Cientista egípcio que vive no Brasil há 40 anos recebe láurea por suas pesquisas para melhorar a mandioca e usá-la no combate à fome no mundo
Fernando Tadeu Moraes / Folha de São Paulo
Quando ainda morava no Egito, no começo dos 1970, o botânico e geneticista Nagib Nassar conheceu um livro que decidiria seu destino: “Geografia da Fome”, do pernambucano Josué de Castro, um dos mais importantes estudos sobre a insegurança alimentar no Brasil.
O livro o influenciou a vir para o país e dedicar toda a sua carreira a pesquisas em torno dos melhoramentos da mandioca, com o propósito de usar o alimento como recurso no combate à fome.
O pesquisador foi agora condecorado com o Kuwait International Prize of Environment, que será entregue em uma cerimônia em dezembro. Junto com o prêmio, Nassar também receberá US$ 100 mil (cerca de R$ 250 mil). O dinheiro já tem destino certo: será usado para financiar pesquisas com mandioca.
“É uma maneira de continuar o trabalho de uma vida inteira”, diz Nassar, com forte sotaque, apesar de viver há 40 anos no Brasil.
Ele diz que o dinheiro será doado à UnB (Universidade de Brasília), na qual foi professor por quase 30 anos. Os rendimentos financiarão alunos de doutorado e pesquisas sobre a mandioca.
Nassar espera ser um exemplo que incentive esse tipo de doação no Brasil. “Se isso acontecer, o impacto dessa minha pequena contribuição será muito maior.”
“Essa é uma atitude típica de quem tem paixão pelo que faz”, diz Jaime Santana, decano de pesquisa e pós-graduação da UnB. Santana acrescenta que a falta de uma cultura de filantropia e os entraves burocráticos dentro das universidades são os grandes empecilhos para que esse tipo de prática torne-se mais comum no país.
Em 1974, Nassar era professor na Universidade do Cairo e soube que havia um acordo científico entre Brasil e Egito. Viu aí oportunidade de estudar a cultura da mandioca na região em que ela se originou.
Logo que chegou ao país, como professor visitante da USP, Nassar fez uma longa viagem pelo Nordeste coletando e catalogando espécies silvestres de mandioca.
Na época, o oeste da África era assolado pelo mosaico africano da mandioca, vírus que estava destruindo plantações da raiz e causando fome em vários países.
Cruzando espécies silvestres do Brasil com a mandioca cultivada, o pesquisador produziu um híbrido resistente à praga, cujas sementes tiveram um enorme sucesso nos países assolado pela doença. “Essa foi minha primeira contribuição científica de importância”, diz Nassar.
Nassar depois buscou criar híbridos de mandioca mais nutritivos. “Ninguém imaginava que espécies silvestres da mandioca possuíssem altos níveis de proteína. Consegui mostrar que isso poderia ser transferido para a mandioca comum através de cruzamento.” O resultado foi uma espécie de mandioca com o dobro de proteína.
Crítico ferrenho dos transgênicos, teme os efeitos desse tipo de alimento no longo prazo. “Nos transgênicos, os genes são transferidos de vírus ou bactérias para a planta, para a raça humana e o nosso ambiente com impactos imprevisíveis.”
Apesar da aposentadoria compulsória aos 70 anos, Nassar ainda vai todas as manhã para a UnB e orienta alunos. No tempo livre, dedica-se aos livros e aos filmes. O cientista é dono de uma coleção de quase mil dvds.
Após quase 50 de dedicação à ciência, Nassar considera-se realizado. “A maior realização para um cientista como eu é produzir uma obra inovadora, com impacto científico importante e grandes consequência sociais.”
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.