Indústria criminosa de carvão em Minas

Sem poder usar carvão originário das matas nativas de Minas, siderúrgicas estariam importando
Sem poder usar carvão originário das matas nativas de Minas, siderúrgicas estariam importando

Usado na produção de ferro gusa, o carvão virou alvo de uma verdadeira indústria do crime, que começa no roubo de madeira, passa por escravidão e até sonegação fiscal. Luta contra entrada do carvão nativo ganhou apoio popular e pode resultar em lei

Por Thaíne Belissa, Portal Minas Livre

Mais de um milhão de pessoas já assinaram a petição da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda) para a proibição da entrada do carvão nativo no estado. A reivindicação vem para cobrir a brecha da Lei 14.309/02, que estabelece limites para a utilização do carvão proveniente de florestas nativas no estado, mas não menciona o consumo vindo de outros lugares. Em consequência disso, Minas Gerais utiliza carvão nativo de estados de diferentes regiões e até de outros países, incentivando o crescente desmatamento.

A denúncia foi levada à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o que resultou na mudança do texto do Projeto de Lei 276/2011, que modifica a legislação florestal vigente. Mas, apesar da primeira vitória, o caminho é longo: o texto ainda precisa ser aprovado no plenário em primeiro turno, passar novamente por comissões, voltar ao plenário pela segunda vez e só então ser aprovado definitivamente.

O carvão é utilizado para diversos fins, mas sua principal atuação no estado se dá no processo de produção do ferro gusa, que é a primeira etapa da transformação do minério de ferro em aço. A atual legislação florestal determinou um cronograma para o consumo desse carvão: até 2013, as empresas poderão usar, por ano, 15% do total existente em Minas. Depois esse consumo passa para 10% por ano a partir de 2014 e, em seguida, para 5% por ano a partir de 2018. De acordo com a superintendente da Amda, Maria Dalce Ricas, a proposta da associação é que o consumo de carvão de outros estados e países obedeça a essa mesma determinação. “O que acontece é que as empresas trazem carvão desde o Piauí, passando por Santa Catarina, Tocantins, Goiás, Bahia e até carvão do Paraguai chega aqui. Fazem isso porque quem criou esse carvão foi a natureza, então compensa tirar de lá porque plantar e ser autônoma na produção custa muito mais dinheiro”, destaca.

Além de prejudicar a natureza, a extração do carvão nativo se tornou uma verdadeira indústria do crime, conforme explica o deputado Paulo Guedes, autor do PL que tenta modificar o atual código florestal. Ele lembra que o esquema ficou conhecido como “Máfia do Carvão” e envolveu poderosos, como o ex-diretor do Instituto Estadual de Florestas, Humberto Candeias. A atuação da máfia começa com o roubo de madeiras, inclusive de áreas de preservação. As toras seguem para carvoarias clandestinas, onde acontece a exploração do trabalho de adultos e crianças, que vivem em condições idênticas às de escravidão. Por fim, o carvão é levado a Minas Gerais com notas fiscais falsificadas. Maria Dalce destaca que o que acontece é um verdadeiro festival de irregularidades. “Eles são experts em bular leis, sejam trabalhistas, ambientais ou fiscais”, diz. O deputado Paulo Guedes afirma que já tentou propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a atuação dessa máfia em Minas, mas não teve sucesso. “A base do Aécio não deixou. Convenceram alguns deputados e não conseguimos investigar. Aliás, aqui em Minas Gerais não deixam fazer nenhum tipo de CPI”, critica.

No Espírito Santo, uma das principais rotas da Máfia do Carvão, o Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas (Nuroc), que faz parte da Polícia Civil do estado, já realizou diversas operações para combater o crime. Uma delas, chamada de Ouro Negro e deflagrada no final de 2011, terminou com 140 pessoas presas, entre latifundiários, empresários, donos de carvoarias, proprietários de concessionárias de veículos, entre outros. Segundo o Nuroc, 40 empresas foram alvo de investigação, sendo que cada uma delas sonegou, em média, cerca de R$ 12 milhões em tributos estaduais e federais. A estimativa do órgão é que essa grande máfia tenha sonegado cerca de R$1 bilhão em um período de cinco anos. Em entrevista à TV Vitória, o delegado que comanda o Nuroc, Jordano Leite, afirmou que o esquema envolve, inclusive, tráfico de drogas, uma vez que as mercadorias podem ser pagas com crack. Ele lembra, ainda, quem são os únicos beneficiados com esse sistema: “Todo o valor sonegado, todo esse carvão produzido com madeira roubada, através de exploração infantil, crimes ambientais, corrupção de funcionário público, tudo isso se destina a quem? Às siderúrgicas”, conclui.

De acordo com o delegado, uma das possíveis explicações para a persistência e o crescente poder dessa máfia pode estar na corrupção dentro dos próprios órgãos públicos. “No Nuroc tramita um procedimento que investiga a participação de funcionários públicos responsáveis pela fiscalização dessas áreas”, destaca. Já a superintendente da Amda acredita que o problema pode estar em patamares masi altos do poder. “Isso só se explica pela força política e econômica que domina esse país, pelas doações de dinheiro para eleger políticos. A produção de ferro tem muito mercado, então as empresas que plantam carvão facilmente ocupariam o lugar daquelas que seriam fechadas por usar carvão nativo, mas isso não acontece”, destaca. Ela apela, ainda, para a sociedade e lembra que se a população aderisse a essa causa, certamente seria ouvida. “Infelizmente as pessoas ainda não entenderam essa cadeia e que a produção de ferro começa com desmatamento. Era preciso uma intolerância social tão forte que gerasse um movimento de massa para acabar com isso”, sugere.

Para assinar a petição contra a entrada do carvão nativo em Minas Gerais acesse aqui.

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