Relatório será encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA
Por Fania Rodrigues – Caros Amigos
Organizações de direitos humanos de todo o Brasil encaminharão um relatório à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), denunciando irregularidades e abusos cometidos na investigação e no processo judicial contra os 23 ativistas presos no Rio de Janeiro na véspera da final da Copa do Mundo. Informes também serão enviados às relatorias de Detenção Arbitrária e à de Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU).
Para o advogado Thiago Melo, do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDH), “um dos atos mais alarmantes é que tenham quebrado o sigilo telefônico de advogados e, muitas vezes, que conversas com seus clientes, sem que nenhum desses profissionais tenham cometido algum tipo de ilicitude”. No total, cerca de 10 advogados são mencionados como investigados e acusados nesse processo.
O telefone fixo do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDH) também foi grampeado, assim como o celular de dois de seus advogados. “Nesse caso há dupla irregularidade. Primeiro por ter quebrado o sigilo entre advogado e seu cliente, infringindo assim a garantia da ampla defesa. E depois, o fato de ter quebrado o sigilo de uma organização de direitos humanos, que trata de temas relacionados à violência policial e à arbitrariedade do Estado, que cuida de pessoas que muitas vezes precisa acionar o programa de proteção a testemunha. Todas as comunicações foram monitoradas justamente por aquelas instituições que são acusadas de violar os direitos dos nossos assistidos. Isso é muito grave”, classificou Thiago Melo .
De acordo com a ONG Justiça Global pelo menos sete advogados tiveram seus telefones grampeados pela polícia. “A quebra de sigilo telefônico foi feita de forma indiscriminada. Sem uma investigação prévia. Valeram-se da máxima: ‘na dúvida grampeia’. Esse tipo que quebra de sigilo existe certos cuidados e procedimentos, que não foram cumpridos”, denuncia o advogado Eduardo Baker, da Justiça Global.
Métodos questionados
Os métodos utilizados pelo polícia para seguir declarações de manifestantes também foram questionados. Pelo menos dois dos acusados foram convocados para depor como testemunha, sem saber que eram parte no processo. Como testemunha, o depoente não pode recorrer ao direito de ficar e silêncio. A delegada assistente Renata Araújo dos Santos mentiu para um dos acusados dizendo que ele era testemunha, quando na verdade era acusado. “Isso é no mínimo uma maldade”, segundo o advogado de 15 dos 23 acusados, Marino de D’Icarahy.
O advogado informou ainda que solicitou a retirada de uma testemunha de acusação, pois trata-se de policial da Força Nacional de Segurança infiltrado. “Para infiltrar policiais em uma operação é preciso autorização da Justiça. Esse procedimento tampouco foi respeitado. Além disso, o depoimento desse policial é altamente subjetivo e demonstra impressões equivocadas sobre muitos dos acusados”, destacou D’Icarahy.
Distribuição do processo
Outra questão apontada como irregular foi a distribuição do processo contra os manifestantes. Os advogados de defesa foram privados do acesso ao processo por mais de uma semana, enquanto seus clientes já estavam presos e não sabiam quais eram as acusações que pesavam contra eles e nem o motivo pelo qual estavam sendo presos.
“A imprensa teve acesso ao inquérito antes dos advogados. O próprio desembargador Siro Darlan teve acesso posteriormente. Isso já mostra que o princípio da ampla defesa não foi respeitado. Observamos esse inquérito como uma peça política, com amplo rastreamento de comunicações, que é muito questionável em termos de democracia”, destaca o advogado e defensor de direitos humanos Thiago Melo.
Acusações vagas
Melo também critica o fato de as acusações não são individualizadas. Isso dificulta a defesa. Fala-se muito em “manifestantes”, de “organização criminosa”, de “quadrilha armada”, mas não existe nenhum tipo de conduta individualizada que dê conta de qualquer ilicitude por parte dos manifestantes. A própria opção por acusá-los de “quadrilha armada”, segundo o advogado, “é uma clara amostra da debilidade desse inquérito”.
De acordo com Marino de D’Icarahy há inconsistência nos depoimentos prestados das testemunhas de acusação. “Há depoimento de uma ex-namorada de um dos manifestantes, que ressalta algumas vezes sua necessidade de vingança. Além disso, o depoimento de um personagem que ficou conhecido nas redes sociais como o Coringa, que inclusive é jovem, tem problemas de saúde mental e que é considerada uma testemunha chave”, frisa D’Icarahy.
Thiago Melo, do IDDH, também aponta irregularidades dessa natureza e destaca que alguns depoimentos de testemunhas de acusação apresentam contradições. “São contraditórios e com muitas inconsistências que não foram sanadas pela investigação. Pega apenas um aspecto e não enfrentam as contradições.
Gravações sem relevância
As escutas telefônicas de conversas entre manifestantes, segundo Melo, são igualmente inconclusivas. “A Justiça, assim como a polícia, está dando peso a brincadeiras entre usuários na Internet e classificando isso como sendo sério. De fato, o que as gravações demonstram é que não há nada contra esses ativistas. Depois de mais de mês e de horas e horas de gravações, não há nada de significativo”, afirma o advogado. No entanto, alguns meios de comunicação massivos divulgaram essas gravações como um grande achado.
Palavras genéricas utilizadas pelos manifestantes como, por exemplo, “situação”, são interpretadas como se fossem grandes planos de manifestação violenta e depredação. Cerca de 26 mil agentes da polícia e soldados participaram da operação de segurança da Copa do Mundo e mesmo com toda essa estrutura nenhuma prova contundente foi apresentada no sentido de demonstrar que se tratava de quadrilha armada e perigosa, como acusa o processo judicial, assim como a grande imprensa.
No parecer que liberou os manifestantes, o desembargador Siro Darlan manifestou que o processo carecia de consistência e acusações individualizadas. Entre os acusados, três estavam presos e outros 18 eram considerados foragidos. Já Caio Silva de Souza e Fábio Raposo, continuaram presos, pois respondem a outro processo, o da morte do cinegrafista Santiago Andrade.