Maristela Crispim, Diário do Nordeste
O caderno especial “Excluídos – Quilombolas” é o primeiro de uma série com foco em três etnias brasileiras que ainda lutam pelo direito básico de exercer a sua cidadania. A despeito da falta de garantia de espaço para viver e reproduzir suas culturas de forma digna, sem contar com as políticas públicas mais básicas, esses povos mostram a sua força na cultura. A série continua com o caderno “Excluídos – Índios” e será concluída com o caderno “Excluídos – Ciganos”.
Visibilidade
“Esse caderno vai ter uma repercussão muito boa porque há cerca de 60 comunidades reivindicando reconhecimento no Ceará. É muito interessante se dizer que esses grupos existem, levando em consideração que essas lutas não nasceram agora. Vivemos um momento em que se começa a olhar e dialogar, mas essa luta não é de hoje. A diferença é que está se fortalecendo”, afirmou a pedagoga Geranilde Costa e Silva, mestre em Educação Brasileira, pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Núcleo de Africanidades Cearenses (Nace) da UFC.
Geranilde, que, no doutorado, estuda a formação de professores para o ensino da cultura Afro-Cearense, é docente do Curso de Pedagogia do Instituto Superior de Teologia aplicada(Inta) e professora da Rede Municipal de Fortaleza. Para ela, a publicação é mais uma forma de gerar interesse por parte das pessoas, já que existe uma tendência de dizer que não há comunidades quilombolas no Estado.
Também enfatizou a importância da Lei 11.645, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. E acrescentou: “Trabalho na escola pública e me preocupo com a discriminação. Vejo as crianças colocadas de lado em função da cor. Isso não é coisa de criança. É coisa de criança aprendendo a ser racista e tem impacto forte na autoestima e no aprendizado”.
O caderno especial, despertou atenção na Fanpage do Diário do Nordeste no Facebook: “Quilombolas? A escravidão já acabou não precisa mais viver refugiado. O negro e o índio já podem trabalhar com dignidade. O dever o governo é garantir a eles o que se deve garantir a todos, conforme o Art. 5º da Constituição…”, escreveu o analista contábil Gustavo Gabriel.
Leia abaixo a primeira matéria do Caderno especial “Excluídos – Quilombolas”:
Uma nova história em construção
A formação do nosso povo é complexa e permeada de conflitos, mas a Constituição assegura a todos o direito de serem brasileiros
Como foi construída a relação do povo que já habitava estas terras com o colonizador? Nos livros didáticos, por mais de cinco séculos, a relação foi tratada como harmoniosa entre os três principais elementos formadores do povo brasileiro: o índio, o negro e o europeu. Mas até hoje existem conflitos. Da Lei do Ventre Livre, de 1871, até a Constituição de 1988, a estrada é longa. Embora tarde, o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de que existem lacunas na história que precisam ser preenchidas é um avanço. Mas a marcha é lenta e parece não acompanhar o tempo da história.
Das 80 mil famílias quilombolas do Cadastro Único, a base de dados para programas sociais do governo federal, 74,73% ainda viviam em situação de extrema pobreza em janeiro deste ano, segundo o estudo do programa Brasil Quilombola, lançado no começo deste mês pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Entre cadastrados ou não, eles somam 1,17 milhão de pessoas e 214 mil famílias.
Um dos principais motivos para a manutenção dos quilombolas na pobreza, segundo o estudo, é a dificuldade de acesso a programas de incentivo à agricultura familiar, devido à falta do título da terra. Segundo o relatório, das 2.197 comunidades reconhecidas oficialmente, apenas 207 são tituladas. Apesar das dificuldades, 82,2% viviam da agricultura familiar no começo deste ano. “O perfil é de agricultores, extrativistas ou pescadores artesanais, mas eles não conseguem ser inscritos na Declaração de Aptidão do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que dá acesso a políticas públicas”, diz a coordenadora de Políticas para Comunidades Tradicionais da Seppir, Bárbara Oliveira. Ela explica que a responsabilidade de incluir os quilombolas na Declaração de Aptidão do Pronaf será transferida ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que deverá ajudar a acelerar a titulação das terras.
Ainda segundo o estudo, 48,7% deles vivem em casas com piso de terra batida, 55,21% não têm água encanada, 33,06% não têm banheiro e 15,07% possuem esgoto a céu aberto. Ao todo, 79,29% têm energia elétrica. O pior é o alto índice de analfabetos: 24,81%, enquanto a taxa de analfabetismo no País é de 9,1%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad).
O quilombola é o personagem principal deste que é o primeiro de três cadernos especiais. Teremos mais um sobre indígenas e outro sobre ciganos. Para isso, viajamos 13.574Km, pelos Estados de Alagoas, Sergipe, Bahia, Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Ceará, com acesso nem sempre fácil diante da desconfiança de quem tem apanhado muito na vida.
Leia as demais matérias da série:
> Comunidade de Barreiros luta para resgatar as suas histórias e tradições
> Da união das três ´raças´ ao discurso intercultural
> Índios e mulheres ajudam a fortalecer cultura quilombola
> Jaqueiras salvam moradores do Muquém e são reverenciadas
> Na Bahia, quilombolas travam a batalha do Rio dos Macacos
> Suor, farinha, lama e resistência de quem vive na Lagoa dos Crioulos
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Enviada por Alexandre Gomes.