Jacques Távora Alfonsin*
O significado histórico do mais famoso julgamento da história, lembrado todos os anos na sexta-feira santa, ganhou maior repercussão, aqui no Rio Grande do Sul, em virtude da acesa discussão estabelecida sobre ordem de autoridade determinando a retirada de crucifixos em locais públicos do Poder Judiciário.
O debate tem encontrado o seu eixo principal a partir da natureza jurídica do Estado laico e da liberdade de religião e culto. Ninguém até agora, ressalvada alguma exceção, parece ter-se preocupado muito com a Opinião do Crucificado.
A recordação das causas pelas quais Ele foi processado e condenado, o peso representado por suas críticas às desigualdades sociais flagrantes e injustas mantidas pelas autoridades de então, o conluio religioso-político que planejou a sua morte, as regras processuais que presidiram o processo do seu julgamento, os efeitos que decorreriam do assassinato a ser praticado “de acordo com a lei” (!?), parece terem ficado às costas de toda a cogitação, como, aliás, os crucifixos são pregados nas paredes das salas de audiência dos foros e dos tribunais, acumulando pó e indiferença.
A começar pelo fato de que o Homem Amado e Venerado como Deus por grande parte da humanidade foi privado de defesa, humilhado e torturado antes mesmo de ser levado ao julgamento, já seria o caso de se perguntar quantas/os das/os suas/seus seguidoras/es de hoje, já não chegam aos tribunais na mesma condição, como o profeta Isaias previra:
“ Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele. Mas ele foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniquidades” (…) Por um iníquo julgamento foi arrebatado. Quem pensou em defender sua causa, quando foi suprimido da terra dos vivos, morto pelo pecado de meu povo?”
Não é exatamente isso que acontece quando os preconceitos ideológicos e culturais que viciam a interpretação das leis contra pobres e marginalizados ignoram as flagrantes e injustas condutas denunciadas pelas palavras do Condenado Inocente quando Esse estabeleceu como parâmetros do julgamento justo, precisamente o reconhecimento ético-político-jurídico da dignidade humana das/os pobres?
“Eu tive fome e me destes de comer,tive sede e me destes de beber, fui peregrino e me acolhestes, estive nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, estava preso e viestes ver-me”.
Não é exatamente contra estamentos de poder, semelhantes a muitos de hoje, virando as costas para os crucifixos, que uma censura das mais severas partiu da boca do Condenado inocente? “Amarram pesadas cargas e as põem nas costas dos outros e eles nem com o dedo querem tocá-las.” (…) “…não vos preocupais do mais importante da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade!” (…) “Guias cegos, que filtrais um mosquito e engolis um camelo. (…) “sois semelhantes a sepulcros caiados vistosos por fora mas por dentro cheios de ossos dos mortos e de toda a sorte de hipocrisia e iniquidade.”
É certo, como argumenta a defesa da permanência dos crucifixos onde eles se encontram, ela servir de advertência grave contra toda a injustiça. É para que ela, ali testemunhada, jamais se repita. Também é certo, todavia, o mal decorrente de um símbolo de tal significado não passar de uma decoração inútil, quando a falta de humildade de uma autoridade que está a serviço do povo, serve-se dela para oprimi-lo.
Por tudo isso, salvo engano aqui antecipado por ousar exercer também liberdade de opinião a respeito de matéria muito maior do que uma ordem sobre imagem, existe uma grande possibilidade de Jesus Cristo estar agradecendo ao Seu Pai por sua cruz ter sido retirada dos tribunais. Assim, pelo menos a imagem da injustiça que Ele padeceu liberta-se do constrangimento de assisti-lo crucificado de novo a cada sentença que repete a iníqua condenação de tanta gente na qual ele se encontra Encarnado.
* Procurador do Estado aposentado, mestre em Direito pela Unisinos, advogado e assessor jurídico de movimentos populares.
Enviada por Rodrigo de Medeiros Silva.
A retirada de crucifixos das salas dos tribunais parece ter atendido a vontade do crucificado