Especialista fala sobre os impactos da instalação de um complexo petroquímico em Itaboraí

Por Vilmar S. D. Berna*

Antes de avaliar os impactos, positivos ou negativos do COMPERJ, a sociedade precisa ter a coragem de se perguntar, sinceramente: precisamos deste empreendimento? Se a sociedade não se dispõe a abrir mão dos confortos que os veículos movidos a combustíveis fósseis proporcionam, e muito menos pretende se livrar dos plásticos, que entram na composição de quase tudo o que consumimos, a resposta será sim. Entretanto, isso não justifica que um projeto deste porte tenha de ser ‘enfiado goela abaixo’ da sociedade, muito menos que seus impactos negativos sejam minimizados e menos ainda que o processo se dê em segredo ou manipulando informações para iludir a população. Do ponto de vista logístico, político e econômico, o COMPERJ se sustenta, mas do ponto de vista ambiental, é um desastre.

Sobre os impactos positivos, são muitos, relevantes, e bem conhecidos, por que os defensores do empreendimento já se encarregaram de alardear aos quatro ventos.  Diferente dos impactos negativos. Quando alguém se atreve a falar sobre este assunto, é quase como se estivesse traindo a nação brasileira! Os impactos socioambientais negativos deste tipo de modelo de desenvolvimento são o patinho feio do tripé da sustentabilidade. A maior parte dos investimentos e do interesse está no econômico, bem depois, em segundo lugar, está o social e lá atrás, na lanterninha do interesse da sustentabilidade, o ambiental. Isto se dá, primeiro por que a sociedade só agora começa a acordar para a realidade ambiental. Então, toda a atenção sempre esteve voltada para o econômico e para o social. Segundo, por que o econômico e o social são direitos objetivos, com interessados diretamente envolvidos, por que ou mexe nos lucros ou mexe no emprego ou na qualidade de vida. Já o ambiental é um direito difuso, de toda a sociedade, e o que é de todo mundo acaba não sendo de ninguém.

Enquanto para defender os lucros ou os empregos existem milhares de interessados, para defender o meio ambiente existem poucos e abnegados indivíduos e algumas poucas ONGs que trabalham na base do voluntariado e da indignação cidadã. E a situação tem piorado muito, paradoxalmente, por que ao mesmo tempo em que a sociedade está cada vez mais consciente de seus direitos ambientais, anda cada vez menos descrente dos políticos e da política e, por extensão, das mobilizações e organizações populares na defesa dos direitos difusos. Muitos se limitam apenas a reclamar ou postar alguma informação na web, outros tantos querem mudar, mas não conseguem romper com a inércia e preferem se contentar com alguma desculpa esfarrapada para não fazer nada. O tipo de educação com ênfase no mercado de trabalho não ajuda a formar cidadãos mais conscientes, críticos e participativos, e quem perde com isso é a democracia e o meio ambiente.

A cada ambientalista que morre, por doença, velhice ou assassinado, ou mesmo por que desiste e abandona a luta, não é substituído por outro, e a sociedade vê pouco a pouco o enfraquecimento da rede de defesa da cidadania ambiental. Faltam projetos para estimular a formação deste tipo de cidadania e para fortalecer as organizações ambientalistas, por que muitas empresas e governos não estão dispostos a alimentar ´cobras ´ para lhes picarem em suas pretensões políticas e econômicas em que o lucro e ganhar a eleição estão em primeiro lugar. Então, não é de se estranhar que o meio ambiente seja o primeiro a sofrer os maiores impactos das decisões socioeconômicas e é o último a ser considerado na compensação pelos sacrifícios impostos por este modelo de progresso.

Com o COMPERJ não é diferente. Do ponto de vista logístico, político e econômico, o empreendimento se sustenta, mas do ponto de vista ambiental, é um desastre.

Localizado a montante, ou seja, antes, do que restou de manguezais na Baía de Guanabara qualquer acidente ou problema com vazamentos no COMPERJ, o manguezal será o primeiro a sofrer os impactos. Os manguezais jamais poderiam ser considerados como zona de sacrifício ambiental, pois são áreas de grande fragilidade ambiental e por sua importância como `cozinha` da natureza – onde se inicia a cadeia alimentar marinha -, e por sua função de ´berçário ´ que protege os peixes menores dos maiores.  A região concentra ainda ecossistemas que contêm um dos maiores índices de biodiversidade da Mata Atlântica, e paradoxalmente também é uma das áreas com as mais elevadas densidades demográficas do país, o que já gera naturalmente conflitos onde a natureza só perde espaço, gerando uma fragmentação florestal que já atingiu níveis críticos, com o comprometimento da capacidade de suporte da natureza na região e a extinção de espécies da fauna e flora. Com implantação do COMPERJ a eliminação destes remanescentes florestais será crescente em razão da expansão da malha urbana para cima das áreas ainda não ocupadas, pressionando cada vez mais as áreas naturais remanescentes, protegidas ou não em UC e consolidando o isolamento físico entre os blocos de vegetação.

A região já sofre com problema de abastecimento de água, e um empreendimento do porte de um COMPERJ precisa de muita água, considerando-se ainda todo um complexo de outras indústrias de 2ª e 3ª geração que irá se instalar no entorno do COMPERJ e que também demandarão por água.

A bacia aérea da região já é bastante saturada. Na região leste da Baía de Guanabara já tem sido verificada algumas ocorrências de ultrapassagens do padrão de ozônio. Não precisa ser muito especialista para compreender que o ar não está nada bom, basta olhar para o horizonte, principalmente nos meses de outono e inverno, quando ocorre o fenômeno da inversão térmica. O ar tem cor cinza e o cheiro não é bom.  As colunas de fumaça de queimadas do lixo não recolhido, dos veículos e das chaminés das industriais em vez de subirem e se dispersarem na atmosfera ficam aprisionadas numa faixa entre o solo e as camadas mais frias da atmosfera. Com o COMPERJ, este quadro se agravará e provocará problemas à saúde da população. Os níveis de concentração de NOx deverão alcançar 35% do padrão de qualidade do ar e os de HC serão bastante significativos. A Serra dos Órgãos será atingida por concentração de cerca de 100 ?g/m3, favorecendo a formação de ozônio, segundo estudos do LIMA/COPPE/UFRJ.

O adensamento urbano na região cresce acima da capacidade dos poderes públicos conseguirem levar infraestrutura urbana que dê qualidade de vida às pessoas, então, além da falta de água falta também segurança, escolas, hospitais, etc. Nos municípios no entorno do COMPERJ a cobertura dos serviços de saneamento ambiental é deficitária, com índices abaixo de 80%. Quem está no mercado, tem seu emprego, e pode comprar e alugar um lugar para morar, vai para as áreas legalizadas e edificantes, quem não pode, por que é pobre ou está desempregado, vai ser ´empurrado´ para as áreas que não edificantes que o mercado não pode ocupar, como os manguezais, as margens dos rios, os topos de morro, as encostas perigosas. O COMPERJ nem começou a emitir a primeira fumaça, mas já está impactando fortemente a região ao atrair multidões de pessoas carentes em busca de oportunidades.

Para compreender os impactos socioambientais do que será o COMPERJ a melhor imagem é a de um polvo, com seus vários braços. Em Itaboraí fica a cabeça. Seus braços são os gasodutos, oleodutos, emissários, rodovias, ferrovias que passarão pelas margens da Baía de Guanabara, em direção a Duque de Caxias e a outros lugares, também por debaixo das águas da Baía, e até mar adentro.

Um dos braços desse ´polvo´ será o emissário de efluentes industriais que avançará dois quilômetros a partir da praia de Itaipuaçu, uma das mais limpas do litoral fluminense, e quatro quilômetros antes das Ilhas Maricás, uma das regiões de maior biodiversidade marinha, responsável pelo sustento de um grande número de pescadores artesanais que dependem do meio ambiente preservado para continuarem sobrevivendo. Com a operação do COMPERJ haverá descarte de efluente hipohalino, que poderá conter metais pesados e outras substâncias. O emissário afetará ainda diretamente duas unidades de conservação, uma de proteção integral e outra de uso sustentável, o Parque Estadual da Serra da Tiririca, entre Maricá e Niterói, e a APA de Maricá, remanescente de restinga mais estudado do Brasil por conta de sua riqueza ecológica, de seu bom estado de preservação.

Area de influência direta da poluição que será despejada pelo duto do Comperj no litoral de Maricá, durante o verão, entre a APA de Maricá (seta lilás) e a área marinha do Parque Estadual da Serra da Tiririca (seta vermelha). Fonte: alterada do EIA/RIMA do Emissário Terrestre e Submarino do Comperj, apud ASA, 2010a.

Para se defender e manter a vigilância e o monitoramento sobre o COMPERJ e suas promessas e obrigações de compensar o meio ambiente e a população pelos sacrifícios socioambientais, a sociedade precisa, fundamentalmente, de mecanismos que assegurem o acesso à informação independente de solicitação, conforme assegurado na Lei Federal Lei 12.527, de 18/11/2011. No art. 8 diz que é dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas, o que inclui, naturalmente, as informações referente às condicionantes de licenças e de termos de ajuste de conduta, e os projetos resultantes deles, entre outras informações relevantes para a defesa da cidadania ambiental. O acesso à informação é uma das principais armas da sociedade para o exercício de sua cidadania ambiental. É a partir daí que ela pode reivindicar direitos, tomar conhecimento de prazos e promessas não cumpridas, etc. Sem informações, torna-se mais difícil a mobilização social e o exercício da cidadania.

Entretanto, só para citar um exemplo de como o processo de comunicação não vem sendo conduzido maneira adequada, que favoreça a participação dos interessados, a consulta pública do EIA-RIMA do emissário foi marcada entre a antevéspera de Natal, com finalização no último dia 21 de janeiro – ou seja, trinta dias espremidos entre a época de festas de fim de ano e as férias de muita gente interessada no assunto. Compreensível, por que o grau de incerteza revelado pelos estudos quanto aos impactos desse emissário são mesmo para não serem muito divulgados. Veja por exemplo o trecho do EIA/RIMA (Capítulo XIV, pág. 2, 2º parágrafo): “Por meio do presente EIA, foi possível identificar como impacto a alteração da qualidade da água ao largo de Maricá. Impacto de difícil avaliação, justificou a proposição de um programa de monitoramento que envolve tanto a biota, a qualidade da água e os sedimentos. Simultaneamente, deverá ser monitorado o efluente gerado no COMPERJ em busca de maior conhecimento da composição e possíveis efeitos sobre a biota.”

E finalmente, para não cansar demais os leitores, tem a Baía de Guanabara. Segundo os estudos do LIMA/COPPE/UFRJ, entre os cenários futuros, ocorrerá uma redução da vida de espécies da fauna aquática, principalmente, nas regiões noroeste e nordeste da Baía de Guanabara, devido a elevadas concentrações de DBO e zona costeira limítrofe ao espelho d´água pelo uso imobiliário. Nessa mesma região, estima-se que haja um declínio populacional de espécies sobreexplotadas de peixes e crustáceos, pela degradação ambiental e aumento da atividade pesqueira. Estima-se com o aumento no tráfego de embarcações e do somatório dos empreendimentos uma maior contaminação na biota e estabelecimento de uma maior probabilidade de contaminação desta por acidentes. As frentes de desmatamento tendem a avançar, na zona de amortecimento e interior de UC, resultando na degradação ambiental das bacias hidrográficas e do espelho d´água.  Com a reconfiguração da população prevista a partir do COMPERJ deve haver um acréscimo de vazão de esgotos para a BG. Ou seja, a qualidade das águas da Baía de Guanabara só irá piorar ao longo dos anos com maior ou menor intensidade nas diversas regiões da BG, principalmente em termos de poluição orgânica, e, notadamente, na região noroeste. O controle das 155 indústrias prioritárias dentro do PDBG resultou em uma significativa redução de carga poluidora lançada por essas indústrias, em termos de cargas orgânicas (DBO), óleos e graxas (O&G) e metais pesados. Apesar dessa redução, os sedimentos estão contaminados, tanto por metais pesados, como por hidrocarbonetos de petróleo, principalmente nas suas porções oeste e noroeste. O processo de bioacumulação e biomagnificação na biota são também relevantes.

O assentamento dos gasodutos submarinos já está provocando ressuspensão de sedimentos na coluna dágua e liberação e/ou remobilização de metais pesados, acarretando bioacumulação e biomagnificação na biota aquática. Os pescadores já começaram a sofrer com os impactos e criaram o movimento “Grupo Homens do Mar da Baía de Guanabara” numa tentativa de serem ouvidos pela Petrobrás e pelas empresas contratadas para a realização do serviço, sem sucesso até agora. Diversos protestos tem sido realizados, como o que aconteceu frente ao canteiro de obras do Projeto GLP da Baía de Guanabara, na Praia de Mauá  Município de Magé / RJ. Com seus pequenos barcos de pesca, os pescadores tentaram impedir a continuidade das obras, sem sucesso, e alguns deles ainda sofrem com ameaças de morte.

A atividade pesqueira na Baía de Guanabara, considerada artesanal, é bastante relevante e antiga e garante a sobrevivência de significativo número de famílias. As estatísticas são conflitantes, por isso estima-se que o número de pescadores varie entre 5.000 a 18.000 ? 5.341 pescadores registrados na SEAP-PR (MPA) e 17.375 nas 5 Colônias de Pesca da BG. Envolve 2.186 embarcações, 61 postos de desembarque da pesca artesanal e 511 currais. A coleta de caranguejos é realizada nos manguezais (APA de Guapimirim). A pesca do camarão é importante, em função do seu valor comercial e envolve inúmeras embarcações no interior da Baía, em sua maioria operando ilegalmente. Com os novos empreendimentos prevê-se um aumento no número e informalidade do setor pesqueiro (pescadores e embarcações), em função do incremento de trabalhadores sazonais na pesca. É possível que haja uma queda da produção pesqueira e é esperado um deslocamento dos catadores tradicionais para outras atividades econômicas. Estima-se, ainda, um aumento das áreas de exclusão, além do aumento do tráfego de embarcações e incremento na freqüência de acidentes.

Como ambientalista costumo dizer que detesto ter razão, pois quando me dão razão, é por que os desastres anunciados se tornaram realidade. Torço, sinceramente, para estar errado, e que os defensores do COMPERJ é que estejam certos. Que os impactos negativos sejam todos mitigados, reparados e compensados como prometido, que o mar de Itaipuaçu continue limpo, que os pescadores continuem conseguindo sobreviver na Baia de Guanabara, que o meio ambiente fique ainda melhor do que antes do COMPERJ, conforme já ouvi um de seus defensores anunciar. Afinal, a sociedade não vai abrir mão mesmo de continuar abastecendo seus carros com combustíveis fósseis baratos e muito menos irá reduzir o consumo de produtos com plástico fabricados a partir do petróleo.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br), em janeiro de 1996 fundou o Jornal do Meio Ambiente e, em 2006, a Revista do Meio Ambiente e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.

Enviada por Alexandre Anderson.

http://www.itaipuacusite.com.br/2012/03/comperj-faltou-dizer.html

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