vidro alojado perto do olho direito. “Não podemos levar o garoto ao hospital porque corremos risco.”

Na sexta-feira (16), um grupo de não-indígenas bloqueou por horas a BR-101, rodovia que cruza Buerarema. Pelo menos três veículos de órgãos governamentais que trafegavam pela via foram retidos e incendiados pelos manifestantes. Um dos carros transportava indígenas, inclusive crianças, para tratamento de saúde em um hospital próximo. Ninguém se feriu. Uma agência do Banco do Brasil foi depredada e uma unidade da Empresa Baiana de Alimentos (Ebal), estatal que comercializa alimentos a famílias de baixa renda, foi saqueada. Um ônibus utilizado para transportar estudantes da EEITSP também foi incendiado, na madrugada de sábado (17), na localidade conhecida como Vila Brasil, no município de Una, perto da comunidade de Serra do Padeiro. O veículo estava estacionado e ninguém ficou ferido. Segundo relatos dos indígenas, o proprietário da empresa de transportes que presta serviços à Secretaria Estadual de Educação vem sofrendo ameaças, inclusive através da Rádio Jornal de Itabuna, para que deixe de atender os indígenas, se não quiser ter outros veículos incinerados.

Na manhã da última terça-feira (20), em Buerarema, os manifestantes atearam fogo a outros três veículos de órgãos governamentais, entre os quais um da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e outro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em declarações à imprensa, não-índios envolvidos nos protestos acusam os indígenas de haver cometido os atos de violência, mas as imagens divulgadas pelos meios de comunicação locais não deixam espaço a dúvidas de que as ações foram praticas por não-indígenas. Os Tupinambás – não apenas da Serra do Padeiro, mas também das demais comunidades no interior da Terra Indígena – relatam estar sofrendo ameaças cotidianas. Em razão das tensões, os Tupinambás não têm saído da aldeia, o que acarreta significativos prejuízos econômicos, ao impedir a comercialização da produção agrícola, e dificulta o acesso a serviços de saúde, entre outros impactos. “Eles dizem que, se os índios forem para a cidade, vão morrer”, informou uma indígena.

Breve histórico da disputa territorial

Os recentes ataques inscrevem-se em um quadro de intenso conflito territorial. O processo de identificação da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença teve início em 2004, como resultado de prolonga pressão por parte dos indígenas. Cinco anos depois, a Fundação Nacional do Índio (Funai) aprovou o relatório circunstanciado que delimitou a TI em cerca de 47 mil hectares, estendendo-se por porções dos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una, no sul da Bahia. Descumprindo os prazos estabelecidos legalmente, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ainda não assinou a portaria declaratória da TI, para que o processo então se encaminhe para as etapas finais. De acordo com dados da Funasa para 2009, cerca 4.700 Tupinambás vivem na área.

A atual conjuntura política brasileira, entretanto, tem se revelado profundamente desfavorável aos povos indígenas e comunidades tradicionais – o governo de Dilma Rousseff mantém estreita relação com lideranças do agronegócio e, recentemente, determinou a paralisação de processos de demarcação de Terras Indígenas em curso. A ilegal e abusiva demora no processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença levou à proposição, pelo Ministério Público Federal, de ações civis públicas responsabilizando o Estado por não cumprir sua atribuição legal de proteger os direitos indígenas, conforme determinam a Constituição Federal de 1988 e tratados internacionais de que Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ao violar sistematicamente os prazos legais para a conclusão da demarcação, o Estado brasileiro vem contribuindo para o agravamento das tensões na região.

Desde o início de sua mobilização, os Tupinambás vêm sofrendo intensa violência. Além de emboscadas realizadas por ocupantes não-índios, os indígenas foram vítimas, principalmente entre os anos de 2008 e 2010, de recorrente violência policial, em que se comprovou a utilização de armamento letal, prisões ilegais de lideranças e tortura. Representantes do poder público – como o deputado federal Geraldo Simões (PT) e a deputada estadual Ângela Souza (PSC) –, em declarações à imprensa regional, têm contribuído para a difusão do preconceito contra os Tupinambás e para a incitação à violência. O radialista Rivamar Mesquita, da Rádio Jornal de Itabuna, também é conhecido por suas frequentes declarações anti-indígenas. Esses fatos motivaram denúncias por parte de entidades como a Anistia Internacional; recentemente, a Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia difundiu uma nota denunciando os ataques contra os Tupinambás.

Em 2004, os Tupinambás iniciaram o processo de recuperação de seu território tradicional, reocupando terras que lhes haviam sido tomadas. A penetração massiva de não-indígenas no território Tupinambá teve início no final do século 19, quando a região tornou-se a principal fronteira agrícola do estado da Bahia, com o estabelecimento da cultura do cacau. Entre os anos de 1920 e 1940, esse processo se intensificou. Os indígenas que não migraram para as zonas urbanas mantiveram-se em pedaços de terra muito diminutos, ou passaram a trabalhar em fazendas de cacau, em condições extremamente precárias, em alguns casos, inclusive como mão-de-obra escrava.

As ações de recuperação territorial levadas a cabo pelos indígenas – conhecidas como “retomadas de terras” – têm o intuito de pressionar o Estado para fazer o processo de demarcação avançar, mas também são realizadas para resolver problemas concretos das famílias, que em muitos casos viviam em situação de pobreza extrema, passando fome. Além disso, elas atendem a princípios da cosmologia dos Tupinambás, segundo os quais aquelas terras são habitadas por entidades não humanas conhecidas como “encantados” e os indígenas têm o dever de proteger o território. Em entrevista concedida ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) após a emboscada contra o veículo escolar, Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau, enfatizou: “Já são muitos anos de espera, de sofrimento, de humilhação e somos considerados invasores de nossas próprias terras, eles constantemente nos transformam em réus quando na verdade somos vítimas desta situação humilhante”.

Abaixo, Mapa da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, também de autoria de Daniela:

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