A população rural na mídia no contexto das mudanças climáticas e aquecimento global

Deroní Mendes*

Em se tratando do aquecimento global e mudanças climáticas nada contra o protagonismo dos “especialistas” na cobertura da mídia, afinal ninguém melhor do que eles para explicar-nos cientificamente os porquês das mudanças climáticas e quais as conseqüências para humanidade a longo prazo, mas ainda questiono se são os únicos mesmo que podem nos dar a dimensão de sua gravidade e as catástrofes que têm provocado na produção e oferta de alimento e água para as populações rurais.

Especialistas, governantes, ambientalistas e órgãos internacionais como a Organizações das Nações Unidas (ONU) e a Fundo das Nações Unidade para a Alimentação (FAO) são unânimes em afirmar que a população mais vulnerável ao aquecimento global é e continuará sendo aquela que reside na zona rural, em especial aquelas de continentes, países, estados e cidades mais pobres do planeta, embora suas atividades produtivas sejam as que possivelmente menos contribuem com o aumento das temperaturas.

Ainda assim na mídia, é como se a população rural não soubesse traduzir em uma linguagem inteligível ao leitor ou telespectador a forma como a falta de água ou o excesso dela, por exemplo, tem modificado a dinâmica das plantas, o comportamentos dos animais e da própria comunidade, por exemplo.

São raras as vezes que se vê as populações locais que dependem quase exclusivamente dos ecossistemas nos quais estão inseridas e dos recursos naturais “in natura” falando sobre como o aquecimento global tem afetado e modificado o seu modo de vida. Mas é comum vermos os pesquisadores falando sobre como o clima tem afetado a vida destas ou daquelas populações locais que dependem diretamente dos recursos naturais de determinado ecossistema.

“variações climáticas são decorrentes das ações antrópicas. Cada espécie apresenta subgrupos, chamados de linhagens que nada mais é do que, genealogias que não obstante possuírem as mesmas características fundamentais dotadas de peculiaridades genéticas desenvolvidas para viverem melhor em um determinado habitat e nesse sentido se, a humanidade não atenuar seu atual arquétipo de emissão de carbono muitas espécies serão suprimidas em um curto período de tempo geológico”, nos explicam pesquisadores.

Um extrativista, indígena ou agricultor provavelmente, jamais nos diriam isso. Não com estas palavras, mas utilizando a água como indicador, por exemplo, nos mostrariam com muita propriedade, com simplicidade baseada na sua vivência cotidiana e, com muita certeza, muita tristeza que:

A estação seca tem sido mais longa ultimamente e o período das chuvas mais curto, porém mais intensas destruindo a plantação, deixando comunidades inteiras “ilhadas” nos últimos anos.

As frutas do cerrado ou da floresta já não amadurecem mais nas mesmas épocas que antes, o que afeta o comportamento das aves e dos animais que agora invadem a roça. “As frutas do cerrado ainda não amadureceu, por isso as ararinhas todo ano dirrissa o milho e arroz na roça”.

Agora a chuva demora a chegar e não dá mais para começar a roça em setembro. “Só no finalzinho de dezembro. Nós planta, mas a chuva não vem aí morre tudo. Aí tem que plantar de novo em janeiro prá ver se vinga”.

Muitos agricultores deixaram de cultivar o arroz, o milho e o feijão crioulo porque estes embora mais resistentes as pragas, demoram bem para produzirem. Já as sementes híbridas são mais fracas, precisam de muito veneno, mas, produzem muito mais rápidas que as sementes crioulas. “Agora não tá adiantando plantar o arroz criolo. Ele rende mais, mas a chuva tá sendo pouco. Aí ele fica todo “incriquiado”, não segura nada. Aí não adianta”. Eles sabem que estão se envenenando com os agrotóxicos, mas a curto prazo é o que conseguem. É preciso alimentar a famílias e os animais domésticos 365 dias por ano.

Está cada dia mais difícil achar água. Os rios que antes jamais secavam agora estão secando. Alguns peixes sumiram. As lagoas não enchem mais. E os poços precisam ser muito mais profundos, e ainda assim secam em determinada época do ano.

Onças e outros animais carnívoros estão chegando mais “perto”de casa comendo animais domésticos e ameaçando a vida das pessoas. Festas e rituais tradicionais estão sendo deixados de lado ou mudaram o período devido à escassez de água, peixe ou outros recursos naturais essenciais ao evento. O calor também e frio tem sido mais severos. “Antes o ano inteiro era mais fresco. O frio durava mais tempo, no entanto que era bem menos frio. Agora é muito frio. Um frio de rachar.”

Nos enunciados acima provavelmente há inúmeras palavras que você jamais viu ou ouviu. Mas dentro do contexto e diante da linguagem corporal do entrevistado creio que você entenderia. Não é difícil notar que os problemas apontados têm uma estreita relação com o aquecimento global e as mudanças climáticas trazendo profundas transformações nas práticas produtivas e culturais dessas populações.

Por outro lado nota-se que a dimensão da gravidade e conseqüências catastróficas apontadas pelos pesquisadores e especialista na mídia não tem sensibilizado suficientemente nem os governantes nem os grandes poluidores. A política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei nº 12.187, DE 29 de dezembro de 2009) e as políticas estaduais de mudanças climáticas, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o Fundo Amazônia, as metas de redução de emissões assumidas em Copenhague e Cancum são sim um bom começo, mas não é o suficiente, tampouco eficiente a curto prazo.

Dar voz também à população rural na cobertura sobre o aquecimento global e mudanças climáticas é imprescindível tanto quanto aos pesquisadores. Talvez, vendo os problemas enfrentados por estas comunidades, governantes e legisladores se sensibilizem mais no sentido de que é urgentíssima a necessidade de se acelerar e aumentar esforços e investimentos no desenvolvimento de pesquisas e tecnologias a elaboração e implementação de planos e principalmente políticas públicas, que de fato mitigarão os efeitos do aquecimento global sobre a população rural afetando ainda mais a segurança alimentar e consequentemente a sobrevivência destas populações.

Sensibilizariam bem mais os grandes poluidores (empresas e grandes produtores) quanto a necessidade urgente de mudar sua matriz produtiva e investir mais pesado em novas formas de produzir de forma sustentável através da adoção de tecnologias que degradem menos o meio ambiente.

Afinal de contas, ninguém quer ser responsabilizado pela miséria extrema e possível extermínio, principalmente de grupos menos favorecido social e economicamente simplesmente pela sua ganância extrema. Tudo isso veiculado na mídia, não pegará bem.

*Deroní Mendes é filha de agricultores tradicionais do Vale do Guaporé, Geógrafa e coordenadora do projeto de Formação de Gestores Indígenas no Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisas de MT.

http://www.adital.com.br/jovem/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=59934

 

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.