Sobre vândalos e ativistas

Por Daniel Araújo Valença*

O paradigma liberal nos impôs que a democracia se resume à participação em procedimentos de eleições livres pluripartidárias periódicas. Atos de rua e movimentos sociais gestariam baderna, caos e problemas aos cidadãos prejudicados pelos mesmos. Tal consenso, mantido com forte repressão policial ao longo de décadas e com decisiva colaboração da cobertura criminalizadora da imprensa empresarial, entrou em crise esta semana. A ação da polícia do governo de São Paulo, considerada como “tortura” pelo ex-ministro de direitos humanos Paulo Vanuchi, desencadeou uma mudança abrupta de conjuntura.

O governo de SP desarmou a PM que dias antes agiu de maneira criminosa – com certeza por determinação superior. A Rede Globo mudou toda a sua linha editorial sobre atos de rua construída ao longo de sua história. Para ela e o resto da mídia empresarial, os vândalos transformaram-se em ativistas. Aparentemente, a sublevação popular tornou-se unanimidade. Porém, esta mudança de conjuntura vem acompanhada de outras possibilidades de alterações repentinas: quando a Globo noticia “o ato contra o reajuste e o aumento do custo de vida” – deixando implícito que as manifestações seriam contra a inflação sob descontrole de um governo e não contra os lucros empresarias no setor de transporte – e determinados setores e classes sociais que até semana passada criminalizavam o movimento e exigiam a ação policial passam a reivindicá-lo, é sinal de que o seu futuro ainda está em construção. 

As lideranças do MPL foram claras ao vincular as manifestações à derrubada dos reajustes e ao passe-livre. Também o foram quanto à importância da contribuição de partidos de esquerda. Canalizar essa explosão reivindicatória para – além da derrubada dos reajustes – uma política nacional de transporte público, para a proibição em território nacional da repressão com bala de borracha e gás lacrimogêneo e, principalmente, para reformas estruturais – a começar pela democratização da mídia e reforma política, podem ser caminhos que unifiquem as forças progressistas e afaste as conservadoras. Em um país onde às reformas estruturais sempre se respondeu com golpe, tal tarefa impõe a aliança de todos os setores progressistas e que defendam essa plataforma – sejam eles partidários, sem terra, sem teto, sindical, dentre outros. Os inimigos são muito fortes; todo acúmulo de força neste campo, em torno desta plataforma, é imprescindível para este momento histórico.

*Professor de Direito da Universidade Federal Rural do Semiárido, doutorando em Direitos Humanos pela UFPB, coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos do Semiárido

Compartilhada por Rodrigo de Medeiros Silva.

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