Protestar contra tudo é o mesmo que protestar contra nada

Yasmin Brunet no protesto: frases de efeito vazias de conteúdo
Yasmin Brunet no protesto: frases de efeito vazias de conteúdo

Cynara Menezes – Socialista Morena

Não há, em minha opinião, nada mais assustador acontecendo hoje no Brasil do que o avanço dos fundamentalistas no Congresso Nacional. Aprovar projetos contra o direito de cidadãos de viverem plenamente sua orientação sexual, de usarem o próprio corpo da maneira que desejarem e de serem felizes ao lado do ser amado é o maior atentado à liberdade individual que pode existir. No entanto, na última quarta-feira 18 havia TRÊS manifestantes no plenário da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara protestando contra a aprovação do projeto da “cura gay”. Enquanto isso, do lado de fora, por todo o país, milhares de pessoas protestavam contra… Contra o quê mesmo?

Ao contrário do que alguns pensam, defender os direitos dos homossexuais não é pouca coisa. São brasileiros com direitos e deveres como todos nós. Mas, prestem atenção, não são só os homossexuais que os fundamentalistas ameaçam: no início do mês, a bancada evangélica conseguiu aprovar, na Comissão de Finanças e Tributação, o Estatuto do Nascituro, que prevê o pagamento de um salário mínimo às mulheres que optarem por não abortar em caso de estupro, projeto apelidado pelas feministas de “bolsa-estupro”. Se aprovado no plenário, o estatuto inviabilizaria outra conquista da sociedade brasileira, a pesquisa com as células-tronco embrionárias, liberadas pelo Supremo Tribunal Federal em 2011. Os fundamentalistas se articulam ainda contra as religiões de matriz africana.

Há mais de dez dias, a palavra “liberdade” está sendo usada a toda hora nas manifestações que sacodem o País a pretexto de exigir a diminuição das tarifas de ônibus e outras questões menos claras. Vi incontáveis faixas com “liberdade de expressão” nas passeatas. Mas não vi nenhuma falando em “liberdade de culto”, “estado laico” ou “respeito à diversidade”, que são o mesmo que liberdade, não tem diferença. Acho absolutamente decepcionante que, num momento como este, temas tão urgentes sejam esquecidos ou trocados por “inflação” e “corrupção”, para citar dois exemplos de itens genéricos bradados pelos manifestantes –ou pela mídia que tenta explicar as razões de eles estarem nas ruas.

Eu sinceramente pensei que, com tanta gente mobilizada, as pautas progressistas, tão necessárias e tão ameaçadas, fossem vir à tona: o estado laico, a questão indígena, o meio ambiente, os direitos dos cidadãos LGBTs. Que nada. O que vejo nas ruas é um festival de generalizações. Artistas divulgam nas redes sociais frases de efeito vazias: “Ou o Brasil muda ou o Brasil para”, “Ou para a roubalheira ou paramos o Brasil”. Essas palavras podem soar bonitas, mas não significam nada na prática. São apenas slogans escritos em uma cartolina por pessoas despolitizadas que não parecem genuinamente comprometidas com o País. “O gigante acordou” é trecho de propaganda de uísque. “Vem Para a Rua” é jingle de automóvel. Trechos do hino nacional ou de canções do Legião Urbana são poéticos porém inúteis.

(Isso daqui chega a ser burrice: só se “tira” políticos do Congresso –ou da presidência– pelo voto. Acordem!)
(Isso daqui chega a ser burrice: só se “tira” políticos do Congresso –ou da presidência– pelo voto. Acordem!)

Excluíram as bandeiras dos partidos de esquerda do movimento para que ele fosse “apartidário”. Ok. Mas desde que elas saíram, o volume de pessoas nas ruas aumentou e as manifestações perderam em conteúdo. Vejo gente saltando diante das câmeras de TV que nem no carnaval e assisto a entrevistas onde os participantes não conseguem concatenar meia dúzia de ideias para justificar por que estão ali. Resumem-se a dizer que protestam “contra tudo”. Contra tudo o quê, cara-pálida? É mentira que o Brasil esteja totalmente ruim para que seja preciso protestar contra TUDO. É contra a Copa? Ótimo. Pelo menos é UMA razão. Quem protesta contra tudo, a meu ver, não está protestando contra coisa alguma. Afinal, o protesto é à vera ou é só para postar no Facebook?

Uma manifestação se distingue de uma turba pelas reivindicações e pelas causas que possui. Uma manifestação sem rumo e sem causa pode se transformar facilmente em terreno fértil para aproveitadores e arruaceiros, como vimos diante da prefeitura de São Paulo na terça-feira e, na noite anterior, diante do Palácio dos Bandeirantes. Sim, eles são minoria, mas uma minoria de gente perigosa que agora já parte para saques e destruição do patrimônio público e privado. Sou totalmente contra o uso da violência em manifestações. Numa democracia, é perfeitamente possível protestar sem partir para a ignorância.

Cabe à polícia investigar quem são estas pessoas e puni-las. Aliás, a Polícia Militar brasileira tem sido um caso à parte nos protestos das últimas semanas: como é possível que os policiais sejam capazes de bater em manifestantes inocentes e cruzar os braços diante de vândalos? Será que a PM não sabe decidir quando é ou não necessário intervir duramente? Não conseguem distinguir manifestantes de arruaceiros? Que tipo de treinamento recebem, então? Isso também é feito com dinheiro do contribuinte, sabem?

(Veja no vídeo abaixo os vândalos agindo em Belo Horizonte sem que a PM de Minas Gerais mova um só dedo para impedi-los)

Sou e sempre serei a favor do povo nas ruas, batalhando por seus direitos, protestando e exigindo um futuro melhor. Isso é exercitar a cidadania. Mas eu aprendi que manifestações têm pautas. Qual é exatamente a pauta destes protestos? Se for pela tarifa, o pessoal do Movimento Passe Livre deve se sentar para negociar com o prefeito Fernando Haddad, que, a meu ver, errou em não fazer isto desde a primeira hora. Se for por algo mais além da tarifa, como sentimos, os manifestantes precisam encontrar um caminho, apresentar queixas concretas, reivindicações factíveis. Vivemos em um país democrático, não há governo tirano para derrubar. Se isso que estamos vivendo é uma “primavera”, é primavera do quê?

UPDATE: Os prefeitos das capitais concordaram em reduzir a tarifa. Vitória do Movimento Passe Livre, que conseguiu mobilizar as pessoas em torno de um objetivo. Mas e agora, como ficam os protestos contra “tudo”?

Comments (3)

  1. Não discordo de você, Thiago, mas acho que vale a gente juntar tudo isto que está acontecendo (e mais coisas que me recuso a publicar no blog, mas estão facilmente disponíveis no face, para quem tem acesso a ele) e se fazer perguntas como esta que você propõe (e outras mais).

    Há claramente uma manipulação braba de direita sendo feita, à qual acho que cada um/ns e uma/s de nós deve procurar responder da forma ao seu alcance e de acordo com as suas convicções, dentro ou fora dos partidos.

    Estar fora (meu caso) é um senhor desafio, em determinados momentos. Por outro lado, sei bem quem são meus companheiros e companheiras de luta e como podemos contribuir, juntos/as.

    Penso que essa é a questão que temos que nos colocar, se não estamos com a direita, nem desejamos o caos para instaurar a anarquia, como é o caso dos antipartidários que assumiram, além dessa palavra de ordem, a da derrubada do governo atual (sobre o qual quem me lê sabe que tenho todas as críticas do mundo).

    Uma coisa é a desejada revolução, que no nosso caso ainda faz parte do caminho para a utopia; outra (essa sim ao nosso alcance e na ordem do dia para alguns), o golpismo. E contra o golpe, a direita e o fascismo, venham travestidos como for, estarei sempre lutando.

    Desculpe o desabafo, mas estão sendo dias muito tensos. E às vezes é brabo ficar calada!
    Boa noite,
    Tania.

  2. Concordo com o comentário que as mobilizações estão caminhando para a direita. Pena que a autora do texto não conseguiu ver nada de positivo no que ocorreu, me parece que está aí o fracasso dos socialistas em mobilizar a população. Se o fascismo está tomando conta das manifestações, qual é a parcela da esquerda nisso? e não digo esquerda como partido político! digo pessoas como nós comprometidas com a transformação social

  3. Parabens pelo texto, revela um visão nítida do momento. Deve ser propagado. Protesto contra tudo, cheguei a imaginar que evoluiria para a ideia de derrubar a constituição e começar a estruturar o Estado de novo, formando nova constituinte. Mas isso é o que a maioria não quer. Então, não estão totalmente insatisfeitos mesmo. Os protestos ja viraram carona para direita e para os que vazios em ideais.

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