Relatora constata falta de estrutura e falhas pedagógicas em escolas quilombolas

Camila Queiroz, Jornalista da ADITAL

Adital – Em visita iniciada no dia 19 e concluída hoje (22) no estado do Piauí, Nordeste brasileiro, a Relatoria do Direito Humano à Educação (iniciativa da Plataforma DHESCA) encontrou um cenário de falta de estrutura e projeto pedagógico consistente para a educação quilombola.

A Relatoria passou pelas comunidades de Contente (município de Paulistana); Castanheira, Mutamba e Tronco (Paquetá) e Mimbó (Amarante). Já em agosto, houve visita ao estado do Pará, região Amazônica.

Relatora do Direito Humano à Educação, Denise Carreira afirmou que, durante a visita, observou que várias comunidades conquistaram o acesso à escola, algumas com prédio na própria comunidade, outras tendo de se deslocar com transporte escolar até uma comunidade próxima.

Contudo, esse transporte, feito de maneira precária, foi o primeiro obstáculo à educação quilombola citado por Denise. “É um transporte problemático, feito com veículos sem estrutura, muitas vezes pau de arara. São muitas crianças, de idades variadas, sem adultos para monitorar dentro do veículo. Às vezes, o transporte quebra e as crianças ficam expostas ao sol, no meio do caminho”, conta.

Ela salienta que alguns municípios começam a adquirir veículos destinados ao transporte escolar, com verba do Ministério da Educação (MEC), mas em número ainda insuficiente perante a demanda.

Outro problema é a merenda escolar, classificada por Denise como insuficiente ou inadequada. “Percebemos muito uso de enlatados, quando o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) define que a merenda deve ser composta em 30% por produtos originários da Agricultura Familiar”, diz.

A relatora destaca dificuldades legais e burocráticas para aquisição destes produtos, uma vez que os pequenos produtores não dispõem da documentação necessária para se habilitarem a vender sua produção para a merenda escolar.

“Esse é um ponto fundamental a ser enfrentado. É muito importante avançarmos na merenda escolar que valorize a Agricultura Familiar e diversifique cardápio no Brasil, com alimentação de mais qualidade. Isso também percebemos no Pará. Comunidades quilombolas estão consumindo enlatados”, enfatiza.

Além disso, Denise constatou inadequação da proposta pedagógica, pois as escolas não estão abordando a história das comunidades. “Do ponto de vista das propostas pedagógicas, há a ausência de propostas que valorizem a história e a cultura das comunidades, invisibilizando-as. Os conteúdos não são trabalhados em sala de aula”, pontua.

Isto se dá em descumprimento à lei 10.639/2003, que estabelece que toda a Educação Básica brasileira, na rede pública e privada, deve abordar a história e cultura africana e afro-brasileira. “Quase nenhuma ou nenhuma escola cumpre isso e esse conteúdo é fundamental, não só nesses municípios, mas para todo o país”.

Para agravar a situação, profissionais da educação quilombola são precarizados, ganham menos que professores concursados. Segundo Denise, há falta de formação continuada e os municípios alegam que não há recursos para o setor. A relatora critica ainda a falta de acompanhamento dos profissionais por parte dos governos municipais e estadual.

Afora os problemas da educação quilombola, agora as comunidades estão aflitas com impactos sócio-ambientais e ameaças de remoção. Em Paulistana, os quilombolas de Contente sofrem impactos por conta da ferrovia Transnordestina. Já as outras comunidades serão impactadas pelas barragens de cinco hidrelétricas que estão sendo construídas no Rio Parnaíba.

Denise denunciou que comunidades serão inundadas e o governo não tem se preocupado em dialogar com os moradores para estabelecer alternativas; haverá remoções, mas eles não sabem para onde irão. “Queremos que se abra debate no Piauí e no Brasil, porque essa matriz energética desconsidera comunidades e o patrimônio histórico que representam”, arremata.

Próximos passos

Hoje (22), houve reunião da Relatoria com a sociedade civil, sindicatos e universidades. Também houve reunião com o Ministério Público Federal (MPF), secretário de Educação do Piauí, Átila Lira, e Ministério Público Estadual (MPE). Na ocasião, demandou-se canal de diálogo para que as comunidades possam informar sobre atendimento de Políticas Públicas em seu território e inventário social, cultural e histórico, bem como inventário educacional, das comunidades que serão atingidas por barragens.

A Relatoria visitará ainda comunidades do estado de Goiás e da região do Vale do Ribeira, interior de São Paulo. Será divulgado relatório completo, com recomendações, em dezembro deste ano, próximo ao Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 de dezembro.

http://www.adital.com.br/jovem/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=60592

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