Demarcar terras é fundamental para diminuir a violência contra os povos indígenas

Lança do relatório Violência Contra os Povos Indígenas 2012. Foto: Elza Fiúza (Agência Brasil)
Lançamento do relatório Violência contra os Povos Indígenas 2012. Foto: Elza Fiúza (Agência Brasil)

Por Patrícia Bonilha, do CIMI

A omissão em relação às demarcações das terras indígenas pelo atual governo federal foi apontada como uma das principais causas do aumento de diferentes formas de violências contra os povos indígenas em 2012, em relação ao ano anterior. Lançado hoje, pela manhã, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, uma publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aponta um crescimento de 237% na categoria “violência contra a pessoa” – que engloba ameaças de morte, homicídios, tentativas de assassinato, racismo, lesões corporal e violência sexual. O número de assassinatos de indígenas aumentou para 60 vítimas, nove a mais que no ano anterior. Com 37 casos, o Mato Grosso do Sul continua sendo o estado com o maior número de ocorrências, seguido pelo Maranhão, com sete vítimas.

“Em vez de falarmos em diminuição, lamentamos dizer que as situações se repetem e houve um aumento de diversas formas de violência contra os povos indígenas no Brasil. O maior problema é a falta de demarcação de áreas indígenas. Não tomar providência em relação à delimitação das áreas indígenas significa escancarar as portas para qualquer tipo de invasão. Invasões que geram mortes”, enfatizou de modo veemente Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Cimi.

Afirmando que há 40.000 anos existem povos indígenas “nesta terra”, ele lamentou que até hoje a Constituição brasileira, elogiada internacionalmente, não tenha sido respeitada e a demarcação das terras dos povos indígenas originários se tornado uma realidade.

A antropóloga Lúcia Helena Rangel, coordenadora de pesquisa do Relatório, destacou a violência imposta pela precariedade da saúde indígena, pelo fato de que muitas populações estão confinadas em pequenas reservas, que se constituem em espaços de intensos conflitos, ou em acampamentos em beiras de estradas, sem nenhuma infraestrutura. Ela também ressaltou o aumento dos casos de atropelamentos desses indígenas abandonados do lado de fora da cerca e na margem das rodovias. “Os desafios dos povos indígenas têm se agravado de modo alarmante, mas não são resolvidos. E é justamente a falta de terras que gera inúmeros problemas. Chega um momento que eles se veem obrigados a ir para as cidades e, daí, além da perda de seus direitos, perdem  inclusive o direito de ser indígenas”, considera ela.

Segundo Maurício Mbyá Guarani, que vive na comunidade de Estiva, município de Viamão, no Rio Grande do Sul, o aumento da violência contra os indígenas é percebido a cada dia, nos meios de comunicação ou nas ruas. Ele afirma que eles não entendiam o motivo de tanta preocupação e das difamações contra os indígenas. “Mas agora entendemos que é, justamente, porque temos direitos garantidos e os fazendeiros não querem devolver nossas terras”, avalia. Ele afirma que não é possível que o avanço econômico planejado pelos governos custe a vida dos indígenas. “Nós temos o nosso jeito de viver, pensar, lidar e respeitar a terra. Tudo pra gente é diferente, a relação com a própria vida é outra. E isso tem que ser respeitado pela sociedade e também por aqueles que estão no poder”, concluiu.

A fala do Líder Solano Lopes, do Tekoha Pyelito Kue/Mbarakay, no Mato Grosso do Sul, foi marcada pela dor de quem vive em condições desumanas e, é importante lembrar, no estado campeão em várias violações aos direitos indígenas. Ele é membro da comunidade que, em outubro de 2012, após ser informada sobre a reintegração de posse em favor de um fazendeiro, escreveu uma carta afirmando que não deixaria sua terra ancestral. E, mais, que resistiriam mesmo que, para isso, morressem lá, todos.  Erroneamente, houve a interpretação de que estavam anunciando um suicídio coletivo. Não era o caso, mas com uma ampla repercussão na imprensa, a comoção foi enorme no Brasil e no exterior. Muitas pessoas acrescentaram “Guarani Kaiowá” em seus nomes nas redes sociais.

Solano afirma que quase nada mudou de lá pra cá, apesar de eles não pedirem muito. “Só queremos o direito de viver com dignidade e sobrevivermos de nossas próprias terras”, garante. No entanto, a realidade é que a população de sua comunidade (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) estão confinados a viver em apenas um hectare de terra e sem qualquer assistência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) porque o fazendeiro não permite o acesso ao local onde estão. “É preciso andar 3 km e atravessar um rio segurando em uma corda para conseguir entrar na comunidade. Estamos rodeados de brejo. Os desafios são muitos, mas nós não vamos desistir e ainda vamos ocupar o nosso Tekoha (lugar onde se é)”, garantiu ele.

Os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ), Domingos Dutra (PT-MA) e Janete Capiberibe (PSB-AP), além da coordenadora da 6a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, Déborah Duprat, estiveram presentes no lançamento do Relatório. Todos eles demonstraram consternação em relação à situação de violência a que os povos indígenas estão submetidos e expressaram apoio à demarcação dos seus territórios tradicionais.

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