Falar de direitos indígenas ou direitos humanos, num momento em que a prioridade é o crescimento econômico por meio do aumento da produção, parece jogar palavras ao vento, pois o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil estimula as desigualdades sociais onde quem tem bens tende a crescer e oprimir, e torna o pobre cada vez mais pobre.
Em função desse modelo, o governo tem sido omisso e conivente com a ofensiva aos direitos indígenas praticados por meio de medidas administrativas, legislativas e jurídicas antiindígenas nos distintos poderes do Estado.
Há uma notória pactuação com setores políticos e econômicos (latifundiários, agronegócio, mineradoras, empreiteiras, bancos e outras corporações) contrários aos direitos indígenas, interessados nos territórios indígenas e suas riquezas (minerais, hídricas, florestais, biodiversidade), em troca de apoio à sustentabilidade e governança requerida pelo Executivo.
A Coordenação das Organizações indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, principal organização indígena articuladora da Amazônia Brasileira tem o papel fundamental de orientar e acompanhar as ações da política indigenista brasileira, e tem procurado cumprir esse papel apesar das dificuldades administrativas/financeiras e até políticas.
Nos últimos 03 anos as mobilizações têm se intensificado consideravelmente, no que se refere ao enfrentamento às tentativas e ameaças de retrocessos de Direitos por parte dos três poderes da União, Executivo, Legislativo e Judiciário. A conivência do governo federal com os setores econômicos do país tem provocado o aumento dos conflitos fundiários, pois abriu-se a precedência e rever os procedimentos demarcatórios de Terras indígenas, com esta insegurança os povos indígenas reagiram à ação do governo, por meio de mobilizações, ocupações, manifestos, audiências públicas e tantas outras formas de pressão, pois o governo já demonstrou que povos indígenas representa o atraso do progresso.
Medidas que restringem os direitos indígenas
1. Falta de regulamentação dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Fazem parte da ofensiva contra os direitos indígenas, a falta de compromisso do governo brasileiro com a aprovação de Projetos de Lei de interesse indígena no Congresso Nacional como o do Estatuto dos Povos Indígenas, que regulamenta os direitos assegurados pela Constituição Federal, e o do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), instancia que deverá articular, normatizar e deliberar sobre as políticas voltadas a esses povos.
2. Leis antiindígenas
2.1. PEC 215/00. Em sentido contrário à proteção dos direitos indígenas esperada, foi aprovada em 21 de março de 2012, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00. A PEC tem o propósito de transferir para o Congresso Nacional a competência de aprovar a demarcação das terras indígenas, criação de unidades de conservação e titulação de terras quilombolas, que é de responsabilidade do poder executivo, por meio da FUNAI, do Ibama e da Fundação Cultural Palmares (FCP), respectivamente. A aprovação da PEC 215 – assim como da PEC 038/ 99, em trâmite no Senado, põem em risco as terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer possível demarcação futura. O risco é grande uma vez que o Congresso Nacional é composto, na sua maioria, por representantes de setores econômicos (ruralistas) poderosos patrocinadores do modelo de desenvolvimento em curso.
2.2. Projeto de Mineração. A bancada da mineração, integrada por parlamentares da base aliada do governo, tem o propósito de aprovar também, o Projeto de Lei (PL) 1610/96 que trata da exploração mineral em terras indígenas. O texto do relator, ignora totalmente salvaguardas de proteção da integridade territorial, social, cultural e espiritual dos povos indígenas, desburocratiza a autorização da pesquisa e lavra mineral em terras indígenas, com fartas facilidades e condições que permitem o lucro fácil e avolumado das empresas envolvidas. Ou seja, o texto se preocupa apenas, de forma escandalosa, em disponibilizar as terras indígenas e seus potenciais ao capital financeiro-especulativo, principalmente minerador. Cria as condições para a corrida descontrolada, da grande mineração, pelo ouro nos territórios indígenas; decreta o ataque aos povos indígenas isolados ou de pouco contato, ao submeter o seu destino aos princípios da segurança nacional; relativiza ou afasta de forma ridícula a participação do Ministério Público Federal do seu papel de proteger os direitos indígenas; enterra a autonomia dos povos indígenas, ao submeter a sua decisão de não querer mineração à deliberação de uma comissão governamental deliberativa que deverá dizer qual é a melhor proposta para as comunidades, ressuscitando dessa forma o indigenismo tutelar, paternalista e autoritário. Enfim, minimiza o alcance do direito de consulta estabelecido pela Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT;
Os povos e organizações indígenas são contrários a este projeto, pelos estragos que poderá acarretar, e reivindicam que o assunto da mineração seja tratado no texto do Estatuto dos Povos Indígenas, discutido e consensuado amplamente pelo movimento indígena com o Governo Federal nos anos de 2008 e 2009.
3. Medidas administrativas e jurídicas contrarias aos direitos indígenas.
O Governo Federal tem publicado nos últimos dois anos uma série de Decretos e Portarias que tem o propósito de inviabilizar a demarcação de terras reivindicadas pelos povos indígenas e a abertura dos territórios e seus recursos naturais à exploração descontrolada por parte de empresas nacionais e do capital financeiro especulativo transnacional. Destaque para as seguintes:
3.1. Portaria 2498/2011 que objetiva a participação dos entes federados (Estados e municípios) no processo de identificação e delimitação de terras indígenas; ao editar esta medida, o governo ignorou o Decreto 1775/96 que institui os procedimentos de demarcação das terras indígenas e que já garante o direito do contraditório alegado para a criação desta Portaria.
3.2. Portaria 419/2011, que regulamenta a atuação do órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em prazo irrisório, nos processos de licenciamento ambiental, para facilitar a implantação de empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC (hidrelétricas, mineração, portos, hidrovias, rodovias, linhas de transmissão etc.) nos territórios indígenas.
3.3. Portaria 303 / 2012, que se propõe “normatizar” a atuação dos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal direta e indireta em relação às salvaguardas institucionais às terras indígenas. Atendendo o anseio dos latifundiários e do agronegócio, a Portaria, na verdade, busca estender para todas as terras indígenas as condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF). O Governo editou a Portaria mesmo sabendo que a decisão do STF sobre os embargos declaratórios da Raposa Serra do Sol ainda não transitou em julgado e estas condicionantes podem sofrer modificações ou até mesmo serem afastadas pela Suprema Corte. A Portaria afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e comunidades indígenas e à FUNAI; determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; ataca a autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios; limita e relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas assegurado pela Constituição Federal; transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) o controle de terras indígenas, sobre as quais indevida e ilegalmente foram sobrepostas Unidades de Conservação (UCs); e cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas, que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional.
Todas estas medidas, contrário do que alega o governo, tem criado um clima de apreensão e tensionamento que agrava a insegurança jurídica e social já instalada há décadas, exatamente em razão da morosidade do Estado em reconhecer, demarcar e proteger as terras e territórios dos povos indígenas.
4. Políticas Públicas precárias.
Como se fosse pouco, a este atropelo dos direitos indígenas pelo Estado Brasileiro por meio de leis e decisões jurídicas soma-se a crise que afeta os povos e comunidades indígenas em todas as áreas de sua vida, decorrente da precariedade das políticas públicas.
4.1. Saúde e Educação Indígena. O atendimento diferenciado nas áreas da saúde e da educação piorou. O quadro que se registra na área da saúde é de caos e calamidade, mesmo depois da criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Os povos e organizações indígenas reivindicam mudanças substanciais nessa realidade, com aumento do orçamento da Secretaria Especial, a implementação efetiva da autonomia financeira, administrativa e política dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e a qualificação do atendimento e do controle social dos serviços.
4.2. Criminalização de lideranças e segurança nas terras indígenas. Os conflitos fundiários acirraram-se, a criminalização de lideranças e comunidades aumentou, vítimas de prisões arbitrárias e assassinatos, em razão de suas lutas pela defesa de seu território contra as invasões de fazendeiros, grileiros, madeireiros, pescadores ilegais, empresas agroindustriais, grandes empreendimentos (hidrelétricas, estradas, linhas de transmissão, portos, usinas atômicas, monocultivos etc), entre outras ameaças e despojos às terras indígenas.
4.3. Morosidade na regularização das terras indígenas. A Constituição Federal de 1988 determinou a demarcação das terras indígenas em cinco anos. No entanto, passados 14 anos, mais de 60% das terras indígenas não foram demarcadas e homologadas. Os povos e organizações indígenas reivindicam do Estado brasileiro o reconhecimento e a demarcação imediata das terras indígenas, inclusive com políticas de fortalecimento das áreas demarcadas, assegurando a desintrusão dos invasores dessas terras e políticas e programas duradouros e estruturantes de sustentabilidade econômica dos povos e comunidades indígenas.
Por ocasião da Semana dos povos indígenas 2013, o movimento indígena organizado pela APIB- articulação dos Povos Indígenas do Brasil, em parceria com o CIMI , organizamos uma Semana de luta em defesa dos Direitos, dentre as várias manifestações destacou-se a “ocupação do plenário da Câmara dos Deputados e a ocupação na área de segurança do Palácio do Planalto”, como resultado da mobilização conseguimos impedir a instalação da Comissão especial que seria instalada naquele dia para dar o parecer sobre a PEC 215, e foi criada e instalada uma comissão de trabalho formada por indígenas e deputados somando-se um total de dez membros.
No dia 14 de Maio, aconteceu a primeira reunião onde foi aprovado 05 requerimentos: Realização de uma audiência pública para tratar da Constitucionalidade da PEC 215; Uma audiência Pública para tratar do Decreto 1775 sobre Demarcação de Terras; Agenda com a EMBRAPA para questionar sobre as suas competências em relação a demarcação de Terras indígenas; Relatório Figueiredo e Regulamentação da Convenção 169. As duas audiências que tratam da Constitucionalidade da PEC 215 e do Decreto 1775 acontecerão dia 18 de junho em Brasília.
Embora com o funcionamento da comissão, entendemos as ofensivas continuam a todo vapor, pois enquanto estamos planejando audiências públicas dentro da legalidade para discutir os procedimentos, a Ministra da Casa Civil já se adiantou decretando suspensão de estudos dos processos demarcatórios no Sul do país, desconsiderando os pareceres da FUNAI e transferindo tal responsabilidade para a EMBRAPA, em seguida o Ministro da Justiça- Eduardo Cardoso, o Vice presidente da República –Michel Temer, o Advogado Geral da União – Luis Inácio Adams e o Presidente da Câmara – Henrique Eduardo Alves já decidiram que haverá mudanças nos procedimentos de demarcação cedendo a uma pressão dos grande produtores/ruralistas, alegando que a FUNAI não faz um trabalho justo, pois para a FUNAI toda área estudada é declarada Terra tradicional e assim demarcam áreas muito grande como Terra Indígena lesionando os fazendeiros, e produtores.
Diante de tudo isso, faz-se necessário a urgência na reorganização de estratégias dos movimentos indígenas seja localmente, regionalmente, estadual ou nacional para juntos fazermos este enfrentamento em prol da garantia e cumprimento de nossos direitos e não permitir o retrocesso da Constituição Federal.
CONCLUSÃO
A COIAB, diante da situação exposta reafirma o seu compromisso de continuar na luta pela defesa dos povos e territórios indígenas da Amazônia e conclama às entidades sensíveis e solidárias com as causas sociais, especialmente indígenas, e à opinião pública em geral a se solidarizar com os povos indígenas do Brasil, para que o Estado garanta a proteção devida a seus direitos originários e fundamentais, atualmente gravemente violados inclusive com a omissão e conivência do governo federal.
Amazônia Brasileira, 01 de Junho de 2013.
Coordenação Executiva da COIAB.
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Compartilhada por Cristiane Soares de Soares.