Por Priscila Anzoategui, em Coletivo Terra Vermelha
A pré-estreia do média metragem “Matem…os outros”, do diretor Reynaldo Paes de Barros, ontem no MARCO (Museu de Arte Contemporânea ), em Campo Grande, causou protestos na plateia. O filme narra a história de dois fazendeiros, interpretados pelos atores Victor Wagner e Espedito di Monte Branco, que estão na estrada com o carro quebrado, pegam carona com dois paulistas até Sidrolândia (município que ficou conhecido nacionalmente devido o assassinato do terena Oziel durante a ação de reintegração de posse da fazenda Buriti).
O diálogo entre os personagens é exclusivamente sobre a questão indígena. Os fazendeiros demonstram uma visão totalmente preconceituosa, afirmam que os índios invadiram suas terras, que compraram a terra legalmente, pois possuem a escritura pública, que o Estado não indeniza e faz tudo que os índios pedem (e a FUNAI seria a mentora dessa relação injusta).
Além disso, reforçam o estereótipo de que os indígenas são todos preguiçosos, vagabundos e alcoólatras. A única personagem que tenta debater com os fazendeiros, é a veterinária representada pela atriz Luciana Kreutzer, porém, é interpretada por todos os outros personagens como mais uma marionete nas mãos das ONGs internacionais.
Verifica-se aqui aquele velho discurso ruralista, os índios não decidem sozinhos as “invasões” de terras, tem que ter sempre alguma entidade por trás os influenciando.
A trama vai piorando cada vez mais, num posto de gasolina, os quatro personagens se deparam com um índio bêbado, que não tem voz, é caçoado por todos, o paulista, interpretado pelo ator e produtor cultural Vítor Samudio, resolve defendê-lo e o leva até a entrada da aldeia.
Só que depois que deixa o indígena na rodovia, demonstra a sua verdadeira face: apoia os ruralistas, e conclui que o conflito de terras no país só será resolvido com muito derramamento de sangue.
No final da exibição do filme, vários ativistas do Coletivo Terra Vermelha, gritaram em repúdio ao discurso do média metragem : “Viva os Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul, Viva Marçal de Souza, Viva Nísio Gomes, Viva Oziel !!, A impunidade é mais dolorosa que a morte!!”.
Na saída, ergueram cartazes, prestaram esclarecimentos ao público sobre a questão indígena e vaiaram o diretor. Uma das ativistas, Regina Martins, declarou: “Eu achei que o filme, ao contrário do que o diretor afirmou, não tem neutralidade, aparentemente faz uma crítica sobre a posição dos fazendeiros, mas é falsa. Na verdade, é um filme racista, preconceituoso, que reforça estereótipos negativos, que já existem a respeito do comportamento dos povos indígenas, estereótipos criados e gerados pelos próprios dominadores. O filme coloca os índios como invasores, das terras que pertencem aos brancos, terras centenárias, nós sabemos que isso não é verdade, a palavra certa a ser usada é retomada, os povos indígenas hoje buscam pela retomada das suas terras originárias, uma pequena parcela das suas terras originárias. O filme também mostra racismo contra outros povos, povos vizinhos, irmãos, como bolivianos, paraguaios, contra negros, haitianos, enquanto que o povo sul mato-grossense sabe que somos uma junção de todas essas culturas. O extermínio de todos os povos indígenas de Mato Grosso do Sul é o extermínio da nossa cultura. Foi um filme que me entristeceu, só serviu para reforçar os sentimentos negativos que já existem dos não-índios em relação aos povos indígenas, outra coisa, o filme é mentiroso, quando divulga números irreais, não só mentiroso, como também criminoso. Hoje os olhos do mundo reconhecem que o Mato Grosso do Sul fere todos os direitos humanos em relação aos povos indígenas. E quando o Governo do Estado, através da Fundação de Cultura, banca esse tipo de filme, também está ajudando proliferar esse discurso, está patrocinando o genocídio, e deve responder por isso”.
O diretor Reynaldo Paes de Barros, só saiu do MARCO com a chegada da Polícia Militar, apontou o dedo para o artesão e ator, Jorge de Barros, que também faz parte do Coletivo Terra Vermelha, e aos berros disse: “Eu sou livre para filmar o que quiser, vocês não compreenderam o meu filme”.
Posteriormente, falou que ia dispensar a polícia e agradeceu as vaias.
Os membros do Coletivo Terra Vermelha afirmaram que vão acionar o Ministério Público Federal, denunciando o teor do filme, considerado racista.
O Coletivo Terra Vermelha é uma entidade horizontal, autônoma, independente e apartidária, sem personalidade jurídica, que surgiu em 2012, em Campo Grande, é formada por vários segmentos da sociedade civil, estudantes, advogados, jornalistas, artistas e professores.
Tem como eixo principal a defesa intransigente da luta pela terra e pelos direitos dos povos indígenas, nessa esfera, apoia a demarcação das terras indígenas e a luta e organização dos povos indígenas.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Priscila Anzoategui.