Os conflitos envolvendo comunidades indígenas estão presentes em pelo menos 16 unidades da Federação. Área disputada supera 100 vezes tamanho de BH
Por Felipe Canêdo, em Estado de Minas
Nem o tiro que atingiu a nuca do índio terena Josiel Gabriel Alves, de 34 anos, terça-feira, em Sindrolândia (MS), nem a morte do terena Oziel Gabriel, de 35, no mesmo município, em 30 de maio, nem o envolvimento dos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, parecem esfriar o crescente clima de tensão entre índios e produtores rurais [sic] em todo o país. Tampouco o envio da Força Nacional de Segurança para mediar o impasse no Mato Grosso do Sul e as declarações da própria presidente da República, Dilma Rousseff, sobre o assunto acalmaram os envolvidos. Pelo contrário, ruralistas e indígenas concordam em um único ponto: novos conflitos podem ocorrer a qualquer momento.
Os conflitos envolvendo comunidades indígenas estão presentes em pelo menos 16 unidades da Federação. Em 76 municípios espalhados por todas as regiões do país, populações de diversas etnias disputam áreas com madeireiros, fazendeiros, garimpeiros, empresas, assentados e até imobiliárias. A área disputada pelas comunidades tradicionais com não índios no Brasil corresponde a 35 mil quilômetros quadrados – mais de 100 vezes o tamanho de Belo Horizonte. O mapa dos conflitos, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aponta que as situações de tensão atingem pouco mais de 50 mil índios.
Os produtores rurais anunciaram uma mobilização para o dia 14. O presidente da Frente Nacional da Pecuária (Fenapec) e da Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul), Chico Maia, alerta: “Vamos parar o país. Nós vamos trancar estradas. Vamos mostrar ao governo e ao Congresso Nacional como é que está a situação brasileira no campo”.
Os índios, por sua vez, prometem novas ocupações como as que ocorreram no Sul da Bahia na sexta-feira. “Tudo o que se conquistou em muitos anos de luta está sendo desconstruído. Os indígenas agora estão decididos a fazer resistência”, afirma Rildo Kaingang, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul) e membro da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “O conflito entre índios e produtores rurais é iminente. O que aconteceu no Mato Grosso do Sul é apenas um aviso do que está para acontecer no país”, alerta Rildo. Chico Maia também fala em acirramento de ânimos e mortes: “No município de Dois Irmãos do Buriti (MS), os produtores não vão sair e se houver invasão vai ter conflito, vai ter tiro”.
INOPERÂNCIA
Para o secretário-executivo do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), Cléber Buzatto, “o que os povos indígenas estão tentando demonstrar é que os processos de demarcação de terras não avançam, então eles vão tomar a iniciativa prática”. Levantamento da entidade indica que 852 indígenas foram mortos nos últimos 10 anos no Mato Grosso do Sul em assassinatos, suicídios, atropelamentos e acidentes de trânsito.
O deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) acusa o governo de inoperância: “Deixaram a corda esticar mais do que o possível e agora ela arrebentou e o governo não sabe o que faz. Vejo uma absoluta inabilidade do governo federal, que foi medroso, porque não quis se envolver num tema difícil. A questão dos índios é de responsabilidade da União”. Ele diz que está preocupado com a postura do governo de dar guarida aos índios que tomaram terras no seu estado, mesmo contra a decisão judicial que determinava a saída deles: “Se vale para essa etnia, vai valer para todas as outras. Se vale ganhar no braço, no tiro, nós vamos ver centenas de situações como essa. Eles vão fazer isso no país inteiro”.
O deputado participou de reunião tensa em Brasília em 29 de maio com os ministros da Justiça, Casa Civil, Desenvolvimento Agrário e Advocacia Geral da União (AGU), onde também estavam os três senadores, os oito deputados federais e 18 deputados estaduais do estado. Ele afirma que a questão da reintegração foi tratada e os representantes do governo “tiraram o corpo fora”, dizendo que quem deveria tratar disso era a Polícia Militar do estado. “No dia seguinte o índio terena foi morto.”
O deputado e coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, Padre Ton (PT-RO), admite que a situação chegou a um nível alto de tensão porque o próprio governo não cumpriu sua função. “Os índios perderam suas terras porque o próprio governo tomou suas terras e deu aos produtores.” Segundo ele, há uma sinalização do Planalto de que pode haver uma mudança que permita a indenização de proprietários que consigam comprovar suas posses. Ton sustenta que essa pode ser uma solução para o conflito que se arrasta há anos e anos.
Missão de paz
Depois da determinação da Justiça Federal do Mato Grosso do Sul de 1ª instância para reintegração de posse das terras ocupadas pelos terenas no Mato Grosso do Sul, um pedido da Funai e da AGU motivou a reversão da decisão na quinta-feira, permitindo a permanência dos índios. Na quarta, a presidente Dilma defendeu uma solução mediada do conflito e disse que o papel do governo é cumprir decisões judiciais. Agentes da Força Nacional que estão em Sidrolândia, a 70 quilômetros de Campo Grande, devem começar os trabalhos de barreira e revista policial amanhã. Segundo o comandante da corporação, Luiz Alvez, a função da Força Nacional em Sidrolândia é pacificar a área.
–
Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.