Por esses mortos, nossos mortos, peço castigo [Beleza!]

Aos Ortiz, Veron, Nísio, Denilson, Oziel…Mortos do tempo presente.
Aos vivos que lutam.

Por Rosemeire Aparecida de Almeida*

Mais uma vez salpicaram de sangue o chão da luta indígena em Mato Grosso do Sul, e a morte com sua espécie de poder de choque quer nos roubar a palavra.

Mas é preciso gritar, não pela boca dos mortos, mas ao lado dos vivos porque o silêncio e o pessimismo servem tão somente a dominação. Recentemente a porta voz do agronegócio, Kátia Abreu, em pronunciamento no Senado sobre os conflitos em Mato Grosso do Sul pediu proteção aos “produtores rurais”, pois segundo ela “ninguém os defende”. Mas, se havia dúvidas de que se trata de uma falácia, elas foram desnudadas nas imagens de violência contra os índios na desocupação da fazenda Buriti em Sidrolândia/MS. Naquele momento o Estado não usou sua costumeira aparência de governo do povo, na verdade protegeu a propriedade privada contra a luta popular e, mais que isto, edificou o lugar da morte ao  invés da vida.

Mato Grosso do Sul é o segundo estado em número de indígenas e a demanda pela retomada e demarcação das terras de seus ancestrais tem sido represada à custa de muita violência. Os dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), denunciam esta guerra: segundo o Relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de 2011”, nos registros de violência contra a pessoa em 2011, tivemos no Brasil um total de 378 casos, destes 174 foram em MS. Nesta estatística da violência o registro de 51 assassinatos de indígenas mostra que 62,7%, ou seja, 32 vítimas pertencem aos povos que habitam o Mato Grosso do Sul, sendo: 27 Guarani Kaiowá, 2 Terena, 2 Guarani Nhandeva e 1 Ofaye-Xavante. Se somarmos os 32 assassinatos com 27 tentativas de assassinatos, são 59 casos de morte e quase morte que atingiram estes povos. O cruzamento de dados dos cadernos de conflitos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) indica um confronto territorial que não pode ser ignorado: as áreas de expansão do capitalismo no campo e, portanto, da concentração de terras também são aquelas em que cresce a violência.

Embora este não seja o espaço para aprofundar este debate, é preciso registrar o centro do problema. Mato Grosso Sul possui uma das mais concentradas estruturas fundiárias do país. Aqui, segundo o Censo do IBGE (2006), a classe de área acima de 1000 ha detém 76,93% da área e representa 10,1% dos estabelecimentos. Em Sidrolândia não é diferente, 5,39% do total do número de estabelecimentos acima de 1000 ha dominam 62,83% do total da área cadastrada. E esta terra não está cercada para produzir alimentos, muito menos de consumo popular!

Embora a Constituição Brasileira de 1988 reconheça o direito indígena em relação as suas terras e seu modo de vida, uma parte da sociedade, infelizmente detentora do projeto hegemônico de país, não aceita ser plural e, por conseguinte, não quer o índio como sujeito político. O levante indígena é para eles obra de manipuladores infiltrados na Funai, no Cimi, na Universidade – e querem provar encomendando pesquisas que decretam que índios no Brasil não querem terra. Ignoram que repousam muitos cemitérios indígenas embaixo dos nossos pés.

Porque vivemos numa sociedade desigual, marcada pela dominação dos que têm quem chorem seus mortos, é preciso envolver-se, tomar posição na busca do equilíbrio do poder ao lado daqueles que têm menos – como defende Boaventura dos Santos. É, pois, desta forma, que a sociedade pode exercer o controle social colocando na agenda política do Estado o encaminhamento da questão indígena. E esta intervenção não atende pelo nome de força nacional de segurança, mas sim, pela demarcação do território porque os índios querem terra para viver, para ficar em cima…

Termino esta breve reflexão parafraseando Neruda na esperança que emana da organização popular pela justiça social: “Por esses mortos, nossos mortos, peço castigo. Para os que pedem “cabresto” para os índios, peço castigo. Para a ministra que questiona as demarcações, peço castigo. Para os que celebram a paz dos cemitérios, peço castigo. Para os que defendem estes crimes, quero castigo”!

*Autoria: Rosemeire Aparecida de Almeida, Profa. Dra. na UFMS/Campus de Três Lagoas. Diretora da AGB/Seção Três Lagoas.

Enviada por Ruben Siqueira para Combate Racismo Ambiental.

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