Por Andreia Fanzeres, OPAN
Xavante de Marãiwatsédé entregam em Brasília relatório para Comissão Nacional da Verdade denunciando violações dos direitos ligados à luta pela terra.
Nesta terça-feira, uma comitiva composta por aproximadamente 24 Xavante da Terra Indígena Marãiwasédé (MT) vai entregar oficialmente à Comissão Nacional da Verdade um relatório demandando exame e esclarecimento sobre as violações dos direitos humanos de que esse grupo foi vítima durante a ditadura militar.
O documento elaborado pela organização indigenista Operação Amazônia Nativa (OPAN) e Associação Indígena Bö’u resgata registros históricos que provam a ocorrência de violações aos direitos humanos nas décadas de 1940 e 1960. Esse estudo preliminar tem grande relevância ao contribuir para um maior entendimento da sociedade sobre o processo de invasão ao território de Marãiwatsédé desde os anos 40, que resultou em escravidão dos indígenas, extermínio de aldeias, assassinatos com requintes de crueldade, remoção forçada de sua terra sagrada e, por fim, um longo processo de desagregação, conforme demonstram os documentos oficiais anexados ao relatório.
Os Xavante foram oficialmente contactados pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e pelas frentes de expansão agropastoris no nordeste de Mato Grosso em 1946. O grupo que vivia na região de Marãiwatsédé foi o último resistente à saída de seu território tradicional. Em poucos anos, intensificou-se um processo de desterritorialização compulsória decorrente de ações de extermínio por meio de expedições punitivas e de dispersão de doenças para as quais o organismo dos indígenas não dispunha de defesa.
Até meados do século XIX, a população xavante era estimada entre 3 mil e 5 mil indivíduos. Em 1958, calculava-se um número em torno de 1.100 pessoas. “Este acentuado decréscimo populacional deve-se ao avanço das frentes de expansão colonial, fruto de movimentos espontâneos ou atinentes às políticas governamentais”, diz um trecho do relatório, que recupera ainda depoimentos de um antigo morador de São Félix do Araguaia que realizou a interlocução do Grupo de Trabalho responsável pela elaboração do Relatório de Identificação da Terra Indígena Marãiwastédé. Segundo ele, em 1961, pequenos posseiros já haviam se dispersado pelo território Xavante. Muitos moravam nas regiões das aldeias e era comum neste “avanço da população nacional em território Xavante […] a organização de expedições punitivas que visavam matar o maior número possível de índios”. Esses crimes ocorridos nos anos 1950 deixaram o território Xavante invadido e diminuído no início da ditadura militar.
Em 1962, foi formalmente criada a “Agropecuária Suiá-Missu Limitada”, de propriedade do grupo Ometto e de Ariosto da Riva. A instalação desta fazenda em pleno território xavante aumentou ainda mais a pressão sobre as já reduzidas aldeias de Marãiwatsédé. Depois da transferência de todo o grupo de Marãiwatsédé para uma aldeia construída a cerca de 2 km da sede da fazenda Suiá-Missú, os Xavante trabalharam na derrubada da vegetação nativa para a formação de pistas de pouso de avião, de roças e de pastos para a criação de gado. Segundo Damião Paridzané, cacique da TI Marãiwatsédé, “foi trabalhando como […] escravo, morreu muita gente. Trabalhando sem receber dinheiro, sem ganhar nada, sem assistência de saúde nenhuma. (O Ariosto) só dando comida, arroz limpo. Não é arroz inteiro, é quebradinho.”, diz outro trecho do relatório.
Com o fim da sociedade entre da Riva e a família Ometto, os latifundiários dispensaram os “serviços” dos indígenas e transferiram os Xavante para uma área que não oferecia condições de sobrevivência, pois permanecia inundada durante oito meses por ano. Ali, ficaram expostos à fome, doenças e por não conseguirem plantar. Eles só saíram para a sede da Suiá-Missú em agosto de 1966, de onde foram transportados compulsoriamente para a Missão Salesiana de São Marcos, localizada a mais de 400 km ao sul de seu antigo território. Esta transferência dos 263 remanescentes de Marãiwatsédé foi realizada a pedido de Orlando Ometto com aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e permissão do SPI, tendo ainda apoio da Missão Salesiana.
Desestruturados politicamente, pois vários líderes haviam morrido, e fora de suas aldeias, os Xavante se dispersaram, mas iniciaram uma histórica luta que durou 46 anos e foi protagonizada pelos sobreviventes e descendentes do grupo retirado de Marãiwatsédé até a retomada de seu território, com o notável processo de desintrusão da terra indígena, concluído em janeiro de 2013.
Esta dramática história demonstra que os Xavante de Marãiwatsédé tiveram seus direitos humanos violados e que o Estado brasileiro foi pelo menos em parte responsável por este processo, pois ignorou as diversas solicitações formais de servidores públicos em favor da proteção da integridade física dos índios e de seu território. “Quando deveria garantir o direito dos Xavante às suas terras, não apenas autorizou sua deportação, como forneceu os aviões utilizados para a transferência compulsória dos remanescentes de Marãiwatsédé. Essa postura condescendente com os invasores de Marãiwatsédé se deve às sucessivas políticas de exploração econômica da Amazônia, para as quais os Xavante sempre foram vistos como obstáculos que deveriam ser retirados do caminho”, finaliza o relatório.
Serviço:
O relatório com pedido de investigação de violação de direitos humanos contra os Xavante de Marãiwatsédé será entregue em solenidade em Brasília às 9h no dia 23 de abril de 2013 no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede da Comissão Nacional da Verdade.
—
Compartilhada por Ricardo Verdum.