Uma violência invisível. Entrevista especial com Jacqueline Pitanguy

Foto: rufanobombo.com.br
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“A violência sexual ainda é a mais encoberta e é mais difícil uma mulher denunciá-la”, constata a socióloga

IHU On-Line – Os dados do Instituto de Segurança Pública – ISP do Rio de Janeiro demonstram que o número de estupros contra mulheres vem crescendo exponencialmente desde 2008, ao menos no estado carioca. Contudo, as informações podem ser interpretadas de outra maneira, como adverte Jacqueline Pitanguy: “Quando temos um número crescente de registros de violência, não necessariamente é porque a violência está aumentando; tem de se considerar também que é porque as mulheres estão registrando, estão rompendo aquele muro de silêncio”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, ela enfatiza os limites das estatísticas que registram casos de violência contra a mulher, e assinala a necessidade de haver pesquisas nacionais recorrentes, que permitam comparações de casos e a elaboração de um panorama sobre a violência contra as mulheres, já que “estatísticas nacionais, com séries históricas, não existem”. Segundo a socióloga, “esse é um dos elementos que vem sendo aprimorado e que precisa ser aperfeiçoado porque demonstra, a importância que é atribuída  pela sociedade a essa questão. Quando se tem boas estatísticas, como acontece em casos de homicídio, por exemplo, isso significa que o homicídio é uma questão que precisa ser registrada e quantificada. Mas existem poucas estatísticas sobre a violência contra as mulheres”.

Jacqueline Pitanguy enfatiza que a violência contra a mulher ainda é “invisível” sob certos aspectos, e expõe a mulher a uma situação de dupla vulnerabilidade. Apesar das dificuldades, ela informa que nas comunidades pacificadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora – UPPs tem aumentado o número de registros de mulheres agredidas. “Quando as comunidades não eram pacificadas, era praticamente impossível para uma mulher recorrer à polícia num ambiente de violência, pois como ela iria chamar a polícia e colocá-la dentro de uma comunidade dominada por uma facção ou um grupo? Num ambiente de extrema violência — quase uma faixa de Gaza —, a questão da violência doméstica não tinha espaço.

Mas em geral trata-se de um tipo de violência invisível, e a mulher estava duplamente vulnerável pelo fato de que a violência ocorre no ambiente familiar, intramuros, e pelo fato de que romper aquela porta e se dirigir à polícia era impossível. Hoje, com as UPPs, tem havido um aumento de registros de violência nessas comunidades”.

A socióloga enfatiza ainda que, apesar de a Lei Maria da Penha ser amplamente conhecida e ter “vindo para ficar”, constatam-se dificuldades de “ordem estrutural na implementação da lei que perpassa o Sistema Judiciário e o Sistema de Segurança do Brasil: a falta de infraestrutura, a morosidade, o acúmulo de processos, etc., os quais se veem ainda mais acentuados em nível da implementação da Lei Maria da Penha. Para ela, essas são consequências da “desvalorização da mulher na sociedade”, a qual “se atualiza na prática, fazendo com que as violência por ela sofridas tenham menos espaço nas instancias policiais e de justiça”.

Jacqueline Pitanguy é socióloga e ex-professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e da Universidade de Rutgers, New Jersey, EUA. Foi presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM e em 1990 fundou a CEPIA – Cidadania, Estudos, Informação e Ação, uma organização não governamental com sede no Rio de Janeiro, da qual é coordenadora executiva. Integra na qualidade de notório conhecimento, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Num espectro de pessoas que sofrem violência, como é possível situar a violência contra a mulher, considerando as estatísticas levantadas ano a ano?

Jacqueline Pitanguy – Existem dados estatísticos que são atualizados constantemente, e a Secretaria Pública do Rio de Janeiro publica, anualmente, um Dossiê Mulher, o qual é, talvez, o mais interessante documento disponível para se consultar em nível de estatísticas, porque permite na analises de séries histórica e permite fazer estudos comparativos. Lamentavelmente, estatísticas nacionais, com séries históricas, não existem. A pergunta toca, justamente, num ponto fundamental, que é a ausência de estatísticas comparativas nacionais,esse é um dos elementos que vem sendo aprimorado e que precisa ser aperfeiçoado porque demonstra, a importância que é atribuída  pela sociedade a essa questão.

Quando se tem boas estatísticas, claras, como de homicídio, por exemplo, isso significa que o homicídio é uma questão que precisa ser registrada e quantificada. Mas existem poucas estatísticas sobre a violência contra as mulheres. O que se tem são alguns dados de, por exemplo, a cada “x”tempo uma mulher é agredida no Brasil.

Mas as estatísticas devem ser mais completas, assinalar qual é o tipo de agressão, se foi cometida com um elemento do tipo faca, revólver, soco, etc. O Brasil, apesar de estar melhorando, ainda carece de estatísticas que sejam nacionais, comparativas e que permitam, então, uma série histórica para analisar tendências nacionais comparativas e que permitam análises de séries históricas para estudar tendências.

Por outro lado, existem as estatísticas que permitem um olhar sobre o momento, e uma das que me impressionou muito foi a referente ao número de estupros, que era maior do que o número de homicídios dolosos. Essa estatística era comparada entre vários estados e os dados eram estranhos porque, por exemplo, em Rondônia as taxas de estupro eram semelhantes às de Santa Catarina o que  eliminava uma série de elementos que poderiam ser fatores ou variáveis intervenientes, como peculiaridades de cada estado. Esses dados pareciam indicar que , no caso do estupro,  essa forma de violência não respondia  a características contextuais.

Uma questão que deve se considerar no fenômeno da violência contra a mulher são os agravantes ou seja, o fato de as mulheres serem agredidas no âmbito familiar e dentro de relações de afeto e proteção — onde a vítima está mais desarmada e vulnerável —, e o fato de ser uma violência de repetição. Essas duas características dão uma especificidade a esse tipo de violência: o ambiente em que ela acontece é aquele em que supostamente seria o ambiente da proteção, do acolhimento. E na medida em que vitima e agressor convivem, a agressão se repete.

IHU On-Line – O que dificulta a formulação de estatísticas? É o fato de as mulheres terem dificuldades de denunciarem casos de violência ou de não haver um acompanhamento institucional desses casos?

Jacqueline Pitanguy – São todos esses fatores. Da parte da vítima há uma dificuldade muito grande, e isso já está muito estudado e analisado. Há uma dificuldade de ela perceber-se como vítima, de perceber aquele homem como agressor, justamente porque a relação que ela vive com aquela pessoa é uma relação, supostamente, de afetividade, uma relação sexual, existem filhos envolvidos, e ela tem uma tendência a achar que, de alguma forma, merece a violência por conta de algo que fez de errado — e aí vem a questão da baixa estima da mulher —, ou então que isso vai acabar, porque foi só um momento. Associado a isso, ela tem vergonha de dizer que o casamento é um inferno, que a vida afetiva é um fracasso e, além disso, existem os filhos, os quais frequentemente a enredam, porque pode haver um agressor que é bom pai. Então, existe uma série de fatores de ordem emocional, psicológica, que colaboram para que a mulher fique muitos anos nessa situação violenta.

Outro fator historicamente demonstrado é a ausência de espaços institucionais em que ela possa registrar essa violência. A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher – DEAM foi criada porque, para a segurança pública, a violência — a não ser o homicídio — praticamente não era considerada crime. Então, tem-se aí um caminho político que foi percorrido pelas mulheres e que levou ao fato de termos 500 delegacias especializadas e um número crescente de registros de violência. É neste ponto que gostaria de chamar a atenção: quando temos um número crescente de registros de violência, não necessariamente é porque a violência está aumentando; tem de se considerar também que é porque as mulheres estão registrando, estão rompendo aquele muro de silêncio. Costumo dizer que crime e castigo são construções históricas , e o próprio conceito do que é violento numa sociedade é datado ; não necessariamente se justapõe o exercício da  violência com a u criminalização daquele comportamento violento e com a sua punição. Há alguns espaços aí. Um exemplo claro em todas as sociedades é o homicídio, ou seja, tirar a vida de alguém é uma forma de violência. Contudo, há situações — como no caso Brasil até recentemente — em que, sob certas circunstâncias, essa violência não é punida.Como por exemplo, quando o marido mata a mulher, se instaura o inquérito, a ação é criminalizada, ele vai a julgamento e é absolvido ou recebe uma pena mínima de dois anos com o argumento de legitima defesa da honra . Aí se tem uma situação em que, efetivamente, o exercício de um comportamento violento é aceito pelo Judiciário com esse argumento, geralmente associado aos chamados crimes passionais e que leva a que a vítima se transforme em réu.

Contudo, há situações — como no caso Brasil até recentemente — em que, sob certas circunstâncias, a pessoa que cometeu esse crime, por exemplo, quando o marido mata a mulher, se instaura o inquérito, a ação é criminalizada, ele vai a julgamento e é absolvido ou recebe uma pena mínima de dois anos. Aí se tem uma situação em que, efetivamente, o exercício de um comportamento violento é aceito pelo Judiciário com o argumento da legítima defesa e da honra.

Então, nesse espaço entre o que a sociedade percebe como violento, muitas vezes a vítima é transformada em réu. Nesse caminho entre o ato violento, a sua criminalização e a punição, temos um trabalho político do movimento de mulheres, primeiro — na década de 1970 —, em tornar essa violência visível aos olhos da sociedade e da mulher, segundo, em caracterizar essa violência como um crime e, terceiro, em puni-lo. De lá para cá avançamos muito. Apesar de ainda se utilizar o argumento da honra, isso vem perdendo peso nos tribunais e as mulheres vêm denunciando os casos de violência.

IHU On-Line – A senhora chama atenção para a questão da violência no ambiente doméstico. Entretanto, considerando o caso recente de três mulheres que foram estupradas por PMs numa favela no Rio de Janeiro, o que se pode dizer sobre a violência institucional? Ainda referente a essa questão, é possível traçar uma comparação de situações de violência em locais mais vulneráveis, como as favelas, e outros ambientes?

Jacqueline Pitanguy – Esse caso dos PMs é o que se denomina de violência institucional, ou seja, o exercício da violência por parte do agente da lei, que além do mais é armado, e que é de uma perversidade enorme, porque sua função explícita é proteger a vítima. Então, é um tipo de violência que, pela circunstância em que acontece, adquire uma conotação de gravidade enorme. Por outro lado, fazendo uma leitura positiva, há dois elementos: essas mulheres, mesmo em condições difíceis, denunciaram a violência, a denúncia foi acolhida e eles foram presos; e é muito provável que essa denúncia não fosse feita em outros tempos históricos.

Ainda há alguns estudos demonstrando que, quando as comunidades não eram pacificadas, era praticamente impossível para uma mulher recorrer à polícia num ambiente de violência, pois como ela iria chamar a polícia e colocá-la dentro de uma comunidade dominada por uma facção do trafego de drogas? Num ambiente de extrema violência — quase uma faixa de Gaza —, a questão da violência doméstica não tinha espaço. Se , de modo geral  a violência doméstica é pouco visível, nessas comunidades a mulher estava duplamente vulnerável pelo fato de que a violência ocorre no ambiente familiar, intramuros, e pelo fato de que romper aquela porta e se dirigir à polícia era impossível. Hoje, com as Unidades de Polícia Pacificadora – UPPs, tem havido um aumento de registros de violência nessas comunidades. Então, isso mostra claramente como é fundamental um ambiente externo que garanta a livre circulação sem medo das pessoas, para que isso possa acontecer. Entretanto, ainda há um longo caminho no sentido de levar essas mulheres a perceberem que comportamentos tais como agressões verbais, agressões psicológicas, são fatores de violência.

IHU On-Line – Quais são as razões de o número de estupros estar crescendo no Rio de Janeiro desde 2008? É possível vislumbrar qual é a causa?

Jacqueline Pitanguy – Eu não sei se está aumentando o número de estupros ou o número de registros. Sei que em comunidades em que têm UPPs, tem aumentado o número de registros, mas como não havia registros antes, não há como saber.

IHU On-Line – Quais são os tipos de violência mais frequentes cometidos contra as mulheres? E quais casos são mais denunciados?

Jacqueline Pitanguy – Agressão, mesmo porque a violência sexual ainda é a mais encoberta e é mais difícil uma mulher denunciá-la, ainda mais quando é criança, porque não há como romper o muro.

IHU On-Line – Quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelas mulheres vítimas de violência de denunciar os agressores? A senhora mencionou a vergonha. Quais são as demais razões?

Jacqueline Pitanguy – São muitos os fatores, porque inclusive os sentimentos humanos são muito complexos, não é “pão, pão, queijo, queijo”. Então, muitas mulheres ainda se sentem apegadas àquele homem, acham que ele vai melhorar, como elas dizem, muitas também são dependentes em termos de sustento da família, dependentes emocionalmente, e outras se sentem melhor no mundo por serem casadas. Existem muitos fatores que corroboram para essas decisões. Um é de ordem geral, como a dependência ou codependência, e o outro é com relação à conformação da ideia do feminino que ainda — apesar de estar mudando —, é muito relacionada a uma ideia de submissão, de tolerância, de aceitação em relação à identidade masculina. Ainda se educam meninos e meninas de maneiras muito diferentes: as meninas mais para a aceitação, e os meninos mais para a agressão. Não é que se deseja que as meninas sejam educadas para a agressão, mas que sejam educadas de forma a terem autoestima que permita que elas tenham, na sua trajetória existencial, uma igualdade em vários setores, no trabalho, na família, ou seja, que ela caminhe pela vida como um ser pleno de direitos e responsabilidades, e não que caminhe com um passo de subalternidade. Essa realidade ainda existe nos ensinamentos dentro de casa e nos livros escolares. E o comportamento masculino se forja por uma base de violência muito grande.

IHU On-Line – Você tem informações de casos de mulheres que não interrompem a gravidez em casos de estupros e têm filhos? Essa situação é comum?

Jacqueline Pitanguy – Não sei dizer se é comum ou não; não posso falar em termos de casos. Agora, o que posso dizer é que há uma falha institucional em dar acolhimento para essas mulheres em todo o país. Em toda a cidade do Rio de Janeiro, nós só temos um hospital que efetivamente realiza a interrupção da gravidez. Então, em primeiro lugar, muitas vão levar a gravidez adiante não porque optaram, mas porque ou não sabem que têm o direito de abortar, ou é tão complicado exercê-lo — porque exigem Instituto Médico Legal e afins, porque às vezes se suspeita que ela não esteja grávida por conta de um estupro —, que desistem. Assim, em um momento de horror e extrema fragilidade, a mulher pode desistir de abortar e não tem acesso imediato à pílula do dia seguinte, etc.

Agora, no caso de uma mulher que tem acesso a serviços privados e decide levar a gravidez adiante, não sei realmente dizer o que acontece na cabeça daquela mulher de trazer no corpo dela a marca do agressor. Teríamos de avaliar caso a caso, de repente é uma mulher que nunca engravidou e que sempre teve vontade de ter filhos, de repente é uma mulher extremamente religiosa, etc.

IHU On-Line – Qual tem sido a eficiência da Lei Maria da Penha em relação à agressão de mulheres? Existe um acompanhamento psicológico posterior para as vítimas?

Jacqueline Pitanguy – Nós acabamos de fazer na Cepia um estudo sobre a implementação da lei Maria da Penha em cinco capitais. Esse estudo trata desde a perspectiva do agente de Justiça, ou do que chamamos de operador de Justiça e de segurança, a partir de uma pesquisa das DEAMs e dos juizados, porque a lei cria juizados especiais. Essa pesquisa aponta questões de ordem estrutural na implementação da lei que perpassa o Sistema Judiciário e o Sistema de Segurança do Brasil: a falta de infraestrutura, a morosidade, o acúmulo de processos, etc., os quais se vêem ainda mais acentuados em nível da implementação da Lei Maria da Penha. Então nós esbarramos novamente no que estamos conversando desde o início, que é a questão da desvalorização como um todo da mulher na sociedade, que ainda persiste no imaginário dos agentes desses sistemas, e como isso se verifica na prática, fazendo com que essas DEAMs tenham menos espaço na importância policial, recebam menos recursos, além de haver mais dificuldades, para as delegadas lotadas, em ascenderem na carreira, sendo, portanto, um lugar menos cobiçado, menos interessante em nível de carreira policial.

Os juizados criados pela lei Maria da Penha ainda sofrem de uma série de restrições, tanto em nível orçamentário quanto em nível do pessoal lotado. Acúmulo de que já eram mais ou menos tradicionais quando se criaram as DEAMs, persistem e perpassam também o Sistema Judiciário. Agora, além disso, ainda há certo desconhecimento de operadores da Justiça — não estou generalizando —, mas ainda existe certo desconhecimento quanto à Lei Maria da Penha, por exemplo, de que a lei se aplica mesmo não havendo a coabitação. Também ainda se encontram juízes que tentam a conciliação, porque antes, com a Lei nº 9.099, nós tínhamos o Juizado de Pequenas Causas que trabalhava fundamentalmente a partir da conciliação, colocando a vítima e o agressor juntos para se conciliarem. Então, ainda temos os problemas que são gerais, regulares do nosso Sistema de Segurança e do nosso Sistema de Justiça, acrescidos em alguns casos de certo desconhecimento da lei e também de preconceitos que ainda persistem no operador de segurança e no operador de Justiça.

Isso posto, nós encontramos na pesquisa aqueles e aquelas que, ao contrário, abraçam a lei e, mesmo enfrentando dificuldades, tentam aplicá-la da melhor forma possível porque acreditam nela. Na realidade, outro aspecto positivo é que todos conhecem a Lei Maria da Penha, ela é aquela lei que pegou, as pessoas conhecem a lei apesar de o operador de Justiça e de segurança não conhecê-la na especificidade do detalhe que deveria. Então, há muito ainda para avançar no aprimoramento, mas a lei é boa, é bastante completa e veio para ficar.

IHU On-Line – Existem pesquisas de como é a vida dessas mulheres anos depois de serem agredidas de algum modo? Elas conseguem reconstruir a vida?

Jacqueline Pitanguy – Particularmente não tenho conhecimento. Seria preciso fazer um estudo de caso, para ver, inclusive, caso a caso. Entretanto, trabalhamos muito com intervenção social em comunidades de baixa renda e, sobretudo, em comunidades que têm UPPs. Nesses ambientes desenvolvemos oficinas com um método participativo muito interessante, e nessas oficinas vai surgindo a questão da violência como um monstro que vai chegando aos poucos até desenhar-se: é uma pontinha aqui, uma pessoa que fala outra coisa ali, e de repente você tem a história completa de mulheres que desde o início do casamento, ou a partir do segundo ou terceiro ano, começaram a ser agredidas, e do tempo que elas demoraram — às vezes 13 anos, às vezes oito anos, às vezes cinco anos — para sair dessa situação, e do alívio depois da denúncia. São mulheres muito guerreiras, porque muitas vezes, já dentro da relação, eram elas os principais sustentáculos daquela família, daquele lar. O salário dessas mulheres, inclusive, vai todo direto para a família — para comprar roupa para o filho, comida, etc. Isso já está comprovado estatisticamente; o próprio Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF diz que um dólar que a mulher ganha é revertido para a família, e um dólar que o homem ganha não é necessariamente revertido para a família. Então, são mulheres que, do ponto de vista objetivo, já sustentavam seus lares, eram o sustentáculo emocional dos filhos, mas sentiam-se absolutamente vulneráveis em romper.

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