Nos últimos tempos, têm sido propostos, no Congresso Nacional, diversos projetos de lei visando à introdução, no Direito brasileiro, de algumas modalidades de «ação afirmativa». Esses projetos, apresentados por parlamentares das mais diversas tendências ideológicas[2], em geral buscam mitigar a flagrante desigualdade brasileira atacando-a naquilo que para muitos constitui a sua causa primordial, isto é, o nosso segregador sistema educacional, que tradicionalmente, por diversos mecanismos, sempre reservou aos negros e pobres em geral uma educação de inferior qualidade, dedicando o essencial dos recursos materiais, humanos e financeiros voltados à Educação de todos os brasileiros, a um pequeno contingente da população que detém a hegemonia política, econômica e social no País, isto é, a elite branca. Outros projetos, concebidos no louvável afã de tentar remediar os aspectos mais visíveis e politicamente incômodos da nossa triste iniquidade, tentam combater a desigualdade e a discriminação em setores específicos da atividade produtiva, instituindo cotas fixas para negros nesse ou naquele setor da vida sócioeconômica.
Esses projetos, como se sabe, visam a instituir «medidas compensatórias» destinadas a promover a implementação do princípio constitucional da igualdade em prol da comunidade negra brasileira. O tema é de transcendental importância para o Brasil e para o direito brasileiro, por dois motivos. Primeiro, por ter incidência direta sobre aquele que é seguramente o mais grave de todos os nossos problemas sociais (o qual, curiosamente, todos fingimos ignorar), o que está na raiz das nossas mazelas, do nosso gritante e envergonhador quadro social – ou seja, os diversos mecanismos pelos quais, ao longo da nossa história, a sociedade brasileira logrou proceder, através das mais variadas formas de discriminação, à exclusão e ao alijamento dos negros do processo produtivo conseqüente e da vida social digna. Em segundo lugar, por abordar um tema nobre de direito constitucional comparado[3] e de direito internacional, mas que é, curiosamente, negligenciado pelas letras jurídicas nacionais, especialmente no âmbito do Direito Constitucional.
Por outro lado, o tema entrou definitivamente na pauta das questões nacionais, a partir do momento em que o Governo federal, em posição corajosa assumida perante a comunidade internacional, não apenas reconheceu oficialmente a existência de discriminação contra negros no Brasil, mas prometeu instituir modalidade específica de ação afirmativa (as «cotas») visando a propiciar maior acesso de negros ao ensino superior. (mais…)