“Feliz Natal, Dom Pedro Casaldáliga”

Por Fernando Alves

Lembras-te da Missa dos Quilombos, composta por Milton Nascimento? Lembras-te dos textos de dom Pedro Casaldáliga?

Lembras-te de dom Helder Câmara, faz agora 30 anos, no Recife, celebrando Mariama ( “Mariama, mãe dos homens de todas as raças, de todas as cores, de todos os cantos da terra”…)?

Pedro Casaldáliga, aquele que Paulo Evaristo Arns defendeu contra a ditadura, aquele a quem Paulo VI nomeou bispo de São Felix do Araguaia, no Mato Grosso, tem hoje 84 anos e sofre de Parkinson. Lá em São Felix, continua fiel ao lema que adoptou: “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”.

Há dias foi obrigado a sair de casa para lugar incerto. Está algures, protegido pela Polícia Federal, porque nos últimos dias subiram de tom as ameaças de morte contra ele. Pensa-se que isso se deva à proximidade da decisão judicial sobre o direito dos índios Xavante às terras de onde querem expulsá-los.

Quem tem medo de Pedro Casaldáliga? De onde vem o medo tamanho que desata o ódio e a tocaia? Cabe a pergunta diante desta página do jornal electrónico “Quem tem medo da democracia?” No canto superior direito da página em que me detenho há uma frase de dom Helder Câmara: “Se discordas de mim, tu me enriqueces”. Um pouco abaixo, uma frase de Pedro Casaldáliga: ” O problema é ter medo do medo”.

Entrevistado há dias por este jornal, em São Félix do Araguaia, o bispo agora ameaçado de morte fala do combate contra o medo do medo e oferece um poema para o Natal de 2012. Este poema que aqui deixo:

Sentinela, o que há da noite?
O que há da crise?
– De onde perguntas?
Perguntas desde a fome
ou desde o consumismo?
O grito dos pobres
sacode tuas perguntas?
Pastores marginais
cantam a Boa Nova
com flautas e silêncios,
contra os grandes meios,
os meios dos grandes.
Nasceu-nos um Menino,
um Deus nos foi dado.
É para nascer de novo,
desnudos como o Menino,
descalços de cobiça,
de medo e de poder,
sobre a terra vermelha.
É para nascer de novo,
abertos ao Mistério,
ungidos de esperança.
(Pedro Casaldáliga).

Enviada para Combate ao Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

Comments (1)

  1. Sou Medeiros Braga. Cordelista. Já tenho algo publicado no QTMV.

    Tenho um cordel sobre Dom Pedro Seguem algumas das 64 estrofes:

    DOM PEDRO CASALDÁLIGA
    COM A MORTE ANUNCIADA

    “De um lado estava a igreja,
    Índio, posseiro, peão,
    Do outro, governo, exército,
    Fazendeiro, batalhão,
    E ainda pra completar
    A milícia do lugar
    A justiça de então.”

    Abro as asas da poesia
    Pra narrar com realismo
    A história dum guerreiro
    De crença e idealismo,
    Sua opção radical
    De luta no social,
    De fé no cristianismo.

    Ele é Pedro Casaldáliga
    Nascido na Barcelona
    E que veio ao Brasil
    Para perigosa zona,
    A região amazônica
    Onde de forma tirânica
    Tinha ela a sua dona.
    ……………………

    Mas, outra vez, invasores
    Com os latifundiários
    Muitas áreas ocuparam
    Com poderes arbitrários
    E criando povoados
    Seus negócios de mercado
    Com gestores mercenários.

    Não houve guerrilha aqui,
    Essa se deu no Pará
    Lá pelo sul, e no norte
    De Goiás, não veio cá,
    Só que para os fazendeiros
    Eram mesmo guerrilheiros
    Todos do lado de lá.

    Para eles Casaldáliga
    Era um subversivo
    Que veio lá da Europa
    Como um agente instrutivo
    Para com seu ativismo
    Implantar o comunismo
    Nesse ambiente nativo. 08
    DOM PEDRO CASALDALIGA

    Por isso que a repressão
    Em São Felix foi gritante,
    Era preso e torturado
    O simples simpatizante,
    Taxado de guerrilheiro
    Não escapou o posseiro,
    Nem peão, nem o xavante.

    Com proteção militar
    E respaldo permanente
    Sofriam índios, peões,
    Os posseiros e agentes
    Que diante do estorvo
    Vinham em favor do povo
    E do seu meio-ambiente.

    Nunca se presenciou
    Cenários tão humilhantes
    Era a terra de ninguém,
    Ausência de governantes,
    Só tinham tranquilidade
    Os chefetes da cidade
    Dos servis a seus mandantes.

    Nem mesmo a força da igreja
    Que sempre foi respeitada
    Conseguia impedir
    A violência instalada,
    Foi muita gente inocente
    Nesse ambiente inclemente
    Sem motivo, assassinada. 09
    MEDEIROS BRAGA

    A CNBB teve
    Contatos com o poder,
    Era o “Diálogo dos Surdos”,
    Podia se perceber,
    Da Reforma Agrária e terra
    Dos índios naquela guerra
    Falavam, sem se entender.

    Pra Dom Pedro Casaldáliga
    Que veio um dia a falar
    Com ministro da justiça
    E do assunto tratar,
    Ele, no seu estilo,
    Prometia tudo aquilo
    Que não pretendia dar.

    O exército inconformado
    Visitava a Prelazia,
    Vasculhava suas casas,
    Muitas pessoas prendia,
    Depois de todo desmande
    Levava pra Campo Grande
    E a tortura fazia.

    Mas, a morte de um padre
    Foi o problema maior
    Pela polícia local
    Estimulada ao pior,
    Na ausência do Estado
    Era o clima estimulado
    Para o crime em seu redor. 10
    DOM PEDRO CASALDALIGA

    Foi João Bosco Burnier
    Esse padre assassinado,
    Estava com Casaldáliga
    Em fala com o delegado,
    Quando fazia as defesas
    Das duas mulheres presas
    Foi morto por um soldado.

    O soldado procurava
    Se impor na discussão
    E o padre ameaçava
    De denunciá-lo, então,
    E por conta, bronco, tosco,
    Matou o padre João Bosco
    Ali mesmo na prisão.

    Com o crime perpetrado,
    A barbárie, a tirania,
    Foi o seu povo ao local
    E a vingança cumpria
    Com sangue quente na veia
    Ao derrubar a cadeia,
    E junto, a delegacia.

    Mas, essa situação
    De tortura, assassinato,
    Não foi só um privilégio
    Do nosso Brasil de fato,
    O delito, a repressão
    Se deram em toda nação
    Com implacável aparato. 11
    MEDEIROS BRAGA

    Por toda América Latina
    Esse sistema opressor,
    Servil ao imperialismo,
    Toda fúria desfechou…
    Para alcançar o seu dote
    Nem Dom Romero da morte
    Em El Salvador escapou.
    …………………..
    Posicionou-se Dom Pedro
    Contra qualquer violência.
    Sem armas mortais mostrou
    A mais sensata coerência…
    Do saber antigo ou novo
    Deve, então, colher o povo
    As armas da consciência.

    Sobre isso acrescentou:
    “Eu sou a favor da paz.
    Não sei usar uma arma”.
    Dando a entender mais
    Na luta contraditória
    Para trazer a vitória
    Só o saber é capaz.

    Desse conceito evidente
    Eu dou a minha ciência,
    A força não muda nada
    Já mostrou a experiência…
    Tem muita base essa crítica,
    Só a educação política
    Mudar pode toda essência.

    Sem consciência política
    Não existe democracia,
    A lei se cria e se cumpre
    Sempre em prol da minoria,
    A nação faz-se falida,
    A renda distribuída
    Não chega pra maioria. 15
    MEDEIROS BRAGA

    Para Dom Pedro os políticos,
    Os partidos, o poder,
    Têm três dívidas com o povo
    A cumpri-las, a saber:
    A Causa Indígena, por certo,
    Reforma Agrária e os Projetos
    Pequenos para fazer.

    Condenou o agronegócios
    Pelo lado social,
    Pelo lucro concentrado,
    Pela questão natural,
    Na afirmação que arca,
    Acusa como uma marca
    Desse governo atual.

    Com Dom Pedro Casaldáliga
    A regra se transformou,
    Há novos ensinamentos,
    Há um novo educador,
    E agora está se vendo
    O Araguaia fervendo
    Por conta do que mudou.

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