Moção dos representantes dos 30.000 índios da Bahia em defesa do Território Indígena do Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe

A Terra indígena Caramuru Catarina Paraguaçu é destinada à posse permanente e ao usufruto do Povo Pataxó Hã Hã Hãe, devendo esse direito ser respeitado, conforme as razões a seguir expostas.

A primeira demarcação ocorreu em 1926 e, após a invasão dos postos indígenas por fazendeiros da região, o Estado da Bahia em 1937, baseado no art. 2º da lei estadual nº 1916 de 1926, referendou a doação nos seguintes termos: “O governo mandará demarcá-la discriminando a parte que ficará servindo de Horto Florestal natural e a que for destinada a formar o aldeamento dos índios e de suas respectivas roças, em lotes com a superfície indispensável a tais misteres”

Como se sabe, a demarcação é só um mecanismo de delimitação do território indígena, um ato declaratório com a finalidade de confinar os índios, mas também uma forma de garantir que terceiros se abstenham de apropriar-se ou intervir naquele espaço. Todavia, o histórico da Terra Pataxó Hã Hãe, assim como de como de muitos outros no Brasil, principalmente no Estado da Bahia, demonstra verdadeiros disparates com relação aos direitos originários e garantidos por lei. Por conta de arrendamento ilegal de lotes dessa terra a partir de 1938 pelo Serviço de Proteção ao Índio – SPI, órgão federal, os índios tiveram suas terras invadidas. O Governo do Estado, como brinde de campanha política em 1980, legitimou os tais arrendamentos e as invasões, outorgando títulos para os posseiros.

Por uma razão lógica dos atos famigerados por parte do SPI e do Estado da Bahia, a maior parte desse povo foi morta e expulsa pelos invasores e arrendatários, outros se refugiaram nas montanhas de difícil acesso e também na periferia dos municípios de Pau-Brasil, Itajú do Colônia e Camacan.

Em 1982, a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, ajuizou junto ao Supremo Tribunal Federal – STF para anular 396 títulos de terra incidentes na área indígena que corresponde a 54.105 (cinqüenta e quatro mil e cento e cinco) hectares. Desde àquele ano até o presente momento por conta da morosidade no julgamento já morreram 30 lideranças desse povo, entre elas, Galdino Pataxó, devido a ingerência do Estado, numa área federal, tornando-se conivente com os fortes interesse políticos na região.

A FUNAI já indenizou mais 240 (duzentos e quarenta) posseiros considerados de boa-fé, os demais, também por não concordar com os valores das indenizações, insurgem-se contra o processo alegando não ser esta uma área indígena. Por esta razão, têm feito vários atentados contra a vida e integridade do Povo Pataxó Hã Hã Hãe. Importante destacar que a maior parte dessa Terra indígena está sobre o domínio de uma minoria de pessoas, não chega a 50 (cinqüenta), e alguns destes, a exemplo de Jaime Oliveira do Amor (este tem quase um terço da área indígena em seu poder), são patrocinadores de políticos na Bahia e outros são alguns políticos, a exemplo do Deputado Paulo Magalhães.

Apesar das garantias legais, o povo em destaque tem sido massacrado, usurpado, turbado, escamoteado e morto em função dos sórdidos interesses políticos e econômicos do capitalismo na região. Queremos com esta moção, externar apoio aos nossos irmãos, chamando atenção para as garantias previstas em lei, para que interesses políticos não se sobreponham às decisões do Poder Judiciário, como vimos em outros momentos.

Todas as leis anteriores à CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, como se verá adiante, garantiam e ordenavam o respeito às terras indígenas, mas o sórdido interesse político nunca permitia que o Poder Judiciário fizesse valer a lei e a justiça.

A dramática situação vivida pelo Povo Pataxó Hã Hã Hãe revela verdadeira atrocidades do modelo colonial e, por conseqüência, tem cominado sempre em muitas mortes das suas lideranças que incansavelmente buscam defender seus direitos originários garantidos por lei. Válido ressaltar que essas mortes têm origem na falta de atuação efetiva por parte do Estado-juiz em fazer respeitar os mandamentos legais. A saber:

1º O alvará de 1º de abril de 1680, LEI POMBALINA de 06 de julho de 1755 estabelecia que “(…) Os índios no inteiro domínio e pacifica posse das terras… para gozarem delas por si e a todos seus herdeiros”;

2º A Lei Imperial nº 6001, de 18.09.1850 determinava em seu artigo 72 que “são reservadas as terras devolutas para colonização e aldeamento de indígenas, nos distritos onde existem hordas selvagens”;

3º Por seu turno, a CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1891 determinou a observância obrigatória a Lei nº 6001, de 18.09.1850, estabelecendo em seu art. 83 que: “continuam em vigor, enquanto não revogada, as leis do antigo regime, que explicitamente não for contrária ao Sistema de Governo pela Constituição e aos seus principio nela consagrados”;

4º A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1934 determinou o seguinte:

“Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizadas, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”;

5º A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1937 também não deixou de resguardar o direito indígena tanto que fez transcrição literal da Constituição anterior, prevendo em seu art. 159 que “será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizadas, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”;

6º Previu a CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946 em seu art. 216 que “será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não transferirem.”;

7º A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 estabeleceu o seguinte:

“Art. 186. É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes.”;

8º Seguindo o modelo anterior, a CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1969 determinou o seguinte:

“Art. 189. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilizadas nelas existentes.

1º – Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas por silvícolas…”.

9º Finalmente, sob a égide da atual CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 corrobora os direitos que os povos indígenas têm nos termos a seguir expostos:

“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, (…) salvo (…), em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, (…) garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, (…).

Reforçamos, contudo, que o atual Estado Democrático de Direitos não mais comporta a sobreposição do interesse de minoria, detentora do Poder econômico, em detrimento dos direitos e garantias fundamentais da maioria. O Povo Pataxó Hã Hã Hãe totaliza cerca de 4000 (quatro mil pessoas) e sempre necessitou de sua terra como garantia de sua vida, integridade física e reprodução cultural.

São interesses ilegítimos e ilegais de apenas 50 (cinqüenta) posseiros de má-fé contra a integridade e a vida de um povo indígena.

Não podemos aceitar que, em pleno século XXI, a Bahia continue sendo palco de extermínio do povo indígena, e tendo como sede as cidades de Pau-Brasil, Itajú do Colônia e Camacan. Para onde irão 4000 (quatro mil) índios se, absurdamente, a decisão de nulidade de títulos (ACO 312.0) for improcedente? Terão as suas penas de morte decretadas! Serão vitimas de chacinas que estes país jamais viu e   isso poderá vir acontecer por uma razão muito simples: matar índio nunca dá punição! E se sobrarem alguns, este terão como destino a periferias das cidades, e às ruas para viverem como mendigos.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 não pode, jamais, ser rasgada como muitas outras foram quando se tratava de direitos indígenas.   Esperamos que a Suprema Corte deste país como responsável pela guarda da Lei Maior, faça justiça a esses povos. Confiantes na integridade dos magistrados que a compõem, temos certeza que as suas decisões não se basearão nos direcionamento políticos, como acima destacamos.

Atenciosamente,

Povos indígenas da Bahia

Liderança representante do Povo Atikum

Liderança representante do Povo Kaimbé

Liderança representante do Povo Tuxá

Liderança representante do Povo Tupinambá

Liderança representante do Povo Pataxó

Liderança representante do Povo Pataxó Hã Hã Hãe

Liderança representante do Povo Pankararé

Liderança representante do Povo Pankarú

Liderança representante do Povo Payaya

Liderança representante do Povo Xucuru Kariri

Liderança representante do Povo Fulniô Kariri

Liderança representante do Povo Kiriri

Liderança representante do Povo Tumbalaá

Liderança representante do Povo Truká Tupã

Salvador/BA, 26 de setembro de 2011.

 

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