Reflexão e troca de experiências no segundo dia da 37ª Romaria da Terra e das Águas

Saida para os plenarinhos (1)

Os Plenarinhos movimentaram o segundo dia da 37ª Romaria da Terra e das Águas, em Bom Jesus da Lapa – BA, neste sábado, 05/07. Os encontros temáticos aprofundaram questões sobre os direitos da criança, juventude, trabalho escravo, revitalização das bacias hidrográficas, defesa dos territórios, e fé e política, contando com as contribuições dos romeiros e romeiras na partilha de suas experiências de luta e vivências de fé. Confira a seguir os registro desses encontros.

Por Equipe de Comunicação da 37ª Romaria da Terra e das Águas

Crianças empoderadas

Pela segunda vez a romaria abriu um espaço exclusivo para os romeiros mirins com o plenarinho “Criança é para ser amada e não explorada e abandonada”. Com a coordenação da Pastoral da Criança, da diocese de Irecê, a plenário reuniu cerca de 200 pessoas, entre adultos e crianças, aprofundando o tema do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

Para a romeira Sheila Moreira, da comunidade de Senhor do Bonfim, arquidiocese de Vitória da Conquista, “hoje as nossas crianças estão expostas a tudo, por isso a importância deste plenário”.

E a lição foi bem feita! A garotinha Hellen de Souza, 10 anos, de Canarana, diocese de Irecê, soltou a voz: “criança é para brincar, estudar e não para trabalhar. Foi muito bom a romaria colocar um plenário para nós. Hoje aprendi sobre os nossos direitos e também como devemos respeitar os nossos pais”, pontuou.

A presença do inspirador do plenarinho, Felipe Vieira, do município do este baiano Sitio do Mato, ganhador da Olimpíada Nacional de Matemática, e o estudo do ECA  animaram a criançada a reivindicar seus direitos, através de desenhos e cartazes, com reivindicações dirigidas aos  pais, igreja e governo.

Trabalho escravo e exploração sexual são destaques na reflexão da juventude

O plenarinho da juventude contou com a presença de mais de 300 jovens envolvendo representações da Pastoral da Juventude – PJ, Pastoral da Juventude do Meio Popular -PJMP, Pastoral da Juventude Rural – PJR, Levante Popular da Juventude – LPJ, juventude do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, Juventude do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST e outros, para refletir o tema “Libertar a juventude do campo e da cidade

Embalados por músicas, os jovens iniciaram as atividades com um momento celebrativo seguido de uma homenagem ao patrono do plenarinho, Ney Silva, membro da PJMP da diocese de Bom Jesus da Lapa, falecido em 2011.

O espaço buscou contemplar o espirito da juventude envolvendo o trabalho de formação com dinâmicas, agitação e animação. A assessora Elizabete Dias, assistente social, tratou do tema da exploração sexual, enfocando a desigualdade social como fenômeno que determina a exploração sexual e como se configura o mapa da exploração no Brasil. O Trabalho Escravo foi abordado por Elizabete, da Comissão Pastoral da Terra – CPT e Fabiano, secretário da Campanha no estado da Bahia.

Eles destacaram que o trabalho escravo no Brasil tem como motivador a concentração de terra, que atualmente está caracterizado no agronegócio. Informando que as principais vítimas desta relação são homens, sendo na sua maioria jovens. Falaram também sobre os meios de defesa dos trabalhadores, orientando as organizações para realização de denúncias ao Ministério do Trabalho e a Superintendência Regional do Trabalho, assim como as organizações de apoio, inclusive à CPT.

O plenarinho, que contou ainda com a partilha de informes e experiências dos participantes, ressaltou a necessidade de organização e mobilização da juventude para o questionamento e construção de ações que promovam a justiça social e a democracia.

Atentas às reflexões, a estreante na romaria, Cecília Cunha, 21, de Jabaraguara, diocese de Jequié, considerou o encontro “maravilhoso e uma motivação para muitas pessoas”; e Patrícia Rodrigues, 23, de Morropará, arquidiocese de Vitória da Conquista, diz que vai “assumir o compromisso de colocar em prática tudo que foi apreendido”.

O Rio São Francisco e outras Bacias: como salvá-las?

Na Igreja Bom Jesus dos Navegantes, em Bom Jesus da Lapa, o Plenarinho do Rio São Francisco revelou novas experiências de resistência popular contra projetos degradantes em outras Bacias Hidrográficas da Bahia.

Representantes de comunidades tradicionais, organizações e movimentos populares de diferentes territórios da Bahia conheceram e compartilharam diversas experiências de organização e mobilização popular pela revitalização de bacias hidrográficas. Entre as experiências relatadas, a defesa e promoção do direito à terra e ao território, na luta contra os grandes projetos, se mostrou estratégica para o trabalho de preservação de bacias.

Este é caso da Bacia do Rio Formoso. De acordo com o integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Temóteo Gomes da Silva, a mobilização popular impediu a construção de barragens ao longo do rio para a construção das Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCH). Ele alerta, entretanto, que os grandes projetos produtivos ameaçam o acesso a água das comunidades tradicionais, a exemplo da retirada de água do Rio Itaguarí para projetos de criação de peixe, que consome 40% da água do rio. Marly Lessa Ribas, que também integra o MAB no Médio São Francisco, lembrou, entretanto, que no Rio Itaguarí existem 26 projetos de construção de barragens, mas nenhuma foi construída ainda também pela força da mobilização popular.

O coordenador do Projeto de Articulação Popular São Francisco Vivo, Ruben Siqueira, lembrou que iniciativas como essas mostram que resistir contra as tentativas de avanço do sistema de produção capitalista sobre as terras e os territórios é a melhor forma de evitar a degradação. “Sem mudar o sistema, ficamos a enxugar gelo. Tem que lutar pelo saneamento, mas tem que lutar para parar a poluição. Tem que lutar por coleta, mas é necessário lutar para parar de produzir lixo”, disse.

O coordenador técnico de um dos Programas de Convivência com o Semiárido da Articulação no Semiárido Brasileiro (P1+2/ASA), José Vieira, destacou a importância do trabalho de formação e organização das comunidades na resistência contra os grandes projetos. Ele citou o exemplo das famílias das comunidades de Malhada e Vereda dos Cais, no município de Caetité, também no Médio São Francisco. Nestas comunidades onde já existe um trabalho de convivência com o semiárido, as famílias se negaram a ir às reuniões e assinar documentos da empresa Renova Energia, que vem instalando Parques Eólicos na região. As que ficam, entretanto, sofrem com o desmatamento, a perfuração intensa de poços artesianos para uso exclusivo da empresa e a destruição das nascentes.

Homenagem – Exemplo de vida e trabalho pela resistência e organização popular, a professora Cremilda Teixeira de Souza foi homenageada durante o Plenário do Rio São Francisco. A homenagem foi feita pelo filho, João Pereira, que contou um pouco da história de vida de sua mãe e animou o Plenarinho com a canção Do Francisco, de sua autoria. Filha da lavadeira Maria Senhora Teixeira, Cremilda engajou-se como educadora na comunidade do Magal Barro Vermelho, hoje reconhecida como comunidade remanescente de quilombolo graças à sua intensa contribuição na luta pela terra.

“Fé comprometida com a vida”

Entoando cantos que convidam para o compromisso com a luta do povo, romeiros e romeiras refletiram sobre as suas dificuldades, esperanças, fé, organização e coragem para construir uma sociedade justa e uma vida digna em abundância no plenarinho “Fé e política: CEBS – Justiça e profecia a serviço da vida”.

O assessor do plenarinho, padre Luís Miguel, da diocese de Ruy Barbosa, provocou o público com a pergunta: quem aqui é político? Trazendo a discussão para a importância de se fazer presente em todos os espaços da sociedade. “Devemos ser políticos. Ser político é ser cidadão. A partir de nossa fé devemos participar da câmara de vereadores, dos fóruns de cidadania, defender as lutas”, ressaltou o religioso.

Para o assessor a fé tem que está comprometida com a vida. Fazendo esta relação ele faz memória aos padres Cícero e Ibiapina, “profetas, principalmente do povo da roça, com atitudes e palavras”.

Animando ainda mais a reflexão a partir da memória de pessoas que dedicaram suas vidas à serviço das lutas populares, o plenarinho destacou a trajetória de Francina da Conceição, homenageando-a como patrona do grupo, com a presença de seus familiares. Leiga consagrada, tia França, como era conhecida, faleceu em junho de 2013 deixando uma caminhada marcada por uma fé vivida na simplicidade e na doação aos empobrecidos. Foi servidora pública, professora, vereadora, exercendo sua cidadania através da política ligada à fé e à vida.

A trajetória desses “profetas” inspira a caminhada do povo. “A gente se anima”, diz Arlindo Barbosa, da diocese de Vitória da Conquista, que todos os anos participa da romaria. “Eu venho para me realimentar, para fazer um trabalho de libertação da terra e das águas procurando uma vida melhor para todos nós, pobres”, enfatiza o trabalhador rural. Sua fala é seguida pela romeira Jaqueline Machado, “é a minha terceira romaria e sempre quero voltar para renovar a fé e a vontade de lutar”.

Reafirmando a romaria como um espaço não só de reflexão, mas de troca de experiências, os romeiros partilharem as dificuldades vividas em suas comunidades e suas vivências de fé. Falta de trabalho digno, assistência à saúde e educação; problemas com drogas; avanço da mineração e agronegócio; evangelização foram alguns dos temas trazidos pelo povo, destacando que o sofrimento não é isolado e que o compromisso com a luta é de todos.

Desafios e avanços na luta das comunidades tradicionais em defesa dos seus territórios

Reunindo sem terra, pequenos agricultores, indígenas, quilombolas e pescadores, o plenarinho “Terra e território: libertar a terra é defender a vida” refletiu sobre os desafios enfrentados pelas comunidades tradicionais e camponeses na defesa de seus territórios e modos de vida. Instalados em áreas cobiçadas pelo mercado de terras e pelo agronegócio, as famílias encontram-se pressionadas pelo avanço dos projetos do capital.

Os sem terra trouxeram para o encontro a discussão sobre a conquista da terra, monocultura, organização dos movimentos sociais, descaso do judiciário e linha de crédito para os assentamentos, bem como a necessidade de unidade nas lutas.

A turma do fundo e fecho de pastos, quilombolas e pequenos agricultores contribuíram com abordando as questões da falta de políticas públicas estruturantes, regularização dos territórios, respeito às culturas locais. E ainda, a burocracia dos bancos, documentação das terras, minifúndios, agrotóxicos, sementes geneticamente modificadas, crédito para jovens, assistência técnica apropriada, educação contextualizada.

Os pescadores não ficaram de fora, provocando a discussão sobre a poluição dos rios, sendo seguido dos indígenas com a abordagem da intimidação por parte da Polícia Federal e do descaso do Estado e retomada dos seus territórios.

Os avanços das lutas também foram apresentados no plenarinho. Destacando a formação da classe trabalhadora, projeto de habitação, Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Além da união das associações, produção, comercialização, regularização de algumas áreas e levantamento fundiário com o apoio das entidades. Bem como, a formação de colônias, venda de peixes para merenda escolar, formação para os núcleos e criação do Ministério da Pesca.

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